Os 7 desafios de Fernando Medina à frente das Finanças
Fernando Medina será o próximo ministro das Finanças, sucedendo a João Leão. Entra numa altura de desafios: guerra na Ucrânia, normalização da política monetária, dívida elevada e inflação a acelerar.
Fernando Medina, economista de formação, é o senhor que se segue no Terreiro do Paço. O Ministério das Finanças passará das mãos de João Leão, que sucedeu ao “Ronaldo das Finanças” Mário Centeno, para as do ex-presidente da Câmara de Lisboa que sofreu uma derrota eleitoral contra Carlos Moedas em outubro do ano passado. António Costa abre assim as portas do poder estatal ao seu delfim, mas há muitos desafios na mesa do próximo ministro das Finanças.
Tal como Mário Centeno, Fernando Medina foi em quinto lugar na lista do PS ao círculo eleitoral de Lisboa nas eleições legislativas antecipadas de 30 de janeiro, na sequência do chumbo do Orçamento no Parlamento. Coincidência ou não, este foi um prenúncio de que seria o próximo dono da chave dos cofres públicos, o que veio a confirmar-se esta quarta-feira na lista de ministros entregue pelo primeiro-ministro ao Presidente da República.
Com um perfil mais político do que técnico, ao contrário de Centeno e Leão, o novo ministro, que já tem experiência governamental no currículo, terá como primeira tarefa a elaboração e entrega da proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), cuja aprovação está garantida pela maioria absoluta do PS. O documento tem sido atualizado ao longo das últimas semanas pela atual equipa das Finanças devido à guerra e inflação, mas Medina poderá querer mudá-lo antes de o entregar.
Este é o desafio imediato do socialista, mas está longe de ser o único. A lista é extensa: além do OE2022, o novo ministro das Finanças terá de lidar com as consequências da invasão russa na Ucrânia, da aceleração da inflação na Zona Euro e em Portugal, com a normalização da política monetária por parte do Banco Central Europeu (BCE), a necessidade de reduzir o elevado rácio da dívida pública, as metas de baixar o défice e a discussão do futuro das regras orçamentais da União Europeia.
Invasão russa na Ucrânia pressiona gastos militares
Perante a desconfiança que existe com a Rússia na sequência da invasão da Ucrânia, o mais provável é que os países europeus, incluindo Portugal, aumentem a despesa pública em defesa. Este mês o atual ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, admitiu aumentar o orçamento das forças armadas nos próximos anos, referindo que o mesmo acontecerá nos países europeus da NATO, como é o caso da Alemanha que prometeu duplicar os gastos neste setor.
Até porque a atual despesa pública militar em Portugal é bastante baixa comparando com o histórico, principalmente em percentagem do total da despesa do Estado. Em 2020, a despesa pública em defesa fixou-se nos 1,3% do PIB na UE, mas no caso de Portugal ficou abaixo dos 1%. Fernando Medina será certamente pressionado, seja pelo Ministério da Defesa seja pela NATO e os parceiros europeus, a reforçar os gastos públicos nesta área.
Aceleração da inflação obriga Governo a agir
Outra das consequências da guerra na Ucrânia é o agravamento da subida dos preços, em particular da energia e de bens alimentares. Perante a pressão dos cidadãos e das empresas, o Governo já avançou com medidas — como o congelamento da taxa de carbono, o reforço do Autovoucher para 20 euros, a devolução em ISP do aumento da receita de IVA e linhas de crédito para as empresas — e prepara-se para acrescentar a descida do IVA dos combustíveis, o que poderá ter um impacto orçamental significativo, consoante a duração.
Se esta tendência continuar, não se exclui a hipótese de serem necessárias mais medidas, cujo crivo tem de passar pelas Finanças. Daqui a uns meses, quando tiver de desenhar a proposta de Orçamento do Estado para 2023, a pressão deverá ser ainda maior uma vez que se colocará em cima da mesa a atualização dos salários dos funcionários públicos, das pensões e do salário mínimo (na função pública e no setor privado). Caso o Governo cumpra o critério dos últimos anos, a subida dos salários da função pública poderá gerar uma despesa adicional significativa em 2023.
