Ao fim de dois confinamentos, o comércio começa a regressar à normalidade. Em entrevista ao ECO, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) diz que ainda há detalhes a acertar.
Ao fim de dois confinamentos, o comércio começa, finalmente, a retomar uma certa normalidade. Mas ainda existem aspetos que podem ser melhorados neste processo de desconfinamento. Em entrevista ao ECO, o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) defende o alargamento dos horários dos espaços comerciais, sobretudo do retalho, e o aumento da rácio de pessoas por loja.
Gonçalo Lobo Xavier diz ainda que os apoios do Governo “não foram suficientemente rápidos para resolver os problemas” de muitas empresas, ao mesmo tempo que pede a vacinação dos trabalhadores do retalho.
As empresas estavam preparadas para um novo confinamento?
O confinamento foi dramático para muitas empresas, sobretudo para as do retalho especializado, que depois de uns meses de abertura muito condicionada, mesmo no Natal, tiveram um número de pessoas muito baixo, com um rácio de cinco pessoas por cada metro quadrado. Foram meses muito difíceis e a expectativa de recuperação que existia — normalmente para outubro, novembro e dezembro — não se concretizou. As vendas foram insuficientes porque o tráfego foi insuficiente.
Houve um sentimento de compreensão pela saúde pública, mas houve também uma enorme dificuldade em gerir todo este processo, porque por mais apoios que existam — e não negamos que o lay-off seja muito importante –, as empresas querem trabalhar e servir os clientes. Foi muito doloroso e as empresas — sobretudo as do retalho — estavam desejosas que este período terminasse. As perdas no retalho especializado, em algumas áreas, foram muito significativas. Nos setores da moda e têxtil andaram na ordem dos 35%. Foi dramático. Portanto, as empresas olham para este período de desconfinamento como um sinal de esperança e estão com um otimismo moderado.
Há um fenómeno interessante: as categorias de produtos que estão a aumentar são muito específicas: moda, têxtil e eletrónica. As pessoas mudaram muito os seus hábitos, vão ao local com o objetivo de comprar determinado produto e vão embora. A experiência que existia antes de ir a um espaço comercial e passar algum tempo está a mudar com alguma intensidade. Há o propósito de adquirir determinado produto e ir embora. E isso tem implicações nas categorias de produtos que se vendem. A compra por impulso está a ter um comportamento diferente.
Foi mais duro para as lojas este segundo confinamento?
Não sei se podemos fazer essa comparação. Foram confinamentos diferentes. Até para as pessoas em geral custou mais este. No primeiro confinamento tínhamos um desconhecimento muito grande sobre o vírus e as consequências, e a forma como as famílias encararam o assunto foi diferente. Além disso, a angústia de retomarmos algumas práticas que já tínhamos abandonado e para as empresas, depois de um ano tão difícil, voltarem a confinar, do ponto de vista da sustentabilidade do negócio criou um sentimento muito difícil de gerir foi complicado. Mas não sei qual confinamento terá custado mais.
Não podemos dizer que os apoios do ponto de vista financeiro não foram complexos. Não diria que foram insuficientes, mas não foram suficientemente rápidos para resolver os problemas.
Faltaram apoios do Governo? Os que foram criados são suficientes?
Nós somos um setor que não tem por hábito fazer muitas reivindicações desse tipo de apoios. Mas há duas dimensões a destacar. Do ponto de vista do apoio institucional e da abertura do Governo para acudir as nossas preocupações, tivemos um diálogo muito bom e sabemos que temos ali um parceiro que se tem preocupado com a vida das empresas e a sua recuperação. Nesse ponto de vista, o diálogo foi muito interessante e produtivo.
