A associação mutualista Montepio teve prejuízos de 18 milhões em 2020, mas Virgílio Lima garante que não precisa de fundos públicos. Em entrevista ao ECO, contesta a PwC e explica os planos futuros.
A associação mutualista Montepio injetou dois mil milhões de euros no Banco Montepio desde 2004, mas o seu presidente garante em entrevista ao ECO que a mutualista não precisará de qualquer apoio de fundos públicos. Virgílio Lima revela que os primeiros meses de 2021 foram positivos para a associação, critica as reservas da PwC às contas do ano passado e deixa perceber que poderá mesmo haver uma substituição da auditora. O presidente da mutualista admite abrir o capital do Banco Montepio a prazo, mas apenas quando essa operação não resultar em perdas para os mais de 600 mil associados.
A Associação Mutualista Montepio registou 18 milhões de euros de prejuízos? Quais são as razões para estes prejuízos?
Os prejuízos de 18 milhões partiram de um resultado recorrente positivo de 14 milhões ao longo do ano, mas no final do ano, como temos provisões técnicas para responder pelas responsabilidades junto dos associados, fazemos sempre o cálculo atuarial em termos de evolução futura esperada deste provisionamento. Nesta medida, estamos muito dependentes das taxas de juro. As taxas de juro desceram, têm grande volatilidade. Em julho estavam a libertar 30 milhões, em dezembro obrigaram à constituição de 30 milhões [de provisões]. Grosso modo, foi este movimento substancial que transformou 14 milhões de resultados recorrentes positivos, o que gostaria de relevar tendo em conta o ano de pandemia, em resultados negativos. Estes valores são reversíveis com a subida da taxa logo que se verifique.
O ato de gerir o associado, de obter novos associados, é um ato iminentemente presencial, e o confinamento foi uma forte limitação neste contexto. Mesmo assim, o ano teve resultados recorrentes positivos de 14 milhões, teve um crescimento da margem associativa para 70 milhões…
…entre investimento e desinvestimento de associados?
Sim. As novas subscrições superaram os vencimentos e os resgates por qualquer natureza em 70 milhões num ano cujas dificuldades foram universais e, em particular, no nosso país, nós não fomos imunes. Relativamente ao número de associados, houve uma quebra no número de associados nos primeiros nove meses em função do confinamento e do ato presencial que o novo associado implica para a sua adesão.
Apesar de continuar o confinamento, nos últimos três meses [de 2020] nós recuperamos significativamente o número de associados. Já este ano, chegámos ao final de abril com 602.200 associados, portanto, crescemos já este ano 3.500 novos associados. Devo dizer que nestes primeiros três meses houve 1.000 associados que, por transformação em pensão, por morte ou porque saíram naturalmente. É uma substituição natural.
A tendência que se tem vindo a verificar é de descida. A associação perdeu nos últimos anos cerca de 30 mil associados, e não foi a pandemia a explicar essa descida.
Vivemos uns anos, em função de diferentes acontecimentos que tiveram, em termos mediáticos, influência na adesão de associados. Devo dizer, contudo, que muitos associados, mais tarde, estão a regressar. Há aqui um potencial de recuperação junto destes associados que estiveram connosco e saíram, que constatam que, afinal, nada de especial se passou, o que é uma característica desta marca, desta casa, de resiliência que é de gerações, não de alguém que está aqui agora. Mesmo num ano tão difícil e onde seria natural ter uma quebra tão substancial, iniciámos a recuperação. Essa tendência mantém-se este ano.
Há duas reservas da PwC às contas da associação. Uma tem a ver com o valor do Banco Montepio, o grande ativo da associação mutualista, a outra tem a ver com os ativos por impostos diferidos. Porque considera que o valor do Banco Montepio é o que está nas contas apesar das reservas colocadas pelo auditor PwC?
Relativamente ao valor do banco, o auditor este ano não mudou o valor…
Nós [mutualista e banco) vivemos até 2015 juntos, éramos uma entidade única com uma estrutura única. A rede de distribuição que hoje temos na associação é o banco, são 300 balcões. Não temos uma rede de distribuição própria. Quanto vale? Só vale para nós, não vale para terceiros. Mas para nós tem um efetivo valor. Há uma cultura de colocação das modalidades mutualistas, de relação com os associados que é um intangível de valor extraordinário. Estão preparados, formados, são os interlocutores. Isto tem um valor substancial não mensurável imediatamente, mas muito importante.
