José Araújo quer concorrer à liderança da Ordem dos Contabilistas Certificados. Diz que o controlo de qualidade da profissão é desadequado e quebra "uma coisa absolutamente crucial": o sigilo.
José Araújo, 49 anos, contabilista certificado nº 5, quer dar “mais notoriedade” à profissão e entende que os contabilistas das empresas cotadas no PSI-20 “não se sentem representados na Ordem”.
Diz que é preciso “olhar para dentro da profissão e elevar a qualidade” e é por isso que quer concorrer à Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), nas eleições que decorrerão este ano. Está afastado da OCC há 17 anos mas quer regressar à casa que conheceu na sua origem.
Para José Araújo, “há um limiar de pressão fiscal a partir do qual a fuga começa a aumentar”. E avisa: “acho que estamos acima desse limiar”.
Sendo candidato à Ordem, o que é preciso mudar nesta estrutura?
Em primeiro lugar, tenho que dizer que sou candidato porque tenho um projeto para a profissão e para a Ordem. Sou o contabilista certificado número 5, porque estive na comissão instaladora. A OTOC [Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, designação anterior da OCC] faz parte da minha vivência associativa. Tenho uma vivência associativa bastante intensa, venho das associações, quer da Associação Portuguesa de Contabilistas, quer da APOTEC [Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade].
Fui nomeado pelo, na altura, ministro das Finanças Sousa Franco para a comissão instaladora, do qual fez parte o falecido bastonário como presidente. Fui entretanto eleito nos primeiros órgãos sociais como presidente do conselho técnico, fui representante da Ordem — na altura associação — na Comissão de Normalização Contabilística e estive envolvido nos processos de transição para as normas internacionais de contabilidade. A minha vida é a profissão e as organizações profissionais.
Conhece bem a casa por dentro?
Razoavelmente, porque estive afastado da Ordem durante 17 anos. Estou na origem mas não nos últimos 17 anos. Estive sempre na profissão mas não relacionado diretamente com a Ordem.
E porquê esse afastamento?
Porque num determinado momento eu e o Domingues de Azevedo seguimos caminhos diferentes.
Divergências?
Exatamente. Só que entretanto acabei por, a convite de amigos e pessoas ligadas à profissão, face ao vazio que surgiu, [avançar com uma candidatura]… porque ele era um líder carismático, muito envolvido no processo da constituição da agora Ordem, a ele se deve o facto de ser hoje Ordem, mas agora é preciso fazer duas outras coisas: olhar para dentro da profissão e elevar a qualidade.
Como é possível seguir esses caminhos?
Relativamente a olhar para dentro, há muita coisa a fazer do ponto de vista da própria estrutura: é uma casa muito grande, com muitas responsabilidades, que cresceu muito e à volta de um homem, daquilo que ele sentia que era a profissão e a forma como vivia as organizações. Os tempos hoje são outros, os desafios também, portanto temos de reformular, reestruturar, ajustar àquilo que é a nossa forma de ver a organização profissional.
Temos neste momento um património imobiliário que não sei se é ajustado àquilo que é a vocação da Ordem.
Qual é o grande problema da estrutura em si?
Entendo que a estrutura tem de estar mais orientada para aquilo que é a necessidade e o objetivo da profissão. E por isso temos que reformular. Por outro lado, temos que ajustar à realidade económica da própria Ordem. A Ordem cresceu muito e o orçamento é muito elevado, à volta de 20 milhões… Mas são 20 milhões de receita e 20 milhões de despesa. Temos que ajustar.
Isso implica cortes?
Isso implica ter que usar a estrutura que temos para melhorar e ser mais eficiente. Não necessariamente cortar no essencial mas alguma coisa tem de ser ajustada. Vou dar um exemplo, temos neste momento um património imobiliário que não sei se é ajustado àquilo que é a vocação da Ordem. Temos várias delegações regionais e não sei se somos propriamente focados no património imobiliário. Por outro lado, é um património imobiliário muito financiado pela banca. Temos que reequacionar todas estas despesas e ajustar a estrutura.
Não será contestado pelos funcionários?