Depois, do ponto de vista dos apoios, o lay-off é um instrumento muito interessante e que foi muito útil para as empresas. Mas não podemos dizer que os apoios do ponto de vista financeiro não foram complexos. Não diria que foram insuficientes, mas não foram suficientemente rápidos para resolver os problemas. Temos esperança que os diferentes mecanismos que estão a ser pensados agora para as empresas reinvestirem em infraestruturas e digitalização dos processos serão muito importantes. Apelamos a que sejam simples e claros para todas as empresas e não excessivamente burocráticos. Isso tem de ter essa preocupação porque o país não aguenta esse tipo de hesitação.
Houve muitas empresas nos centros comerciais a fecharem espaços? Houve apoios?
Há vários mecanismos. Estamos a trabalhar com a APCC e há vários apoios que estão a ser destinados, como o Revitalizar. O que achamos é que são relativamente mal desenhados, porque não têm em consideração a dimensão das empresas e a sua complexidade. Às vezes é preciso ter uma literacia acima da média para se perceber os tipos de mecanismos, que tipos de empresas se podem candidatar e a quem recorrer. Isso pode ser melhorado para o bem das empresas e achamos que já está a haver um esforço, mas é manifestamente insuficiente para a dimensão dos problemas.
Os supermercados nunca fecharam, mas fecham mais cedo do que o normal. Concorda?
O que custa mais, muitas vezes, é perceber que algumas medidas tomadas pelas autoridades não fazem sentido nem têm ligação com a saúde pública. Fomos sempre contra a limitação de horários, que criou um caos nas operações com as filas intermináveis. Durante a semana as pessoas não têm tempo para fazer as suas compras e de cada vez que se limitam os horários isso provoca constrangimentos nas nossas operações e na vida das pessoas. Foi caótico o que aconteceu e um indutor de ajuntamentos na via pública e à porta das lojas, que eram desnecessários e podiam ter sido mitigados com o alargamento de horários.
Esperamos que com a maior normalização da vida das pessoas e um maior cumprimento das regras, haja um alargamento dos horários. Os horários têm de voltar a ser repostos, quase como no período pré-pandemia, para dar às pessoas a possibilidade de escolherem os horários mais convenientes. É fundamental que o cliente tenha noção e uma sensação real de confiança quando se desloca a uma loja. Aumentar o rácio de pessoas dentro das lojas e estender os horários é fundamental para que as empresas recuperem.
Portugal tem um rácio de cinco pessoas por cada 100 metros quadrados. É o rácio mais baixo da Europa. Estamos com números relativamente satisfatórios e insistimos num rácio que é o mesmo desde maio de 2020. É incompreensível.
E continua a haver um limite de pessoas dentro dos espaços comerciais.
Portugal tem um rácio de cinco pessoas por cada 100 metros quadrados. É o rácio mais baixo da Europa. Estamos com números relativamente satisfatórios e insistimos num rácio que é o mesmo desde maio de 2020. É incompreensível porque fizemos todos os investimentos para que as lojas fossem seguras e as regras fossem cumpridas. As lojas têm filas à porta e estão vazias. É uma contradição que tem de terminar o mais depressa possível. À medida que as coisas vão voltando à normalidade, tem de haver alguma normalidade nos espaços comerciais.
O que continuamos a achar, e o tempo vai dar-nos razão — mas gostaríamos que as autoridades tivessem percebido isso há mais tempo –, é que não é nos espaços comerciais que a pandemia é transmitida. Temos todas as regras de segurança, os operadores com formação e investimentos muito significativos feitos para acolher os clientes com segurança. E o que estamos a assistir é a um aumento significativo do tráfego nas lojas. As pessoas e as empresas estão a retomar alguma normalidade e tem havido uma adesão bastante interessante.
O que nos leva a dizer que é imperioso aumentar o rácio de pessoas por loja. É algo que já estamos há algum tempo a pedir ao Governo. Realmente há que tomar uma decisão para aumentar esse rácio e permitindo mais pessoas dentro das lojas e evitar filas à porta. Apesar de se ter tido o bom senso de aumentar os horários ao fim de semana, continuam a ver-se muitas filas à porta dos centros comerciais. Temos empresas com resultados muito interessantes nas últimas semanas e um crescimento nas vendas — sobretudo nos setores têxtil, eletrónica e mobiliário –, mas que continuam com um número elevadíssimo de pessoas à porta e que era manifestamente desnecessário. Do ponto de vista da saúde pública nem é positivo.
