• Entrevista por:
  • Marta Santos Silva

Carlos Silva: “Governo não pode ir nos devaneios de alguma esquerda que quer a Lua”

Carlos Silva espera para ver as medidas laborais que o Governo apresenta hoje antes de definir as prioridades da UGT, mas diz não recuar na redução da precariedade, nem no salário mínimo.

Carlos Silva, secretário-geral da UGT, não quis antecipar em entrevista com o ECO o que esperava da reunião dos parceiros em sede de concertação social esta sexta-feira. Com a promessa do Governo de que apresentaria nesse momento as suas propostas para a alteração da legislação laboral, o dirigente sindical prometeu esperar para ver, com a mente aberta, embora ressalvando que algumas prioridades eram imprescindíveis: o combate à precariedade no setor privado, tal como a regulamentação da caducidade na contratação coletiva.

Entretanto, António Costa já antecipou que a penalização das empresas com alta rotatividade de contratos a prazo não vai ser através da Taxa Social Única mas sim, na proposta do Governo, através de uma taxa específica criada para o efeito. Ainda não se conhece, no entanto, o destino da proposta, rejeitada pelos partidos de esquerda, de um favorecimento das empresas que, pelo contrário, tenham boas práticas de contratação, com um redução na TSU. Ao ECO, Carlos Silva falou das duas opções, assim como do futuro próxima da legislação laboral e das reivindicações da Administração Pública, que em março e abril sai à rua por setores.

O que lhe parece a possibilidade de vir a favorecer na Taxa Social Única as empresas que tenham mais contratos sem termo e menos recurso aos vínculos temporários?

Para aquelas empresas que fazem o esforço para contratar trabalhadores a contratos sem termo, a UGT diz: se penalizamos umas empresas, para outras devia haver um benefício, precisamente na mesma proporção. Mas se o Governo abandonar esta matéria por pressão da esquerda no Parlamento, a UGT aí não faz finca pé, nem tem de fazer.

O que nós achamos é que tem de ser combatida a segmentação do mercado de trabalho, e se essa segmentação tiver de vir por uma penalização para as empresas que usam e abusam dos contratos precários, eu acho que isso deve ser feito. Não víamos um inconveniente que haja um benefício ao contrário, para as boas práticas. Os exemplos bons devem ter alguma compensação. Se houvesse uma redução da TSU nem que fosse em 0,5%, não víamos inconveniente, mas isso é uma decisão que cabe ao Governo.

A penalização das empresas com alta rotatividade é então, para a UGT, uma medida obrigatória que o Governo deve implementar?

Acompanhamos o Governo no caso da penalização através da TSU. São mais receitas para a Segurança Social, e é também um fator de não recomendação às empresas que usem e abusem desse processo. Temos é que estimular a contratação sem termo.

Mas na redução da TSU como incentivo aos bons comportamentos são flexíveis?

Como sabe, a questão da redução da TSU em 2016 não passou no Parlamento por causa do Partido Social Democrata. Aqui, os partidos mais à esquerda têm uma posição coerente: são contra reduções na TSU porque pensam que as empresas não precisam disso e é um esvaziamento dos cofres da segurança social. Para a UGT, o que importa é encontrar um regime em que nós possamos dar às empresas algum oxigénio, para poderem respirar.

Nessa altura, há dois anos, quando caiu a questão da TSU, acho que o Governo contou com o ovo no cu da galinha. Achava que o PSD estaria respaldado daquela que foi sempre a sua posição desde que há concertação social. Mas o PSD estava chateado com a solução governativa e recebeu instruções de alterar a sua posição.

O que o Governo tem de fazer, se quiser insistir na mesma linha de atuação, é garantir que as medidas que preconizar na concertação têm passagem no Parlamento. Isso é negociado do ponto de vista interno, partidário. Se obtiver um acordo à mesa negocial, como aconteceu em 2016, tem de garantir por antecipação que não vai andar aqui a criar expectativas aos portugueses nem aos parceiros e depois nós assinamos aquilo e é chumbado no parlamento.

Acha que existe a possibilidade de o Governo ceder aos patrões na concertação social sobre a precariedade?

Não. Não estou a ver. Há coisas que os patrões exigem nas quais têm razão. Acho que o Governo vai ter de negociar em concertação social com patrões e com sindicatos, e um eventual acordo em qualquer uma das matérias será um acordo que careça das três partes. Nós só estaremos disponíveis se entendermos, por exemplo na questão salarial, que há um efetivo esforço da parte das entidades empresariais para beneficiarem os trabalhadores com mais frágeis rendimentos e salários.

Quais são os mínimos da UGT para esta fase da concertação social?