Os funcionários são todos necessários. Não vamos cortar em nenhum, antes pelo contrário. Os que estão são poucos. Temos é que orientar para o que verdadeiramente é a vocação da Ordem. Depois, há a questão da qualidade, que assenta em dois ou três eixos que têm de ser desenvolvidos. O primeiro é que temos um controlo de qualidade desadequado face ao que é o meu pensamento.
Controlo de qualidade da profissão?
Da própria profissão. Não concebo um controlo de qualidade sem ter normas de qualidade. Precisamos de ter normas, guias de orientação, para depois então aferir o controlo de qualidade.
Mas isso faz-se sobre as pessoas?
Sobre as pessoas. Não deve ser nas tarefas que as pessoas desempenham, mas no processo que desenvolvem, e, portanto, ajudá-las a melhorar as suas competências e orientar o seu trabalho para podermos aumentar o patamar da qualidade e da exigência.
Isso não existe agora? Ou não tanto como gostaria?
Há, mas não é adequado àquilo que me parece ser um verdadeiro controlo de qualidade. Existe mais uma espécie de auditoria ao trabalho dos contabilistas.
Vou dar um exemplo: verificar se a reconciliação bancária — que é a comparação entre aquilo que está registado no banco e na empresa — coincide. O controlo não deve incidir sobre se a reconciliação bancária está bem ou mal feita — isso é uma questão de competência técnica e da relação do profissional com a empresa — mas sim no processo, se ela é feita. O controlo de qualidade no âmbito daquilo que são as recomendações do IFAC — International Federation of Accountants, a organização mundial de contabilistas — é mais no processo, na orientação, e não propriamente naquilo que se fez ou não se fez. Porque isso é uma relação entre quem contrata e o contratado. Isso é mais no âmbito da auditoria, e a auditoria está reservada aos revisores de contas. Não podemos sequer fazer auditoria. Por outro lado, o controlo de qualidade neste momento quebra uma coisa absolutamente crucial no exercício da profissão que é o sigilo profissional.
Como?
A Ordem pede aos contabilistas para disponibilizar informação que é dos clientes.
É possível inverter isso?
Sim. É incidir o controlo não sobre os factos mas sobre o processo. Se eu souber qual é o caminho e onde hei-de chegar, não preciso de saber se no caminho havia pedras ou alcatrão. Só preciso de saber se o caminho é aquele.
Qual é a grande questão de preocupação para os contabilistas neste momento?
A questão fundamental é a subordinação ao fisco e o deslocar do centro da profissão daquilo que é o apoio à gestão, o reporte interno e a orientação para a gestão, para o cumprimento de obrigações fiscais. Estamos sobrecarregados com obrigações fiscais. Acho que já passámos o limite minimamente aceitável relativamente à pressão fiscal. Há muita exigência do lado da Autoridade Tributária [AT], poucos meios de defesa do lado do contabilista e do próprio contribuinte. A administração tributária não é exigente consigo própria mas é exigente com os contabilistas e com as empresas.
Ainda agora a Ordem foi convidada a dar o seu parecer sobre um novo calendário fiscal… É preciso estreitar laços com a AT?
É preciso haver cooperação.
Mas existe ou é limitada?
Acho que não existe. O exemplo disso é que o senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais decidiu não cumprir a lei, por um despacho.
Está a falar de…?
IES [Informação Empresarial Simplificada].
Cujo prazo foi adiado…
Posso confessar que sou absolutamente contra qualquer adiamento de prazos. Não temos que adiar, temos é que exigir, da parte da AT, que nos disponibilize os meios para cumprirmos as nossas obrigações a tempo e horas.
E porque diz que não cumpre a lei?
Em 2015, o Decreto-lei 98/2015 veio reformar a contabilidade, o SNC [Sistema de Normalização Contabilística]. Entre outras coisas, altera a estrutura do balanço e dispensa as microentidades, que são 86% das nossas empresas, do anexo e do relatório de gestão. Pois o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no seu despacho de 21 de abril 2017, diz que foi determinado que não fossem propostas alterações aos formulários atualmente em vigor. Mais: vem o Secretário de Estado dizer que adia uma semana o prazo de entrega mas os formulários são iguais.