Não mexeu por opção do auditor ou porque foi opção da administração? No ano anterior, a PwC tinha ajustado o valor do banco…
Relativamente ao valor do banco, há aqui um conceito fundamental que é a distinção entre valor de uso e o justo valor. O justo valor é o valor que pode ter para terceiros o banco no mercado, ou seja, comparar com o valor de outros bancos para qualquer investidor. Esse é um valor que compara com o valor de mercado de todas as entidades, com os múltiplos, com toda essa logística de avaliação conhecida. Mas há o valor de uso, o valor de uso para a entidade detentora. Para nós, esse valor de uso é muito expressivo e relevante.
Nós [mutualista e banco) vivemos até 2015 juntos, éramos uma entidade única com uma estrutura única. A rede de distribuição que hoje temos na associação é o banco, são 300 balcões. Não temos uma rede de distribuição própria. Quanto vale? Só vale para nós, não vale para terceiros. Mas para nós tem um efetivo valor. Há uma cultura de colocação das modalidades mutualistas, de relação com os associados que é um intangível de valor extraordinário. Estão preparados, formados, são os interlocutores. Isto tem um valor substancial não mensurável imediatamente, mas muito importante.
Nós continuamos a usar o banco como prestador e o fornecedor de serviços ao nível das tecnologias informáticas, ao nível de um conjunto de outros serviços… Com a separação em 2015 a que fomos obrigados, e bem, com a transformação do banco em sociedade anónima, tivemos de replicar todas as estruturas. Havia estruturas únicas a responder às duas entidades e tivemos de replicar tudo isso. Procurámos minimizar e numa ou outra área onde é possível a prestação de serviços, com preços de transferência, com transparência, mantivemos… quanto vale um centro de informática que presta um serviço e que tem gente preparada e conhecedora da nossa especificidade.
Quanto vale para a associação…
Se o banco fosse alienado pelo seu justo valor, o valor que pode ter para terceiros, nós teríamos uma perda muito para além disso, pelo que deixávamos de ter rede de distribuição, ficávamos sem um prestador de serviços qualificado e conhecedor. Devo dizer também que, defendendo nós a segregação, separação e autonomia, na realidade somos um todo indissociável. Este banco, 600 mil dos seus clientes são os associados. São os seus melhores clientes, pois têm um maior nível de vinculação. Os 200 mil melhores clientes são associados. Ou seja, se houver aqui algum problema de uma entidade ou outra isto repercute-se nas duas.
Não é possível separar?
Teoricamente é. Na verdade tem implicações de mercado e de continuidade que têm de ser ponderadas.
A PwC está a fazer uma avaliação errada ao considerar que o banco vale 1.500 milhões quando o capital social é 2.400 milhões?
Tendo nós, enquanto administração, a autonomia para considerar o valor que entendêssemos e o auditor faria a reserva que lhe cabe fazer, se fosse o caso, nós podíamos tê-lo feito e ter mantido o valor. Entendemos, contudo, que face a algum ruído mediático que se observava sobre o valor do banco, até no contexto do sistema financeiro e em que já se avançavam valores perfeitamente disparatados, preferimos, não concordando, aceitar a sugestão do auditor e reduzir para 1.500 milhões, não tendo nenhuma reserva nas contas por essa razão, do que manter um valor que, a nosso juízo, é o valor de uso correto. Não foi fácil para os auditores, num primeiro ano, habituados a trabalharem com outras realidades e desconhecedores da situação associativa, enquadrar toda esta realidade. Portanto, aceitámos e tivemos uma imparidade de 377 milhões no banco [montepio].
Este ano, as contas até davam uma ligeira libertação, usando os critérios dos auditores. Mas os auditores consideraram que, neste contexto, não seria prudente fazer qualquer libertação de imparidades sem observar a consistência, até pelo ano atípico também, que o banco também viveu quanto ao seu plano de negócios. Entenderam que seria preferível esperar no sentido de ver se há consistência para que haja libertação de imparidades no futuro. Mas em termos de calculatória, em termos de metodologias de avaliação, este ano já era permitido, com os critérios definidos pelo próprio auditor, já era razoável ter alguma imparidade de alguns milhões.
A que preço é que estaria disponível para fazer o negócio com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: ao valor de uso ou ao justo valor?
Na perspetiva do negócio com a Santa Casa, isso foi antes desta desvalorização. Isto não é irrelevante. Tendo sido feita a desvalorização, temos a possibilidade e o dever de primeiro recuperar a imparidade para não haver perda para o associado se não é quem entra quem se apropria da recuperação da imparidade. Isto é altamente injusto para o associado que suportou nos momentos de crise estas entidades que estão connosco desde a origem. Quando foi concebido o Montepio, foi concebida logo a Caixa Económica, embora só tenha tido início quatro anos depois.
