Vieira Lopes avisa novo Governo que acordo de rendimentos assinado com António Costa não só está em vigor, como tem medidas que têm de ser concluídas. O que está lá é dado como adquirido, afirma.
“Completamente pragmático“, João Vieira Lopes reconhece que o cenário político atual é complexo, mas avisa que os acordos que o Governo conseguir firmar na Concertação Social podem ajudá-lo a conseguir apoio no Parlamento. Em entrevista ao ECO, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) defende ainda que o acordo de rendimentos celebrado com o Executivo de António Costa está ainda em vigor, apesar de o novo Governo querer fazer um novo entendimento.
João Vieira Lopes apela ainda a um alívio fiscal para as empresas e insiste num salário mínimo guiado pela economia, a inflação e a produtividade, criticando os “números artificiais”, que servem de meta. Os mil euros apontados por Luís Montenegro, por exemplo, poderiam ser 950 euros ou 1.050 euros, atira. “É um número redondo que cai bem em termos mediáticos”, ironiza o líder da CCP.
Esta é uma de duas partes da entrevista de João Vieira Lopes ao ECO. Na outra parte (que pode ler aqui), fala sobre a intenção do Governo de “revisitar” a lei do trabalho.
Em outubro de 2022, o Governo de António Costa celebrou com as quatro confederações patronais e com a UGT um acordo de médio prazo para melhorar os rendimentos e a competitividade. Nem dois anos se passaram e o Governo de Luís Montenegro diz que quer agora um novo acordo. Faz sentido?
Esse acordo foi, aliás, revisto em 2023. Um dos mecanismos do acordo é precisamente poder ser revisto anualmente, porque há um conjunto de indicadores que têm que ver com a evolução da economia…
Mas o que o Governo quer não é revisitar ou rever o acordo. É criar um acordo, com novas bases.
O acordo, para nós, está em vigor, e tudo aquilo que lá está contido são medidas que são positivas para as empresas, e não estão todas ainda feitas. Consideramos que devem ser completadas, independentemente da evolução da economia e do quadro político criarem condições para podermos fazer um acordo mais amplo, já que este acordo é muito insuficiente na área da competitividade das empresas. Partindo da revisão daquele acordo ou abrindo caminho para um novo acordo mais amplo, que abranja mais áreas importantes para a competitividade das empresas, estamos abertos a trabalhar com o novo Governo nesse sentido.
Rever ou alargar, mas não começar do zero?
Partirmos do princípio que aquilo que lá está adquirido [no acordo existente] está adquirido. Vamos ver novos temas? Depende das propostas que aparecerem em cima da mesa.
A Concertação Social é um elemento extremamente importante e estruturante, mais a mais tendo em conta o perfil da situação política em que estamos, nomeadamente a dispersão de votos no Parlamento.
A primeira medida do Governo foi reverter o logótipo. Agora quer criar um novo acordo, em vez de rever o atual. Parece-lhe que o Governo de Luís Montenegro está dedicado, sobretudo, a reverter os últimos oito anos?
Esses posicionamentos surgem sempre nas mudanças de ciclo político. A visão que temos é que há um acordo que foi feito, que, na sua opinião, é insuficiente para a competitividade das empresas. Estamos dispostos a que aquilo que é positivo seja posto em prática e estamos abertos a começar a ver, de uma forma mais alargada, mais temas. A Concertação Social é um elemento extremamente importante e estruturante, mais a mais tendo em conta o perfil da situação política em que estamos, nomeadamente a dispersão de votos no Parlamento. Achamos que tem sentido acordar um conjunto de temas na Concertação Social e que isso até pode ajudar o Governo em funções a conseguir alguns apoios na Assembleia da República, em função do que for acordado na Concertação Social.
Quando diz que o que está no acordo deve ser dado como adquirido, entende que os referenciais para os aumentos salariais devem constar do novo entendimento?
É um dos aspetos que naturalmente tem de ser revisto com a evolução da economia. Achamos que tem sentido revisitar tudo isso.
A UGT diz que está preocupada com retrocessos. Quando diz que o que está no acordo é para ser dado como adquirido, refere-se também às medidas previstas para valorizar os trabalhadores?