Há neste país uma ilegalidade básica, pela administração tributária. Se fizermos a liquidação de uma sociedade a 15 de janeiro, o código do IRC e a norma sobre a IES impõe que entreguemos as declarações do ano e do ano anterior em 30 dias… não temos formulários para isso… ligamos para o call center e dizem-nos que temos de esperar que os formulários sejam disponibilizados. E as coimas? Dizem que não aplicam, temos é de estar atentos a quando são publicados e os 30 dias começam aí. Isto é brincar com coisas sérias.
A administração tributária não é exigente consigo própria mas é exigente com os contabilistas e com as empresas.
As matérias são tratadas de forma fragmentada?
Acho que há um processo inquinado desde a origem, que é a autoridade não nos ver como parceiros, vê-nos como subordinados.
Uma entidade que fica bem consultar?
Consultar, mas sem efeitos práticos. Na prática não acontece nada, o que acontece é o incumprimento da lei. Se incumprimos, somos fortemente penalizados, com coimas e ameaças desproporcionadas face à infração, e depois não nos dão os meios para cumprirmos a lei.
O que é preciso mudar?
É preciso sermos interlocutores.
O que pode a Ordem fazer nesse sentido?
Exigir mais rigor à Administração tributária e fiscal.
Não têm sido suficientemente ouvidos?
Acho que não. Pelo menos a eficácia é nula. O Secretário de Estado diz que não vai cumprir a lei mas dá mais sete dias [para entregar a IES] e a bastonária diz “pois, compreendemos e aceitamos”.
E o que poderia ter sido feito neste momento?
Exigência.
Onde é que se deve mexer na malha fiscal?
Para já, o calendário.
Tem o problema das sobreposições?
Exatamente. Depois, continuamos a ter um problema de sobreposição de informação. Temos a mesma informação prestada a entidades diferentes. A classe sempre respondeu às exigências, sem qualquer contrapartida. Mas temos valor a acrescentar, quanto a prazos, meios, formas. Temos diversas propostas que podem ser implementadas com simplificação do processo de comunicação às autoridades públicas. Hoje, a AT exige coisas ao dia 8, 10, 15, 20, 25, 30…
A exigência é ao longo de todo o ano?
Todo o ano. Não há uma semana em que um contabilista não tenha uma obrigação a cumprir e depois nem sempre nas melhores condições. Disponibilizam as aplicações mas não funcionam. Não temos mais nada que fazer do que andar a corrigir os erros da AT. Tomara nós termos tempo para corrigir os nossos.
Quando fala no ajustamento de calendário, significa reduzir obrigações?
Sim, eliminar, coisas que estejam sobrepostas…
Ou transferir para um determinado período do ano? Qual é a ideia?
O que seria bom era a AT fazer o seu trabalho e nós o nosso. Um exemplo: este preenchimento da IES é uma coisa completamente inapropriada. Porque a prestação de contas é deliberada em Assembleia geral. O que devíamos fazer era digitalizar em PDF os documentos e entregar à AT. E depois eles usem a informação como quiserem.
Como se processa?
Fazemos isso na Assembleia-Geral e depois temos de preencher um formulário eletrónico com uma série de campos e de informações para que a AT receba essa informação já preparada em sistema informático para não ter o trabalho de carregar a informação. E qual o benefício das empresas e contabilistas? Mais carga de trabalho e mais custos.
E as opções políticas, acha que têm sido as mais corretas?
Do ponto de vista institucional e do que poderá ser uma candidatura, se eu vier a ser eleito como bastonário, acho que a Ordem não deve intervir na política fiscal. A política fiscal é dos governos. Mas temos um contributo quanto aos processos, à forma de cumprir obrigações, à forma de exigir o respeito pelo interesse público e, portanto, a qualidade da informação, a transparência. Aí podemos intervir, agora se a política fiscal é de agravar ou desagravar, é uma relação entre o poder político e o cidadão.