Neste momento não traçamos linhas vermelhas. Não há nada em cima da mesa. O que há aqui são objetivos a atingir. Até dia 30 de junho, gostaríamos que a caducidade ficasse resolvida, e é o Governo que tem de pôr isso em cima da mesa. Tanto o Governo como a maioria do parlamento e a UGT defendem que a caducidade se deve manter no Código de Trabalho, com efeitos de não permitir, por dá cá aquela palha, que as empresas ponham em causa os contratos de trabalho. Queremos saber porque é que a caducidade é invocada. Há problemas de adaptação à lei? A empresa está numa situação de insolvência? O contrato de trabalho não serve a empresa nem os trabalhadores? O que nós exigimos é que qualquer empresa neste país tenha que justificar porquê e o Governo tem de ter a última palavra.

Carlos Silva, secretário-geral da UGT, falou ao ECO na sede da central sindical, em Lisboa.Paula Nunes / ECO

Acha que as decisões do Governo são mais coladas aos parceiros de esquerda ou vê diferenças entre eles que possam vir a gerar uma cisão parlamentar?

Tudo o que o Governo tem aprovado tem sido conjugado com os parceiros à esquerda, e uma grande parte do que tem sido aprovado tem sido benéfico para o país e para os trabalhadores. Se me disser que o Bloco de Esquerda, o PCP e Os Verdes queriam mais além, pois queriam. Acho que o PS tem demonstrado um grande sentido de equilíbrio entre aquilo que pode fazer e o que não deve fazer. O clima de confiança económica no país também depende da forma como se governa, e governar para o país é governar para trabalhadores e governar para empresas.

Qualquer matéria em que neste momento os partidos mais à esquerda estejam a pressionar o Governo pode levar o Partido Socialista a entrar num caminho sem retorno, que efetivamente possa contrariar aquilo que são as expectativas de atingir o défice zero. O Governo precisa dos empresários, da iniciativa individual, do empreendedorismo, de atrair empresas externas. O Governo sabe disso e não pode ir nos devaneios de alguma esquerda que quer a Lua. Acho que a UGT tem dado uma demonstração de equilíbrio nesse campo também. Nós percebemos que quem cria emprego são os empresários.

O Governo cede mais vezes para o lado dos patrões ou dos sindicatos?

O Governo não tem cedido a ninguém. O PS tem feito acordos à esquerda e agora quer fazê-lo à direita. Estou convencido de que há condições de negociar com todos os partidos. Para a UGT todos fazem parte do jogo da democracia. Aquilo que defendemos é que tem de haver equilíbrio e o Governo, quando é necessário acudir aos patrões, percebe os seus constrangimentos. Numa relação de trabalho, aquilo que é histórico é que o trabalhador é sempre a parte mais fraca, e nós, na concertação social, tentamos fazer a nossa parte para que não se perca o clima de confiança nem a capacidade de investir em Portugal.

O que é que leva os trabalhadores da Administração Pública, desde os professores aos enfermeiros passando pelos médicos, a saírem tanto à rua em greve nestas semanas?

As greves estão a sair à rua, por um lado, por uma questão de justiça. Justiça, nas expectativas que foram criadas por este Governo, por esta solução encontrada no seio do parlamento. Se perguntarem aos trabalhadores da Administração Pública se já está tudo revertido do anterior Governo, dirão que não. Compreendemos que ouvindo o Governo sobre por que é que não se resolvem as coisas que falta resolver, a resposta que temos tido é “constrangimentos orçamentais”.

Mas para além dos constrangimentos orçamentais não me parece que os sindicatos da Administração Pública, e eu só falo dos da UGT, tenham colocado um bloqueio naquilo que é normal acontecer nestas alturas. Tem de haver diálogo. Tem de haver negociações. Então quem é que está a entravar o processo negocial? É o Governo, seja no Ministério das Finanças, que normalmente delega o processo negocial na secretária de Estado da Administração Pública, seja nas outras áreas como a Educação ou a Saúde.

Acho que as greves devem ser o último recurso. O problema é que há meses que se estão a arrastar as negociações. No caso dos professores, como sabe, no dia 15 de dezembro foi assinado um protocolo entre as várias plataformas sindicais e o Ministério da Educação que não deu em nada.

Qual é a sua perspetiva sobre a proposta do Ministério da Educação para a recuperação do tempo de carreira dos professores?

É pouco, é reduzido. Já o fiz saber em várias sedes. Os trabalhadores reivindicam nove anos e alguns meses e dois ou três dias da contagem do tempo de trabalho desde que a carreira foi congelada. Se este Governo é que teve a culpa, não. Mas também criou expectativas aos trabalhadores. Ainda não vi da parte do Governo abertura para negociar para além do que o Governo já fez saber, que são dois anos e alguns meses, ou seja, praticamente desde o início da atual legislatura.