É natural que a UGT defenda essa posição. Estou a falar na ótica das empresas, como confederação empresarial, mas achamos que é natural que da parte do subscritor sindical haja uma posição desse tipo.
E quando diz que o acordo tem de ser alargado, está a pensar em que medidas?
O Governo já colocou no seu programa e aceitou uma das medidas que estava nesse acordo, que para nós é importante, que é a baixa das tributações autónomas. No entanto, na área fiscal, há várias áreas que estão muito pobres neste acordo face às necessidades das empresas. Por exemplo, tudo o que seja a fiscalidade em relação ao investimento e em relação à capitalização das empresas. Na altura, as confederações apresentaram um conjunto de propostas e o Governo ficou muito aquém disso. Outra área, em termos laborais, tem que ver com a questão da organização do tempo de trabalho.
Está a referir-se a quê em concreto?
Historicamente, por exemplo, as confederações têm defendido o banco de horas individual. Há outras medidas nesse sentido. Não temos ainda uma elencagem, em termos sistemáticos, das medidas. Mas há todo um conjunto de temas que podem ser postos em cima da mesa.
Como diz, na negociação do acordo com o Governo de António Costa houve uma série de propostas das confederações patronais que não foram acolhidas. Acredita que este Governo será mais generoso para com as empresas neste novo entendimento?
Este Governo, pela filosofia base das forças políticas que o compõem, penso que tem a obrigação de valorizar a iniciativa privada e as empresas privadas. Temos a expectativa que exista abertura para, nesse terreno, obter alguns consensos mais alargados.
Claro que as empresas gostam acima de tudo de previsibilidade. Essas situações [políticas], por vezes, tornam a previsibilidade difícil.
Como diz, no Parlamento não há uma maioria absoluta. Receia que, com o cenário de maioria relativa do PSD, o país esteja condenado a anos de instabilidade?
A instabilidade é uma situação que não é controlável por nós.
Mas acaba por afetar as empresas.
Acaba por afetar, mas temos de tentar viver com a que existe. Já tive de dizer uma vez um pouco ironicamente a um Presidente da República que a CCP nasceu na época do PREC, e tivemos de negociar com todos os Governos. É essa a nossa função. Claro que as empresas gostam acima de tudo de previsibilidade. Estas situações, por vezes, tornam a previsibilidade difícil. Como não controlamos as variáveis, são os portugueses que elegem os Parlamentos, o que vamos tentar, como sempre, é sintetizar as propostas que nos parecem importantes para as empresas e tentar trabalhar com o Governo e com os partidos na Assembleia da República.
O PSD devia apostar num bloco central com o PS para dar estabilidade ao país, e afastar o Chega do poder?
Essas opções políticas pertencem aos partidos. A CCP historicamente não se pronuncia. Apresentamos as propostas e pensamos que há partidos na Assembleia da República que serão sensíveis a questões que já vêm consensuais de Concertação Social. Pensamos que, se reforçarmos o trabalho na Concertação Social, se conseguirmos fazer acordos que incluam as confederações empresariais e, pelo menos, uma sindical, isso poderá ser uma ajuda para que tudo o que for aí acordado possa ser aceite mais facilmente por maiorias parlamentares.
Não teme que a instabilidade leve o Governo (e o PSD) a estar focado na construção de pontes no Parlamento, desvalorizando, de alguma forma, a Concertação Social?
Será vantajoso para o Governo haver acordos na Concertação, porque de facto, provavelmente os partidos que valorizam a Concertação poderão estar mais abertos a suportar estes acordos.
Ouve-se, muitas vezes, que os problemas do país não se resolvem com pensos rápidos, mas com medidas estruturais. Como é que podemos ter medidas estruturais que mudem o país quando de poucos em poucos anos o Governo muda de mãos e não há continuidade, como agora se vê com o acordo de rendimentos e com a lei do trabalho?
A CCP já disse várias vezes que algumas áreas necessitam de uma espécie de contrato social que envolva a Concertação Social e os partidos do arco governativo. Há, de facto, um conjunto de reformas, que não se resolvem numa legislatura.
Chegou a falar num pacto fiscal.