Mas se lhe perguntar se concorda, por exemplo, com o desagravamento do IRS, o aumento de escalões…
Há uma questão importante e acho que isso devia ser ensinado logo no ensino primário: pagar impostos é um dever de cidadania. Quanto muito podemos ver quem paga o quê e de que forma contribui. O Estado português depende de três impostos fundamentais: IVA, IRS e IRC. Isto vai fazer um agravamento sobre aqueles que consomem e os que obtêm rendimento. Se a receita já não é necessária relativamente à cobertura de uma insuficiência pontual é natural que se faça um desagravamento. Desagravar os impostos implica libertar a receita, que vai ser usada no consumo; se as pessoas vão consumir há mais produção; se há mais produção, há mas emprego e mais economia a funcionar, há mais impostos.
Mas concorda com o desagravamento fiscal em sede de IRS?
Em absoluto. Tudo aquilo que diga respeito a taxas progressivas, temos de repensar essa questão. Mas isto é a minha visão pessoal, não tem a ver com nenhuma visão institucional da minha candidatura.
Hoje temos taxas ao nível dos países do norte de Europa. Só que os filhos dos cidadãos no norte da Europa não pagam a educação até completarem o ensino superior, por exemplo. Há uma relação de custo-benefício que o cidadão faz. Não sei se temos essa visão do nosso Estado, se o Estado hoje é capaz de retribuir ao cidadão na justa proporção dos impostos que arrecada. É uma questão de política fiscal que cada governo terá de implementar.
Não sei se temos essa visão do nosso Estado, se o Estado hoje é capaz de retribuir ao cidadão na justa proporção dos impostos que arrecada.
Defenderia a criação de mais escalões?
Tudo o que implique reduzir a carga tributária, permitindo a disponibilização de rendimento para que os cidadãos tenham um melhor conforto na sua vida pessoal e que se sintam recompensados pelos impostos que pagam, sim, é sempre uma boa visão.
Será necessário ir buscar a outro lado?
Se tira daí, ou aumenta noutro lado ou reduz custos. Costumo dizer que o melhor ministro das Finanças que poderíamos ter era a minha avó, que nunca gastava mais do que o que tinha.
E uma baixa do IRC, como veria?
Há uma coisa importante: quanto maior a pressão fiscal, maior a fuga. Há um limiar de pressão fiscal a partir do qual a fuga começa a aumentar. Acho que estamos acima desse limiar.
Mas a evolução é positiva ou negativa nesse ponto?
Tem havido redução de taxas, é bom neste sentido porque aproxima mais do limiar da pressão fiscal. Se isso representa menos evasão fiscal, acho que em princípio sim. Desde que consigamos reduzir a um quadro aceitável, penso que isso proporciona uma maior atração a estar dentro do sistema e evitar a economia paralela. Se a fiscalização for eficiente, aí sim penso que temos um trabalho a desenvolver… Fiscalizar e punir os incumpridores.
Acha que as sanções deviam ser ajustadas para os contabilistas que não cumprem bem o seu papel?
Como em todas as profissões, há bons e maus profissionais. A Ordem o que tem de fazer é penalizar os incumpridores. Temos feito isso dentro daquilo que é o órgão disciplinar.
Há alguma coisa a ajustar?
Se tivermos um adequado controlo de qualidade e se a qualidade for praticada, aliviamos os profissionais de algum incumprimento.
Há o incumprimento consciente e aquele que resulta da pressão do tempo e da quantidade de trabalho?
A teia de conhecimentos e a profundidade de competências que têm que ter os contabilistas para cumprir tudo é muito extensa, muito complicada. E por isso ninguém está a todo o momento em condições de dizer que nunca incumpriu coisa nenhuma. Agrava-se porque quanto mais tempo demoramos a cumprir obrigações fiscais menos tempo temos para dedicar à qualidade do trabalho e à formação. Penso que uma melhor otimização do calendário e melhor guidance por parte da Ordem relativamente à conduta dos profissionais é um bom caminho para diminuirmos a possibilidade de haver mais maus profissionais.
