Atraso no 5G foi “oportunidade perdida” para os portugueses, diz Jorge Graça, administrador da Nos

Jorge Graça, administrador executivo da Nos, fala sobre o atraso na chegada do 5G e o impacto que terá no país. Explica ainda como o 5G vai quebrar barreiras que hoje limitam as empresas.

Portugal está a ficar para trás no desenvolvimento do 5G, um atraso que compromete cada vez mais a competitividade da economia. Para Jorge Graça, administrador executivo da Nos com os pelouros da tecnologia e IT, já pode ser considerada uma “oportunidade perdida”: per si, a quinta geração não traz “nada”; o que conta é o que as empresas vão construir em cima dela.

Esta é uma entrevista tecnológica a um administrador de uma das principais operadoras de telecomunicações portuguesas. Começa pela nova rede móvel, mas também toca na “nuvem”.

Ainda faz sentido falar de transição digital?

Honestamente, julgo que sim. A palavra “transição” é capaz de ser uma palavra infeliz na língua portuguesa. Mas só consigo ser 100% digital se tudo, 360 graus à minha volta, também for 100% digital.

Mas já existem coisas que não se podem fazer fora do digital.

Completamente. Há um conjunto de realidades, serviços e expectativas — e isto é transversal — que a velocidade e o grau de exigência necessários determinam que têm de ser digitais.

Portugal e Lituânia são os únicos dois países da União Europeia sem ofertas comerciais de 5G. O que é que isto nos diz acerca do nosso país?

Que foi uma oportunidade perdida. Portugal, no setor das telecomunicações, foi tradicionalmente uma referência na liderança tecnológica e no drive do que foi a implementação prática da tecnologia. É importante distinguir aqui a tecnologia da implementação prática, ou seja, o “isto chegar às pessoas” e estas conseguirem construir em cima da tecnologia e tirarem os benefícios da tecnologia. Portanto, Portugal, até ao 4G, era uma referência a nível europeu, garantidamente, e a muitas dimensões a nível mundial. O atraso no processo do 5G, na maneira que eu uso para descrever, é uma oportunidade perdida.

Neste momento, já é?

Perderam-se anos de chegada, anos de disponibilização desta tecnologia aos portugueses. Ponto. Quem perdeu foram os portugueses.

Não tem uma expectativa sobre quando teremos o 5G a funcionar? Podemos esperar que, até ao final do ano, haja 5G comercial em Portugal?

Não consigo responder a isso. O que posso dizer é: estando o processo administrativo fechado, nós vamos disponibilizar imediatamente a tecnologia. Agora, uma coisa é disponibilizar a tecnologia, outra coisa é ela se tornar efetiva para a vida das pessoas. E isso, por muita rapidez que tenha, não vou conseguir resolver. Essa parte não consigo resolver. Em particular no 5G, que é uma tecnologia que tem uma natureza diferente do 4G em termos de impacto para as pessoas, isto é particularmente pesado.

O 5G, para ele chegar ou impactar de forma material a vida das pessoas, vai impactar pela transformação que vai ter num conjunto de processos das empresas. Elas vão montar essas novas ofertas em cima da tecnologia que vou disponibilizar. O 5G é um catalisador, um exponenciador dessas possibilidades. Per si, não traz nada.

O 5G é um catalisador, um exponenciador dessas possibilidades. Per si, não traz nada.

Jorge Graça

Administrador da Nos

Muitas dessas tecnologias ainda nem existem.

Mais ou menos. A verdade é um bocadinho mais complexa do que isso. O que o 5G traz é uma capacidade de resolver, de forma imediata, problemas que já existem hoje.

Falamos de latência. Porque é que é relevante? Latência é relevante porque uma empresa tem software a correr, que foi desenhado para correr em computadores em que, tipicamente, há um data center dentro da empresa. Ao mesmo tempo houve um movimento para as chamadas clouds públicas (Amazon, Google e Microsoft). Mas é muito difícil transferir software desenhado para correr localmente para a cloud e beneficiar instantaneamente dos benefícios associados à cloud. Porquê? Lá vem a bendita da latência.

Se há coisa que nunca vamos conseguir resolver é a velocidade da luz. Por muito rápida que seja a velocidade da luz, está fixa. O software, quando está dentro das instalações, responde a uma determinada velocidade. Não tem de fazer o percurso. E, na cloud, há coisas impossíveis de se fazer por causa da latência. Se pomos em cima da equação o 5G, de repente, temos uma nova possibilidade.

O impacto grande do 5G vai ser sentido nas coisas pequeninas. Sim, é verdade que, com o 5G, vamos ter experiências absolutamente fantásticas. Os carros autónomos, os espetáculos em que se aponta [a câmara] e saem coisas do palco, os óculos… Mas, hoje, temos problemas práticos: por exemplo, como é que vou cablar o chão de uma fábrica. Existem quilómetros de cabo espalhados nos chãos das fábricas.

E o 5G resolveria parte desse problema, porque alguma dessa cablagem deixaria de ser necessária?

