Exclusivo Banco de Portugal chumba garantias públicas do Banco de Fomento à Efacec

O Banco de Fomento deu 99 milhões de euros de garantias à Efacec, violando a lei. Banco de Portugal exige regularização das operações quando a venda da Efacec à DST aguarda aprovação de Bruxelas.

O Banco Português de Fomento violou a lei ao conceder garantias públicas totais de 99 milhões de euros à Efacec, em duas operações financeiras realizadas pela participada Norgarante, quando só poderia ter dado garantias até 14,6 milhões de euros. O Banco de Portugal notificou a Norgarante da ilegalidade e exige a regularização da situação, em 30 dias, ao abrigo do Regime Geral de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). Foram estas duas operações que permitiram a viabilidade da empresa deste a nacionalização, em julho de 2020, até à venda à DST no passado dia 24 de fevereiro, negócio que está dependente da aprovação de Bruxelas.

A avaliação do Banco de Portugal é clara. Numa carta de 3 de março, a que o ECO teve acesso, enviada à administração da Norgarante, a sociedade de garantia mútua que prestou as garantias públicas à Efacec para assegurar os financiamentos da banca privada, o “assunto” explica o que está em causa: “Audiência prévia – Emissão de medidas de supervisão à Norgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.”. São várias as falhas apontadas à sociedade participada pelo Banco de Fomento que gere diretamente as linhas de financiamento às empresas, umas de informação, outras de violação da lei e do referido código. A principal, e que justifica a exigência de medidas corretivas e o risco de contraordenações, é a violação do artigo 109º do regime das instituições financeiras. O que diz o artigo, desde logo a primeira alínea?

  • O montante dos créditos concedidos, sob qualquer forma ou modalidade, incluindo a prestação de garantias, a pessoa que direta ou indiretamente detenha participação qualificada numa instituição de crédito e a sociedade que essa pessoa direta ou indiretamente domine, ou que com ela estejam numa relação de grupo, não poderá exceder, em cada momento e no seu conjunto, 10% dos fundos próprios da instituição.

Contactada, a Norgarante garante que cumpriu a lei e avança que vai responder ao Banco de Portugal “dentro do prazo concedido”, ou seja, dez dias. “Não foram ignoradas as regras do RGICSF. A Norgarante seguiu rigorosamente os mesmos procedimentos e entendimentos estabelecidos para todas as restantes garantias que emitiu ao abrigo da linha ‘Garantias Financeiras Covid 19’ e da linha ‘Apoio Economia Covid 19 – Médias Empresas, Small Mid Caps e Mid Caps’“, responde. E esclarece que aguardará a decisão final do Banco de Portugal após a sua pronúncia.

O Banco de Portugal, nesta carta a que o ECO teve acesso, considera que houve uma violação grosseira desta lei. Porquê? A Norgarante não identificou devidamente as chamadas partes relacionadas, isto é, “todos os acionistas qualificados, diretos e indiretos e as empresas por eles dominadas“. A Norgarante é uma entidade mutualista, participada pelo Banco de Fomento, e como é explicitado no regime das instituições financeiras, “o artigo 109.º limita a possibilidade de concessão de crédito sob qualquer forma ou modalidade, incluindo a prestação de garantias, a detentores de participações qualificadas, detidas direta ou indiretamente, bem como a sociedades que estes dominem ou que com eles estejam em relação de grupo“. Só que 71,73% do capital da Efacec foi nacionalizado, portanto, é também uma empresa pública que beneficiou de uma garantia de uma entidade financeira pública, o Banco de Fomento, através da Norgarante.

A Efacec beneficiou de dois empréstimos da banca comercial, que só se realizaram por serem garantidos pelo Estado. Um primeiro, em meados de 2020, de 70 milhões de euros, dos quais 63 milhões garantidos pelo Banco de Fomento, e um segundo, de 45 milhões, dos quais 36 milhões assegurados por uma outra garantia pública. Daí os 99 milhões identificados pelo Banco de Portugal que serviram para pagar salários e fornecedores, mantendo a Efacec acima da linha de água. A primeira garantia foi aprovada quando a Norgarante era chefiada pela Teresa Duarte, agora vogal da sociedade, e a segunda já foi aprovada por Henrique Cruz, que era o presidente da antiga Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), o organismo que foi fundido no Banco de Fomento, instituição presidida por Beatriz Freitas.

O Banco de Portugal pode exigir que as instituições de crédito que não cumpram as normas que disciplinam a sua atividade, ou relativamente às quais disponha de informação evidenciando que não as cumprirá no prazo de um ano, adotem com caráter imediato as medidas ou ações necessárias para resolver a situação.

No final de 2021, a Efacec já tinha uma dívida superior a 210 milhões de euros, quando a DST, o virtual vencedor do concurso de reprivatização, exigiu que a companhia industrial tivesse uma dívida máxima de 90 milhões de euros. O Estado tornou-se um “acionista de controlo de uma sociedade que tem um nível de endividamento baixo”, para “resolver um problema concreto e permitir a empresa que siga o seu caminho”, dizia, à data da nacionalização, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, o responsável político por todo o processo que conduziu à venda da empresa, incluindo as garantias públicas do Banco de Fomento, agora chumbadas pelo Banco de Portugal.

O Banco de Portugal, na carta assinada por dois diretores do Departamento de Supervisão Prudencial, detalha o calendário das decisões da Norgarante que violaram a lei.