É uma questão a levar ao Ministério das Finanças? É preciso que haja menos pressão para que haja menos erro?
É preciso aliviar a pressão para que se faça melhor trabalho com melhor qualidade.
O que diz é que o Ministério acaba por contribuir para que exista erro?
Sim.
Os contabilistas sentem isso?
Sentem que já foram ultrapassados todos os limites do aceitável relativamente à pressão e à penalização.
E em que se reveste isso em termos de sanções?
Coimas. Completamente desproporcionadas face ao tipo de erro que pode ocorrer.
Há pessoas a desistir da profissão?
Muitas.
Acha que há contabilistas a mais?
Sinto que há uma desproporção entre o número de inscritos na Ordem e o de entidades suscetíveis de empregar contabilistas. Estamos a falar de cerca de 76 mil profissionais na Ordem, e temos, segundo estatísticas do INE, com mais do que um assalariado, 489 mil empresas.
Um contabilista a tomar conta de várias empresas?
Também não são 70 mil os que assinam demonstrações financeiras ou que prestam contas ao fisco de acordo com as obrigações tributárias mas há muitas funções dentro das empresas que são exercidas por contabilistas. Acho que há uma desproporção relativamente aos inscritos face ao número de possíveis empregadores mas há um campo de ação muito vasto que não está a ser explorado.
Que é…?
O apoio à gestão, a contabilidade interna, a direção financeira, o Sistema de Normalização para a Administração Pública é uma nova oportunidade para os contabilistas em termos de empregabilidade. Temos aqui um campo de ação vasto, temos é de encontrar os meios adequados para empregar estas pessoas que são competentes, mas que são demais para o que é o foco da profissão.
Temos aqui um campo de ação vasto, temos é de encontrar os meios adequados para empregar estas pessoas que são competentes, mas que são demais para o que é o foco da profissão.
A profissão é hoje vivida de forma fragmentada?
Acho que devíamos pôr em funcionamento os colégios da especialidade, não concordo com os que estão no estatuto. A minha candidatura assenta no conceito internacional da profissão divulgado pelo IFAC em fevereiro de 2011. Tem cinco áreas de competência: uma delas, a auditoria, está em Portugal reservada à Ordem dos Revisores. Mas temos outras quatro: a contabilidade, os impostos, o contabilista de gestão — que estava muito ligado à atividade do controlo de gestão e hoje é exercido por não contabilistas e acho que é um espaço que devia ser dos contabilistas — e ainda um outro espaço, a área financeira — a direção financeira, a tesouraria — que em Portugal não estamos a ocupar.
Ainda dentro da contabilidade, temos a possibilidade de dividir de acordo com os destinatários. Há um grande destinatário, a bolsa de valores, as empresas cotadas no PSI-20; acho que os contabilistas dessas empresas não se sentem representados na Ordem porque não lhes dá aquilo que eles precisam relativamente ao exercício da profissão, ajuda e apoio em termos de competência técnica, orientação técnica, de apoio à sua independência. Porque esta situação da independência do contabilista que é empregado por conta de outrem numa empresa que é cotada é uma situação muito pertinente e deve ser discutida e trabalhada com os próprios profissionais e é um espaço que a Ordem não está a ocupar e devia. Temos que nos preocupar desde a pequena mercearia de esquina até à empresa cotada em bolsa.
Porque é que os do PSI-20 não se sentem tão representados como os de empresas mais pequenas?
Porque nós não fazemos coisas na Ordem que os interesse.
Estamos a falar do quê?
Porque a Ordem cresceu à imagem do seu dirigente e o dirigente tem um determinado espetro de conhecimento e de âmbito, e portanto nós queremos aumentar o âmbito, aquilo a que se poderia chamar puxar a profissão para cima, dar-lhe mais glamour, mas importância, mais notoriedade.
Qual é a diferença entre um contabilista de uma grande empresa e o de uma pequena empresa?