Política monetária do BCE a caminho da normalização
Na reunião de política monetária de 10 de março, o conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE) decidiu acelerar a retirada dos estímulos monetários face à aceleração da taxa de inflação na Zona Euro, o que surpreendeu alguns analistas que esperavam um adiamento face às consequências económicas e financeiras da guerra. Os juros das dívidas soberanas da Zona Euro, incluindo os de Portugal, subiram e desde então continuam a aumentar, ainda que se mantenham em valores historicamente baixos.
Porém, houve uma mudança no comunicado que sinaliza uma postura de pomba (dovish, isto é, favorável a estímulos monetários): anteriormente, o comunicado referia que as compras de ativos iam acabar “pouco antes” da subida dos juros; agora diz que a subida dos juros será “algum tempo depois” do fim das compras, o que poderá atirar o aumento para mais tarde do que o esperado anteriormente. Acresce que o BCE continua a garantir que está preparado para ajustar todos os seus instrumentos, mantendo a flexibilidade para introduzir mais estímulos se necessários.
Dívida pública tem de descer para 110% até 2026
A crise pandémica deixou um legado pesado no rácio da dívida pública que terá de ser resolvido nos próximos anos. O próprio admitiu isso em entrevista à RTP3 logo após as eleições: “A redução da dívida pública portuguesa também deve ser um dos focos do Governo“, disse, referindo o objetivo plasmado no programa eleitoral dos socialistas de atingir um rácio inferior a 110% até ao final da legislatura (2026). E há um objetivo intermédio de chegar a 2024 com uma dívida pública que não ultrapasse os 116% do PIB, o que pode ser condicionado pela guerra.
Em 2021, o rácio da dívida pública já desceu para os 127,5% e espera-se que desça ainda mais em 2022, mesmo com o impacto da guerra, desde que o PIB cresça e o défice encolha. Porém, mesmo assim, continuará acima do valor de 2019, antes da pandemia: o rácio estava nos 118,2% do PIB. A execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a recuperação pós-Covid, mesmo com a travagem provocada pela guerra e a aceleração da inflação, deverão beneficiar a redução do endividamento público, mas a subida dos juros da dívida (em vez da descida da fatura com juros que tinha ajudado as contas no passado) provocada pela normalização da política monetária é um risco à espreita.
“Contas certas” do PS após Covid-19 e com guerra à porta da Europa
Esta sexta-feira o novo ministro das Finanças deverá receber a confirmação de uma boa notícia que tinha sido Mário Centeno a dar em primeira mão: o Instituto Nacional de Estatística (INE) deverá revelar que o défice orçamental em 2021 ficou em 3% do PIB, segundo as contas do Conselho das Finanças Públicas, ou até abaixo desse patamar, segundo o governador do Banco de Portugal. Este desempenho orçamental, bem abaixo dos 4,3% do PIB estimados inicialmente pelo Governo, dava uma folga para 2022, tal como já tinha admitido o PS, mas a guerra na Ucrânia veio baralhar os planos.
Será preciso calcular o resultado de dois efeitos contrários — o aumento dos preços que dá mais receita fiscal ao Estado e a subida da despesa com medidas como o Autovoucher em conjunto com a perda de receita da descida do IVA –, mas é provável que a folga orçamental deixe de existir, principalmente se a guerra continuar durante meses. Esta será uma forte condicionante à execução orçamental deste e do próximo ano, colocando em causa o objetivo do anterior ministro das Finanças de ter um défice já próximo de zero em 2023.
Regras orçamentais da UE voltam?
A nível europeu, o foco das atenções do novo ministro das Finanças estará no reativar ou não das regras orçamentais da União Europeia, após três anos de suspensão por causa da pandemia, e, caso voltem, em que formato. O primeiro desafio será convencer os Estados-membros a manter as regras suspensas, caso a guerra e os seus efeitos se mantenham, em maio. Será nessa altura que o debate acontecerá e haverá certamente resistência a reverter uma decisão que já tinha sido tomada.
Caso as regras orçamentais europeias regressem mesmo em 2023, a pressão sobre Fernando Medina será maior, tendo de equilibrar as pressões para gastar mais em defesa ou salários com a necessidade de reduzir a dívida pública. Porém, já se sabe que contará com a flexibilidade da avaliação da Comissão Europeia: os comissários europeus responsáveis pelas áreas económicas e orçamentais já deixaram claro que a regra de redução da dívida pública não será aplicada, mas avisaram que as contas públicas dos países continuarão a ser vigiadas e que os mais endividados têm de começar a reduzir a dívida.
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