Continua a ser proibido vender bebidas alcoólicas, mas desta vez a partir das 21h. Em janeiro já tinha referido que impor esse limite “não revelava bom senso”. Está mais “satisfeito” agora?
É outra medida que consideramos estranhíssima e para a qual não temos qualquer explicação é a proibição de venda de álcool depois das 20h — que, felizmente, já passou para as 21h. Mas, mesmo assim, é bom que se saiba que esta limitação não só trouxe constrangimentos à vida das pessoas e das empresas, como um impacto negativo numa indústria tão importante como a do vinho e da cerveja. Não estou a fazer a apologia das pessoas beberem bebidas alcoólicas, mas teve constrangimentos e impacto. Entre novembro e dezembro, um período crítico para isso, estimamos que as perdas tenham sido na ordem dos 15 milhões de euros. Agora, facilmente se diz que houve uma perda de vendas que foi diretamente relacionada com essa limitação. Foi a indústria nacional que mais sofreu.
Como é que as empresas se prepararam para a reabertura?
Era uma preocupação nossa. Foi feito um investimento bastante grande na formação das pessoas e houve também — sobretudo no retalho especializado — bastante investimento nas próprias infraestruturas: em acrílicos (que já tinha havido no passado), no cashout, na melhoria da disponibilização de álcool gel para os clientes e nos sistemas de contagem de pessoas em loja. Nos centros comerciais há um sistema de contagem automático de pessoas que permite que, a qualquer momento, as portas fechem e as pessoas sejam canalizadas ordeiramente para as lojas ou para a saída. Além disso, houve um investimento muito grande nas equipas de segurança, para que seja feito um maior esforço no controlo do distanciamento, mesmo fora das filas dos espaços comerciais. É uma preocupação que saudamos e que, felizmente, tem corrido sempre bastante bem. Portugal tem tido um comportamento muito interessante e exemplar no cumprimento das regras.
O Governo anunciou a uma quinta-feira à noite que as lojas podiam estar abertas no fim de semana até às 19h. Saudámos, mas podiam ter avisado com mais antecedência. Isso tem enormes implicações.
É preciso um Apoiar 2.0? Já devia ter sido lançado?
Preferimos deixar essas questões para as confederações e para quem está a negociar com o Governo. Os apoios, sobretudo para as pequenas e médias empresas, são fundamentais. As instituições bancárias nem sempre têm sensibilidade e capacidade para investir e perceber o drama das empresas. As empresas querem manter os empregos e, felizmente, não temos tido uma perda líquida de emprego. Em algumas áreas até temos criado emprego.
Mas, mais do que criar apoios — e estes terem regras claras –, deve ser dada alguma perspetiva sobre o que se vai passar para que as empresas possam tomar decisões. O Governo anunciou a uma quinta-feira à noite que as lojas podiam estar abertas no fim de semana até às 19h. Saudámos, mas podiam ter avisado com mais antecedência. Isso tem enormes implicações. Por isso, mais importante do que os apoios é a previsibilidade e a capacidade para tomar decisões que sejam importantes para os negócios.
As empresas têm custos extra por causa da Covid. Esses custos estão a ser passados para os clientes?
Compreendo a questão, mas não. Os dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que tem havido um crescimento ligeiro que tem a ver com o próprio aumento das matérias-primas e a necessidade de melhorar produtos em alguns casos. As empresas têm feito um investimento muito grande em segurança e isso deve ser tido em conta no ponto de vista da majoração desses custos em sede de IRC. Temos falado muito com o Governo sobre essa matéria. Há mecanismos para que estes procedimentos sejam tidos em conta do ponto de vista da majoração fiscal. Mas há espaço para mais algumas medidas nesta matéria.