Isso seria, num momento anterior às grandes desvalorizações, e dependendo da parcela envolvida, que apesar de tudo era uma parcela relativamente pequena, porque temos lá 2.400 milhões. Mas seria uma entidade da economia social, a entidade titular do banco tem de ser sempre uma entidade da economia social, que tem valores e princípios que connosco combinam. Numa perspetiva de desenvolvimento, era a entidade que em termos nacionais poderia ter músculo para isso.
Por razões conhecidas, isso não se observou, mas é um cenário que com parceiros internacionais desta economia social, uma vez recuperadas estas imparidades, que é o que estamos a tentar fazer, e o banco está a cumprir o seu plano de negócios, está a fazer o seu caminho… Malgrado este ínterim que a pandemia veio trazer, o banco tem todas as condições, pelas projeções que fazemos a vários anos… porque nós é que somos o acionista e quando é necessário temos de responder… tudo isto hoje está articulado, nem sempre estava.
Com essa fase concluída, e acreditamos que ela tem lugar até pelos nossos planos a 10 anos e planos que temos de fazer de convergência, temos essa perspetiva de desenvolvimento e, recuperadas as imparidades, podemos ter então condições para fazer parcerias de desenvolvimento com entidades da nossa família da economia social.
Portanto, nos próximos 10 anos, a associação mutualista não vai abrir o capital a entidades terceiras para reforçar o capital do Banco Montepio?
Eu não diria 10 anos. Embora tenhamos um plano de convergência a 10 anos, há aqui a possibilidade de recuperação dessas imparidades em termos substanciais muito antes disso. Em função dessa evolução, de acordo com as previsões que temos e que são cautelosas, num horizonte de 5 ou 6 anos poderemos ter condições de desenvolvimento sem implicar perda para o associado. É mandatório que não haja perdas para o associado. Foi ele que suportou a crise, o desenvolvimento, e desde 2004 pôs lá 2.000 milhões de euros… Isto tem de ser recuperado, e pode ser, temos a convicção profunda…
…Recuperados através de dividendos e da valorização do banco?
Justamente. Por um lado, a recuperação de imparidades que entra logo na demonstração de resultados [da associação] como um resultado porque há uma valorização, e em termos de resultados isso é um excedente imediato. É um resultado relevantíssimo e será certamente nos próximos anos uma das fontes de resultados fundamentais, isto porque os dividendos, que também esperamos neste horizonte, não são instantâneos. Mas estamos a contar com eles a partir o terceiro ou quarto ano em que já haverá condições para ter dividendos da parte do banco.
Isto não são esperanças, são exercícios profundamente testados, internamente, com o acionista, com o supervisor do banco que tem grande exigência nesta matéria, e com o supervisor da associação mutualista porque hoje temos um plano de convergência e tudo o que é feito no grupo se repercute depois.
A alternativa é mudar de auditor? É uma questão que estamos a ver com o auditor. O auditor tem também todo o grupo [Montepio]. Por razões de simplificação na consolidação normalmente temos o mesmo auditor no grupo e, portanto, há aqui períodos de trabalho. Nós também não mudamos de auditor só porque dá jeito. Temos é de trabalhar com critério e aprofundar as matérias com eles [o auditor] e não contra eles.
Voltando às reservas do auditor, desta vez com os chamados ativos por impostos diferidos. Como avalia esta reserva da PwC e como é que este tema vai ser ultrapassado?
A questão dos ativos por impostos diferidos e a reserva colocada pela PwC foi uma verdadeira surpresa para a associação. Tínhamos tido um auditor anterior que validou isto, a KPMG. Quando a PwC começou a levantar o problema chamamos a BDO para fazer um estudo sobre a recuperabilidade dos ativos por impostos diferidos que a auditora confirmou, demonstrando que já se tinha recuperado parte substancial dos DTA iniciais, cerca de 60%, em quatro anos. Apesar de confrontarmos a PwC com estes dados, a auditora suportada numa interpretação das normas que nos parece desajustada…
… ou cuidadosa.