O parlamento aprovou por maioria que não se pode esfumar a contagem do tempo de serviço profissional dos professores ao longo da vida. Claro que eu já ouvi responsáveis do Partido Socialista afirmar que “atenção, a recomendação foi aprovada mas com determinadas condições, uma das quais que houvesse cabimento orçamental”.

Mas existem propostas dos sindicatos que têm em conta esse impacto orçamental, não há?

Têm isso em conta, naturalmente. É como uma prestação de uma casa ou um crédito individual: o que não se pode pagar em dois anos pode-se pagar em três, quatro ou cinco. Se não conseguirem pagar em cinco, pagam em dez.

E há abertura dos representantes dos trabalhadores para negociar a esses prazos?

Julgo que há abertura da parte dos representantes sindicais. Não direi de todos, falo dos da UGT. Na UGT, até agora ninguém fechou a porta a um entendimento que prolongue no tempo. Agora de uma forma pura e dura, obliterar a contagem do tempo parece-me um erro e é, sobretudo, uma grande injustiça.

Também é preciso ter em conta que os trabalhadores da Administração Pública há dez anos que não são aumentados. O último ano em que tiveram um aumento de 2,9% foi em 2009.

Como viu a notícia do Público sobre um membro do Governo que falou ao jornal para dizer que não haveria aumentos para a Função Pública no próximo orçamento?

O membro de Governo que falou nesse sentido assume a responsabilidade daquilo que diz. Não deixa de ser um Governo do Partido Socialista, um partido de esquerda, conotado com grandes responsabilidades sociais, que criou uma expectativa e assumiu responsabilidades perante o país e ainda optou por uma coligação que mais responsabilidades lhe trouxe.

Se há 9 anos os trabalhadores não são aumentados, e para o ano, em 2019, fará dez anos, parece-me que foi com alguma ligeireza que esse membro do Governo que defendeu que não havia dinheiro fez a intervenção.

É evidente que é importante estimular o consumo interno, estimular os rendimentos. O atual primeiro-ministro quando tomou posse, disse que é necessário devolver rendimentos aos trabalhadores. Temos de olhar para a reposição de rendimentos que foram retirados aos trabalhadores. Diria mesmo, e é uma palavra forte, foram espoliados daquilo que era um direito que lhes assistia de poderem ter aumentos salariais — os da Função Pública e os do privado. O Governo tem de dar o exemplo. Se não dá nestas negociações com os vários setores, o que é que nós podemos esperar para os próximos meses? Podemos esperar agitação e conflito. Não é uma coisa que a UGT goste nos seus sindicatos. Mas se formos forçados a avançar pela via do conflito na rua, naturalmente não temos condições para nos escusarmos.

Como vê, de forma global, o trabalho que tem sido feito ao longo desta legislatura relativamente à reposição de rendimentos na Função Pública?

Globalmente, vejo de uma forma positiva. O Governo tem uma legislatura para cumprir de quatro anos. Os primeiros dois anos foram de reposição de rendimentos, os feriados… Há matérias que ainda não foram abordadas em concertação social mas irão sê-lo, talvez mais a sério esta semana, a partir de dia 23: a discussão da legislação laboral, ou pelo menos algumas propostas que estão em cima da mesa.

Como é que vê as preocupações do lado do Partido Socialista e do Presidente da República sobre as medidas tomadas no próximo ano para devolver rendimentos ou fazer aumentos poderem ser vistas como eleitoralistas?

Há sempre esse risco. Não vou dizer que sejam medidas eleitoralistas, mas em qualquer país democrático, onde há uma aproximação de um ato eleitoral quem está no Governo quer continuar. O Governo está a tentar, por um lado, cumprir os seus compromissos em termos europeus, o que lhe dá uma imagem de credibilidade, e ao mesmo tempo está a tentar garantir que, no seu próprio país, consegue segurar uma parte do eleitorado dando mostras de sensibilidade social, mas também tem de ter muito a ver com o controlo orçamental. Hoje são mais as Finanças que mandam do que as questões sociais.

Era bom que em determinados aspetos pudesse haver eleitoralismo: se o salário mínimo fosse para além dos 600 euros, para 2019, se houvesse uma reposição de rendimentos mais assertiva para os trabalhadores da administração pública… Nós sabemos que isto é um custo para o Estado, mas temos de analisar o custo-benefício. Os trabalhadores custam dinheiro? Custam. E qual é o benefício que dão? Serviços públicos de qualidade, a escola pública, a educação, a justiça, a saúde… Tem de se pagar. Os cidadãos merecem isso.

  • Marta Santos Silva
  • Redatora

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