Primeiro, é logo ao nível da independência. Se eu for contabilista de uma empresa como a Sonae, por exemplo, tenho exposição em bolsa. Quem presta contas é a administração à gerência, tenho independência técnica mas os dirigentes é que prestam contas; eu sou trabalhador por conta de outrem. Os revisores de contas não são trabalhadores por conta de outrem, são profissionais independentes, não têm relação hierárquica com a administração da empresa, nós temos. Se sou trabalhador por conta de outrem, tenho limitações e isto é um assunto que tem de ser discutido.
Por outro lado, aquilo que são as exigências em termos de competência, de informação e qualidade no exercício ou entrega da informação por parte de uma empresa cotada em bolsa não tem nada a ver com uma mercearia, com todo o respeito pela mercearia. Não há contabilistas de primeira e segunda, há contabilistas que têm uma exposição, uma necessidade de conhecimento e uma autonomia diferente para umas empresas e para outras, mas temos este espetro largo. Queremos trazer estas pessoas para a profissão.
Falando em Domingues de Azevedo, será fácil um sucessor acompanhar esse carisma?
Foi um homem que fez um percurso, muitos defeitos lhe podem ser apontados mas também tem algumas virtudes. Foi eleito sempre em atos eleitorais, mereceu a confiança da classe e isso temos que respeitar. Por isso a minha candidatura não é de rutura, é de transição. Aliás, eu conto com algumas das pessoas que neste momento estão nos órgãos sociais para continuar.
Não vai rasgar o legado mas aponta críticas.
Temos de fazer coisas diferentes e melhores, até porque para isso há sempre espaço. O trabalho institucional está feito, agora temos de fazer estas duas coisas: olhar para dentro e aumenta a qualidade.
E em termos de formação, que é uma parte importante da Ordem, acha que esse papel tem sido bem cumprido?
Não é tudo mau ou tudo bom. Mas há muita coisa a melhorar. Não consigo conceber chamar-se uma ação de formação a colocar 1.500 pessoas numa sala e projetar uns slides. Isso não é formação. Por outro lado, a Ordem fechou-se um bocadinho no processo formativo, que tem que ser alargado a todas as entidades que fazem formação neste país, temos de tentar cooperar com todas elas. Sendo que a Ordem tem de desenvolver os seus programas de formação e disponibilizar aos profissionais aquilo que acha que deve ser feito, noutro formato, oferecendo outras possibilidades, mas alargar essa cooperação a todas as entidades que já estão no mercado e fazem formação.
Parcerias?
A Ordem deve ser regulador. Não deve ter o exclusivo da formação que foi uma batalha jurídica que a Ordem perdeu.
E teria vantagens em fazer parcerias com entidades que não são especializadas em contabilidade?
Desde que sejam entidades acreditadas pela DGERT [Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho], que os programas sejam adequados ao que concebemos como as competências para o exercício da profissão, não estou a ver porque é que essas formações não contam.
Os conteúdos respondem às duvidas dos contabilistas? O que proporia?
Novos programas, diferentes formadores, mais direcionado para a prática, para a orientação, menos peso da AT a fazer formação, mais formação dentro da profissão, de profissionais para profissionais.
Como é que se compreende que em certas entidades, como a banca, haja tantas auditorias que acabam por não revelar problemas que só são descobertos mais tarde? Qual o papel dos contabilistas aqui?
Isso encerra o problema de base de há pouco: os contabilistas são trabalhadores dependentes e têm alguma limitação quanto à sua capacidade de inverter seja o que for naquilo que é o relato financeiro, seja para mercados, investidores fora do mercado ou qualquer interveniente. Penso que há um papel muito importante a desempenhar pelo setor financeiro, em ajudar a melhorar o papel e a transparência da contabilidade e o papel dos contabilistas, que é valorizarem mais o bom trabalho que é feito pelas empresas que apresentam demonstrações com maior qualidade. O nosso maior aliado quanto à qualidade da profissão e a sua independência são as entidades, que são os beneficiários da informação, reconhecerem a qualidade e exigirem. Se os bancos, a CMVM, as entidades financiadoras exigirem maior qualidade na informação, isso vai ajudar-nos a prestar melhor trabalho.
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“Contabilistas do PSI-20 não se sentem representados na Ordem”
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