Desajustada. A PwC suporta-se na IAS12, paragrafo 29, para dizer que a recuperação dos ativos por impostos diferidos tem de ser feita com resultados obtidos não pela mesma atividade que fazemos porque, para eles, isto constitui um ‘revolving’ que vai mantendo sempre o stock em permanência. Bom, nós só temos esta atividade…
Aqui não há ‘revolving’. São outros associados que subscrevem estas modalidades ou os mesmos associados com outros valores ao longo do tempo. Não há nenhum ‘revolving’. E há uma recuperação efetiva relativamente aos que se vão vencendo. Porque aqui a questão é: só há impostos diferidos ativos porque o plano das entidades da economia social não admite que as provisões técnicas sejam consideradas um custo quando nos seguros são. Aqui, tudo o que entra é proveito e só é despesa quando sai, dez, 20 ou 30 anos depois. A Autoridade Tributária, face ao nosso plano de contas, diz que a provisão matemática não é um custo. E quando nós acabamos a demonstração dos resultados e encontramos o resultado do ano, temos de somar a este valor todas as provisões técnicas do ano, isto é, todas as responsabilidades técnicas constituídas no ano e pagar IRC sobre esse valor. Isto é desembolso, é fluxo de caixa, é entrega ao erário público, mas é temporário. No reembolso, quando ele se observar, temos direito a recuperar esse valor. O que perdemos é o valor no tempo.
Na altura em que foram criados estes DTA, foram classificados de “engenho fiscal” para robustecer o balanço e impedir que a mutualista apresentasse uma situação de desequilíbrio da sua situação líquida financeira.
Na verdade, ao passarmos a estar sujeitos a IRC, íamos no futuro recuperar nos reembolsos como custo algo que desequilibraria completamente as contas se não tivesse o movimento inicial de compensação para tornar neutra esta situação. É o princípio da continuidade. Tecnicamente, era impossível funcionar de outra maneira senão as demonstrações financeiras nunca estariam equilibradas. Até 2017 viveu-se dessa forma aqui na associação mutualista.
Como se ultrapassa este problema tendo em conta que o auditor mantém essa reserva?
Nós admitimos que o auditor repensasse a situação. Confrontados com a situação, fomos tentar encontrar os melhores fiscalistas nacionais e revisores oficiais de contas no sentido de nos ajudarem a dirimirem esta matéria. Tínhamos outros auditores com uma opinião contrária, um auditor com uma posição vincada e tentámos aprofundar a matéria.
Trabalharam connosco dois revisores oficiais de contas, um fiscalista, professores nesta matéria e, de dentro, o presidente do conselho fiscal, um representante do conselho geral que é revisor oficial de contas, Alípio Dias, eu próprio, e um conjunto de diretores das áreas chave, o risco, o atuarial e a contabilidade. E concluíram, e isso está no relatório e contas deste ano, que a PwC está errada e que a KPMG tem razão. Mais: nós pedimos, por proposta do grupo de trabalho, mais dois pareceres independentes, ao professor Azevedo Rodrigues e ao professor Pires Caiado, e também estes dois professores consideram que a PwC não tem razão e que o que está correto é o que a administração tem vindo a fazer.
A alternativa é mudar de auditor?
É uma questão que estamos a ver com o auditor. O auditor tem também todo o grupo [Montepio]. Por razões de simplificação na consolidação normalmente temos o mesmo auditor no grupo e, portanto, há aqui períodos de trabalho. Nós também não mudamos de auditor só porque dá jeito. Temos é de trabalhar com critério e aprofundar as matérias com eles [o auditor] e não contra eles. Eles têm a sua legitimidade. Agora, ter a legitimidade para dar uma opinião independente não quer dizer que tenham a verdade e nós pensamos que não têm. Mas no contexto à própria PwC não seria fácil… a PwC foi chamada ao grupo de trabalho, a KPMG foi chamada ao grupo de trabalho, a BDO foi chamada ao grupo de trabalho, tudo isto com imensa transparência.
Tem algum sinal de que a PwC vai rever a sua posição?
Agora com mais dois pareceres independentes, com este parecer deste grupo que eles sabiam que ia existir… E porque são matérias que merecem a atenção de diferentes intervenientes, é uma matéria em análise e em progresso. Isto é um verdadeiro ativo e em termos reputacionais tem um prejuízo enorme para nós colocar-se isto em causa. Nós vamos recuperar isto no tempo e as pessoas olham para as reservas a este valor e pensam: “Bom, se tirarmos isto está aqui um desequilíbrio imenso”. Isto em termos reputacionais é terrível e nós chamámos a atenção dos auditores para esta matéria, mas eles, no seu legítimo direito de interpretação, têm esta interpretação da IAS12 que não é a nossa interpretação.