Como é que foram os primeiros dias do desconfinamento? As vendas superaram — ou pelo menos voltaram — aos valores pré-pandemia?
Em alguns segmentos do retalho especializado — por exemplo no têxtil — tivemos uma primeira semana com um crescimento na ordem dos 50%. Agora está a estabilizar, mas sim, não nego que tem havido algum crescimento que tem, naturalmente, uma explicação simples. As pessoas estiveram meses em casa e não tiveram roupa nem produtos que foram obrigadas a comprar. Na eletrónica também se nota um crescimento interessante, assim como no mobiliário. Foram duas semanas de desconfinamento e as pessoas foram às lojas, onde não iam há muito tempo. Ainda é cedo para tirar conclusões, mas este crescimento é natural.
Que outros constrangimentos ainda existem? São desnecessários?
Neste momento apenas as grandes preocupações do setor e, evidentemente, a necessidade de mantermos níveis de segurança para os nossos colaboradores e clientes. Por isso é que a testagem massiva é outro tema que nos parece muito interessante. Sabemos que há a necessidade de criar condições para que as pessoas se testem. Diria que nos parece importante alargar e democratizar a venda de autotestes à população em geral, de forma mais abrangente. Precisamente porque quantas mais pessoas se testarem, melhor se pode fazer o controlo. A DGS tem feito algumas recomendações, aliás, no caso do retalho há a preocupação de se fazer uma testagem massiva. E algumas empresas já estão a optar por fazê-lo. O Estado tem aqui uma responsabilidade e pode, e deve, incentivar as empresas que estão na linha da frente a fazer essa testagem.
Não queremos passar à frente de ninguém, temos conhecimento das prioridades da vacinação, mas se somos grupos prioritários para algumas matérias, a vacinação dos nossos colaboradores pode ser algo a equacionar.
Já tinha defendido o alargamento da venda de autotestes a todos os supermercados, sem ser necessário uma parafarmácia como estipula o decreto do Governo. Em que ponto de situação está essa possibilidade?
Sabemos que há uma circular da própria DGS que faz essa recomendação, mas ainda não há uma autorização formal. Estamos em conversações com a DGS, Infarmed e INSA para se criarem condições para isso acontecer.
Sabemos que questões de vacinação são muito delicadas e, sendo nós do setor dos bens alimentares, gostaríamos que se olhasse para os nossos colaboradores com especial cuidado. Não queremos passar à frente de ninguém, temos conhecimento das prioridades da vacinação, mas se somos grupos prioritários para algumas matérias, a vacinação dos nossos colaboradores pode ser algo a equacionar. Percebemos as condições difíceis e a necessidade de se tomarem decisões difíceis, mas gostaríamos que, pelo menos, o retalho alimentar fosse considerado, porque todos os dias enfrenta desafios e está na linha da frente. São cerca de 130 mil colaboradores. Seria um sinal interessante.
Receia um novo confinamento? Que cenário antecipa para o futuro?
Todos temos de ter receio e noção de que isto ainda não acabou e que ainda vamos passar por bastante. É necessário continuar a manter todas as cautelas e medidas de segurança relativamente à pandemia. Isto não vai acabar, a pandemia não acabou, e temos de manter isso presente nas nossas vidas. Dentro do setor gostaríamos que não houvesse mais confinamentos e que estas regras fossem contempladas para recuperar as empresas. Sobretudo as do retalho especializado, que foram fustigadas neste tempo de pandemia. Queremos manter os empregos, mas precisamos que haja um regresso à normalidade, que seja suficientemente bom para que se retomem os níveis de consumo e isso tem de ser feito de forma coordenada e estruturada.
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Comércio quer horários alargados, mais pessoas por loja e trabalhadores vacinados
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