  • Em reunião de 31 de julho de 2020 (ata n.º 795), a Comissão Executiva de Norgarante aprovou a concessão de garantias a duas sociedades do Grupo Efacec, no valor total de 63 milhões de euros.
  • Em reunião de 10 de dezembro de 2021 (ata n.º 872), a Comissão Executiva de Norgarante aprovou a concessão de novas garantias ao Grupo Efacec, no valor total de 36 milhões de euros, elevando o envolvimento para 99 milhões de euros. Esta operação foi ratificada pelo Conselho de Administração da Norgarante, em 29 de dezembro de 2021 (ata n.º 169).
  • Com referência a 30 de setembro de 2021, a Norgarante apresentava fundos próprios de 146,4 milhões de euros, pelo que o limite imposto pelo n.º 1 do artigo 109.º RGICSF ascendia a 14,6 milhões de euros. Neste contexto, a exposição perante o Grupo Efacec ultrapassa o referido limite legal.

O Banco de Portugal exige agora a resolução deste caso. Deu dez dias úteis à Norgarante (e, na prática, ao Banco de Fomento e ao ministro da Economia, Pedro Siza Vieira) para responder, prazo que terminou no dia 18, mas não foi possível saber se tal já se verificou. O ECO questionou o Banco de Fomento se os ministros da Economia e das Finanças tiveram conhecimento da violação da lei e se foram informadoa da decisão do Banco de Portugal. “Não temos conhecimento que exista qualquer violação da lei, as garantias em questão mantém-se válidas“, disse ao ECO fonte oficial da instituição liderada por Beatriz Freitas. Contactados, o Banco de Portugal, o Ministério da Economia, o Ministério das Finanças e a Parpública, a empresa pública acionista da Efacec, não responderam às perguntas do ECO.

O supervisor exige a resolução a dois níveis: Por um lado, “uma medida corretiva ao abrigo do artigo 116.º-C” do regime das instituições financeiras para comunicar de forma correta quais são as chamadas partes relacionadas e, no prazo de 30 dias, “um plano detalhado e calendarizado das ações a implementar para dar cumprimento à medida“. Além disso, a Norgarante tem também 30 dias — que estão a correr — para apresentar ao Banco de Portugal um calendário sobre as ações a tomar “relativamente à exposição” de 99 milhões à Efacec, ao abrigo do número 1 do artigo 116º C do referido regime geral que regula a atividade bancária. Neste número 1, “o Banco de Portugal pode exigir que as instituições de crédito que não cumpram as normas que disciplinam a sua atividade, ou relativamente às quais disponha de informação evidenciando que não as cumprirá no prazo de um ano, adotem com caráter imediato as medidas ou ações necessárias para resolver a situação“. Será o caso do Banco de Fomento e da Norgarante.

A Norgarante, em resposta ao ECO, refere que “tratou estas operações como faz em todas as outras” e “decidiu em conformidade com os procedimentos e critérios rigorosos em vigor na sociedade“. Mas o departamento de supervisão prudencial do Banco de Portugal, liderado por Luís Costa Ferreira, chumba as operações de garantias de crédito e põe em causa também os mecanismos de avaliação da segunda operação, no valor de 36 milhões de euros. “A análise de risco de suporte à decisão da Comissão Executiva [da Norgarante] assumiu um cenário único, nomeadamente a concretização da reprivatização do Grupo Efacec, não tendo sido considerados cenários alternativos e respetivos impactos, como por exemplo, adiamento da reprivatização ou eventual liquidação da sociedade, que permitissem uma avaliação mais ampla das consequências dessa decisão“. Além disso, lê-se na decisão preliminar do banco central, “o processo de aprovação da operação não teve em conta as melhores práticas de mercado, na medida em que os resultados documentados da própria avaliação da solvabilidade do cliente não permitem justificar a proposta de aprovação do pedido de emissão de garantia“, isto é, a Efacec não apresenta um balanço que justifica a garantia pública.

O Governo, recorde-se, aprovou em conselho de ministros de 24 de fevereiro a venda de 71,73% da Efacec à DST, mas o negócio está dependente das aprovações da Comissão Europeia (direção geral da Concorrência) e pressupõe uma nova operação a envolver o Banco de Fomento, como o ECO revelou em primeira mão.

A Efacec vai começar por reduzir o capital, para depois o Estado o aumentar em 60 milhões de euros com instrumentos financeiros de quasi-capital. Esta operação, designada de operação harmónio, será seguida de um reforço de capital da DST, com 81 milhões de euros. Finalmente, no momento anterior à assinatura do contrato (pré-closing), o Banco de Fomento avança com uma linha de refinanciamento. Uma linha que, tal como o ECO avançou, vai refinanciar a dívida da empresa em cem milhões de euros, a 25 anos, com uma taxa de juro de 1,25%, convertível em ações preferenciais sem voto.

Como o ECO revelou, a empresa liderada por Ângelo Ramalho teve um resultado líquido negativo de 62,7 milhões de euros e um EBITDA negativo de 31,8 milhões de euros (quando o target definido apontava para 22 milhões positivos). Os números são ainda provisórios e as contas deverão estar em vias de serem fechadas, estando marcado um conselho de administração para esta semana.

(Notícia atualizada com a clarificação de que a Norgarante é uma entidade participada pelo Banco de Fomento e com maioria de capital de mutualistas)

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