A ASF recusou o plano de convergência da associação mutualista, considerando que não cumpre a legislação que o próprio supervisor está obrigado a seguir.
Não é exatamente assim. Não se trata de um incumprimento, mas antes uma impossibilidade de incumprimento. Porque cumprir significaria transformar esta entidade numa seguradora, isso não é possível e nem a supervisão quer. Ninguém quer.
Porque é que não é possível cumprir?
Porque exige que as tais adaptações que a lei prevê a esta especificidade tenham um suporte legal que não existe. A ASF, não tendo esse suporte legal, o que tem é o das seguradoras, diz: não podemos escolher um modelo de solvência adaptado a estas instituições sem alterações legislativas. É neste sentido que nos informou – e informou a própria tutela – para que possamos agora em conjunto no sentido de se encontrar o respaldo legal para enquadrar esta realidade específica. Na medida em que as adaptações não estão definidas, a ASF não tem um quadro para adaptar ela própria.
Mas diz mais: diz que o plano, tal como está, é inexequível. Isto é, para cumprir os rácios de solvência que este plano de convergência deve ter, tendo em conta as regras da ASF, o plano de convergência da associação mutualista não se cumpre.
O que isso quer dizer é: a ASF tem de seguir as regras das seguradoras, isto não é uma seguradora, até foram feitas simulações por grandes agregados que permitem ver que se, de facto, nós fossemos obrigados a seguir o regime das seguradoras, isso seria alterar a nossa natureza, então não tínhamos condições de cumprir porque não somos uma entidade de capital, não é possível. Nesse sentido, há uma impossibilidade de cumprimento e não um incumprimento. Há uma impossibilidade de incumprimento pois teria de haver uma transformação da nossa natureza. Ao contrário, o que diz também a ASF, tem de haver alterações legais para acomodar a especificidade destas entidades para que possamos enquadrar as adaptações e é isso que tem de ser trabalhado.
Dos contactos que já teve, vê disponibilidade do Governo para alterar a legislação e acomodar o que é a especificidade do setor mutualista?
A ASF, sempre construtiva, informou-nos que ia informar a tutela. Nós próprios tomamos a iniciativa de falar com a tutela sobre o tema. A tutela tem justamente o entendimento de que, sem prejuízo do rigor, da importância de defendermos o que a lei diz em termos de supervisão, temos de ver qual é o quadro legal para enquadrar esta realidade e manifestou grande disponibilidade para, connosco, encontrar de facto as soluções, esse é o caminho e encontrámos toda a abertura.
Não é uma alteração à medida para permitir o cumprimento da lei?
Vai preencher-se uma lacuna da lei. A lei diz “adapte-se à especificidade” e não diz quais são as adaptações. A ASF não tem esse quadro de adaptações. Tem de ser o legislador, tal como já fez a propósito de uma norma específica para a idoneidade, a precisar agora dessas adaptações, fundamentando na natureza intrínseca destas entidades.
Como é que se compreende que se tenham passado tantos anos a trabalhar numa transição do sistema mutualista para ser supervisionado também pela ASF e ao fim de pouco tempo se confronte com insuficiências desta natureza?
Há generosidade e boa vontade de criar uma supervisão efetiva para determinadas realidades que se conhecem genericamente. Quando, efetivamente, se começa a levantar a especificidade das entidades, a dimensão, a natureza, as leis associativas a que estão subordinadas, começam a aperceber-se de contradições das próprias leis. Há umas que defendem o associativismo e dizem que temos de ser assim. Há outras que dizem que não, para ter supervisão tem de deixar de ter esta natureza, terá de se transformar, senão não se enquadra.
É agora na especialidade, mas que só o aprofundamento de todas as entidades e também da nossa parte, que este período de transição e adaptação veio permitir, e por isso mesmo se criou um período de transição, porque estas adaptações não são instantâneas, e é no quadro desta transição que estes ajustamentos são normais e não foi uma falha à partida. É a adaptação à realidade e ao conhecimento profundo que não se tinha à partida convenientemente.
Quando espera vir a ter um quadro legal que permita apresentar um plano de convergência revisto à ASF?
Não posso avançar uma data, mas tenho uma convicção. Pelo sentimento que pude recolher junto das autoridades, é algo para fazer no seguimento e proativamente. Aguardo por desenvolvimentos para esse seguimento.
A associação mutualista já investiu 2.000 milhões de euros no Banco Montepio. A mutualista precisa de injeção de fundos do Estado?