É uma das áreas onde tem sentido. Neste momento, temos um conjunto de declarações de intenção por parte do Governo sobre a Concertação Social, mas desconhecemos na malha fina exatamente o que é que da parte do Governo está a ser pensado nesse sentido. O primeiro-ministro comprometeu-se, a curto prazo, a convocar a Concertação Social. Estamos à espera.
Sempre dissemos que uma convergência real em termos europeus que permita, nomeadamente, melhorar o padrão médio de salários implica um crescimento entre 3% e 4% da economia.
Ao longo desta conversa, várias vezes referiu a importância da Concertação, nomeadamente neste cenário de instabilidade política no Parlamento. Antes de haver qualquer reunião da Concertação Social, uma das confederações diz que já reuniu com o Governo e que já está a trabalhar para um novo acordo. A Concertação Social está a perder relevância até pela mão de quem a compõe?
Da parte do CCP, penso que não. Até agora, todas as experiências que foram eventualmente tentadas de fazer acordos fora do quadro da Concertação Social não vingaram. Continuamos calmamente e institucionalmente a depositar a nossa expectativa que a Concertação Social seja esse elemento estruturante.
Falou há pouco na evolução da economia. O PSD vê a economia a crescer acima de 3%. É plausível?
Na CCP, sempre dissemos que uma convergência real em termos europeus que permita, nomeadamente, melhorar o padrão médio de salários implica um crescimento entre 3% e 4% da economia. Mas há aqui um conjunto de variáveis que não sabemos [como vão evoluir].
Quais são?
A situação na Europa não é brilhante, em termos económicos, nomeadamente no chamado motor da Europa, que é a Alemanha. As implicações que isso tem nas nossas exportações têm um grau de imprevisibilidade bastante grande. As regras europeias quanto ao défice foram simplificadas durante o período da pandemia, e isso tem tendência para acabar. Há aqui todo um conjunto de variáveis que não conseguimos controlar. Achamos que foi positivo nestas eleições, pela primeira vez, os principais partidos terem posto o acento tónico no crescimento económico. Foi um ganho em termos de discussão.
Mas é ou não realista, o crescimento de 3%?
Estas coisas não se podem pôr num sistema binário. Depende de todo este conjunto de variáveis. O Governo propõe-se a fazer o choque fiscal. Achamos interessante, porque o problema da pressão fiscal sobre as empresas sempre é bastante grande. As propostas que apresentaremos são para facilitar esse sentido, por isso é que falei em incentivos fiscais ao investimento. O investimento em Portugal está fraco e sem ele não há crescimento. Não vale a pena ter ilusões em relação a isso. A subida dos salários não é – como, por vezes, apontam certas forças políticas ou até mesmo sindicais – uma questão administrativa. A única que o é é o salário mínimo, mas se o salário mínimo crescer artificialmente em função dos outros parâmetros económicos, o que sucede é que há um esmagamento.
Que lhe parece a intenção de subir o salário mínimo para mil euros até 2028?
A CCP sempre defendeu que o salário mínimo devia subir baseado nos indicadores económicos da produtividade, do crescimento económico, e da inflação. Poderia ter anualmente mais um incremento, já que o salário mínimo é um instrumento de combate à pobreza.
Mas mil euros parece-lhe um número artificial a esta distância?
Mil euros, como pode ser 1.050 euros ou 950 euros. É um número redondo que cai bem em termos mediáticos. Vai depender. Achamos que o salário mínimo deve ser discutido anualmente, em função dos indicadores económicos, aceitando que não seja uma mera fórmula matemática, mas que possa ter um ajustamento em função do papel que tem no combate à pobreza.
Que sentimento tem em relação a este Governo?
Vemos que a realidade parlamentar é complexa para atingir maiorias. Temos a ideia de que temos de olhar para nós próprios, ou seja, o que é que nós podemos fazer para, como interlocutores, tentar passar algumas ideias positivas para as empresas. Há um grau de imprevisibilidade que ninguém consegue, neste momento, ultrapassar a 100%.
Conta com eleições em novembro?
Temos um conjunto de propostas que são boas para as empresas. Apresentamos essas propostas ao Governo em funções. Se o Governo cair, apresentamos ao outro. Não ficamos à espera de haver eleições ou não. Achamos que quem está no poder enquanto está tem a obrigação de tentar fazer o melhor possível. Somos completamente pragmáticos.
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