Remove, por exemplo, a necessidade de cablar parte desse sistema. Ainda assim, qual é a relevância disto? A relevância disto é que, no mundo em que vivemos, temos que ter velocidade, flexibilidade, agilidade, que também é válido para as fábricas. As linhas de montagem são coisas muito fixas. A máquina produtora A está encadeada com a B e com a C para se produzir o sapato A. Se quiser o sapato B, tenho de reordenar as máquinas. São milhares de quilómetros de cabo, tem de se parar a fábrica…

Fica a ideia de que o impacto do 5G, nesta primeira fase, vai sentir-se, sobretudo, na indústria.

Vamos ver dois benefícios. Um, que eu classificaria a um nível muito fundamental dentro da indústria. Aqui, o tema do tempo é o que me parece pesar mais. No segundo, genuinamente, é mais difícil de apontar quem é que vai beneficiar. Serão as empresas que hoje estão bloqueadas por temas que o 5G facilita, como a latência, ou empresas em que é preciso fazer uma filmagem para avaliar um sinistro em 4K, em que se tem de andar à volta com o telefone… O 5G faz o enabling instantâneo disto. O impacto daqueles use cases mais espetaculares que vemos virá mais tarde.

A Nos e outras operadoras vão certamente vender o 5G ao segmento de consumo e já têm campanhas na televisão. Nesta primeira fase, para o consumidor final, vai haver alguma diferença? O João, a Maria, a Teresa vão sentir alguma diferença por terem 5G no telemóvel?

Vão sentir o impacto — não o classificaria como transformacional –, mas vão sentir o impacto pela estabilidade da conexão, pela velocidade a que vai estar disponível. Vão clicar nos sites ou nas apps e os vídeos vão aparecer mais depressa. Mas vai ser esse tipo de transformação. No primeiro instante, esse vai ser o impacto que vamos ter.

Em alguns países, como EUA, a rede não é assim tão diferenciadora e revolucionadora como se esperava.

Em Portugal, em algumas coisas, classificariam-nos como uns sortudos. Os EUA tiveram de ir para os 28 GHz [frequência muito alta e que permite um 5G ainda mais rápido] porque precisam dessa tecnologia para fazer o fixed wireless access. Eles não têm fibra.

Quando falamos em 5G, os nossos leitores queixam-se muito de que já têm 4G e os dados móveis nem chegam para o final do mês. Agora, com 5G, temem esgotar o plafond com muito mais velocidade. Os tarifários 5G, no caso da Nos, vão ter dados ilimitados?

O que vai ser a tipologia dos tarifários ainda está por definir. Isto ainda está bastante nascente.

Mas há um concorrente que já tem preços: a Meo vai cobrar cinco euros adicionais pelo 5G.

Não extrapolaria muito com base nestes primeiros preços quando, efetivamente, ainda não há uma rede 5G disponível. O serviço de maior qualidade — e o 5G é um serviço de maior qualidade –, necessariamente, há de ter um racional económico diferente. Até porque é uma tecnologia que exige um investimento da nossa parte de uma magnitude muitíssimo superior ao que foram as anteriores gerações. É incomparável.

Uma área muito maior, muito mais fina. Muito mais antenas…

Bastante mais consumo energético… Costumo usar esta expressão: não nos podemos esquecer de que a informação é como se tivesse massa. Se quero ter velocidade de 1 Gbps [gigabits por segundo], há um consumo efetivo de recursos para isto chegar. E 1 Gbps é muito mais que 100 Mbps [megabits por segundo]. Sei que é difícil nós percebermos, até porque não conseguimos ter uma relação óbvia entre quanto representa consumir um vídeo, uma música… é difícil fazermos essa conversão porque a prática de consumo nunca evoluiu para aí. Vai ser um desafio grande, realisticamente.

Em 2018, estivemos os dois no lançamento de um novo data center da Nos no Parque Holanda, em Carnaxide. A sala estava vazia, tinha lá um bastidor no meio com alguns servidores. Três anos e uma pandemia depois, como é que está hoje?

Posso dizer que, desde essa fase I, já fizemos a fase II e estamos a avançar para a fase III. O Imopolis II é um dos nossos principais nós da rede. Tem lá algumas coisas que seria interessante mostrar, porque esta cloud tem muito pouco de cloud e muito de cabos e bastidores. Temos lá instalado um nó da AWS. O único outpost que existe em Portugal está lá montado, ocupa parte do espaço que lá está.

Ou seja o vosso data center está a servir também clientes da AWS?

Clientes comuns, sim. Somos os únicos que temos parceria com as três clouds: AWS [Amazon Web Services], GCP [Google Cloud Platform] e com o Azure [Microsoft].

Neste momento, quem entra vê muito mais servidores?

Vai parecer mais vazio. Tivemos que acompanhar outra realidade: o espaço deixa de ser o principal problema, porque a densidade computacional dos bastidores está a crescer mais depressa do que a ocupação de metro quadrado.

Ou seja, têm mais capacidade por máquina e não é preciso tanto espaço?

Sim, é verdade. A restrição passa a ser o consumo energético e a capacidade de climatização. É menos o metro quadrado. Eu, pelo mesmo metro quadrado, tenho mais computação, mais storage.

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