Não. O plano de convergência e o plano de atividades que tivemos de preparar no âmbito deste período de transição, com prudência, com extrema cautela da nossa parte, demonstram-no. E o suporte para esta demonstração são os planos perfeitamente escrutinados do banco, dos seguros e das entidades do grupo, mas em particular estas duas entidades mais relevantes na nossa carteira que são os bancos e os seguros, que, escrutinados pelos seus supervisores, vemos aqui caminho para no horizonte definido, atingir níveis de equilíbrio ajustados à nossa realidade e que não carecem, como nunca aconteceu na nossa história, desse tipo de intervenções.
É preciso clarificar estes erros de leitura sobre o que são os ativos por impostos diferidos, perceber que constituem um ativo efetivo, que é recuperável por nós, e que a continuidade está numa entidade com 180 anos e que viveu um ano de 2020 com 400 milhões de resultados negativos por causa de imparidades que podiam ter criado algum… nós crescemos nesse ano 70 milhões em termos de fluxo líquido de poupanças dos associados, nós tivemos resultados positivos. Alguma prova maior de resiliência e de capacidade de continuidade desta entidade?
O ano de 2020, apesar disto, foi um ano de profunda revisão do funcionamento. Nós criámos um gabinete de controlo de custos, um comité de custos. Tivemos uma redução substancial nos custos e isso contribuiu para o resultado. Criámos comités de investimento, de risco, de sustentabilidade. Criámos um comité estratégico para o grupo, integrando todo o grupo, onde têm assento os chairman e CEO de todas as entidades do grupo com o conselho da casa-mãe e onde mensalmente discutimos e apreciamos os problemas do grupo.
Há cartas de missão onde tudo o que é transversal é comum. Códigos de conduta onde tudo o que é transversal é comum. Um plano estratégico para o grupo onde nesse plano estratégico há um capítulo para cada entidade e que corresponde à estratégia dessa entidade.
Estamos a criar e a identificar pelos gestores do grupo quanto ao impacto das medidas de racionalização e de trabalho em conjunto e à sua exequibilidade. Para os quadrantes grande impacto e fácil exequibilidade e grande impacto e exequibilidade menos fácil, estamos a criar um ACE que está aprovado por todas as entidades do grupo para trabalharmos em conjunto e recuperarmos as sinergias que perdemos por via da segregação e agora beneficiando todo o grupo.
Estamos também a trabalhar por segmentos de mercado juntando toda a oferta para num contacto fazer várias vendas, obter uma maior eficiência. Tudo isto está a acontecer, vamos na sétima ou oitava reunião.
Tudo isto está a acontecer naturalmente e a fluir e a começar a dar resultados. Em 2021 estamos a perceber isso. No mês de março já temos resultados positivos superiores a 8 milhões de euros na associação mutualista. Chegamos aos 602 mil associados. A margem financeira era em março de 50 milhões, em abril é de 60 milhões. E venceram-se cerca de 40 milhões. Ou seja, em cima desses 40 milhões que foram repostos, crescemos 60 milhões.
Tudo o que apontou, todas as mudanças de reforço de governação da associação mutualista, é o reconhecimento de que a gestão de Tomás Correia fez o que não deveria ter feito?
Cada tempo tem o seu enquadramento e houve inequivocamente um problema significativo na estabilização do grupo. O grupo não tinha estabilidade. Em particular entre o banco e a casa-mãe. E até no seio do próprio banco. Este foi um trabalho maior no último ano, esta maior estabilidade por via deste comité, desta relação contínua com as entidades, que é uma questão maior de quem está aqui.
Garante que a mutualista não precisará de fundos públicos. Mas precisará de aumentar quotas ou reduzir benefícios dos associados?
Não, em princípio. Mas estas questões de solvência são para eventos extremos. Os capitais mínimos são para eventos de 25 anos, os capitais máximos são para eventos de 200 anos. Ninguém pode dizer que pode haver um evento extremo.
Estamos a falar no prazo de 5 anos. O plano de negócios prevê um aumento de quotas ou redução de benefícios?
Não. Temos condições. Cada modalidade tem como que um balanço e demonstração de resultados e tem as suas próprias reservas. Se isso não é suficiente, recorre à reserva geral na solidariedade intra associativa. Em todos os seus planos, encontramos equilíbrio, capitais próprios positivos e, portanto, capacidade de resposta às responsabilidades assumidas.
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“A mutualista Montepio não precisa de fundos do Estado”, diz Virgílio Lima
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