Ao ECO, Leitão diz que o adiamento da descentralização das "áreas mais pesadas" foi a escolha certa. E reconhece que, nas demais competências, o processo está ser mais lento do que o Governo gostaria.
Ainda que “não avance a galope”, a descentralização de competências está dar “passos certeiros”. Quem o diz é a ministra da Modernização do Estado e da Administração que, em entrevista ao ECO, reconhece que a pandemia veio dificultar esse processo, imponho-lhe, de modo geral, um “ritmo mais lento” do que o que o Governo gostaria.
Alexandra Leitão assegura, no entanto, que “não está nos planos” fazer qualquer adiamento das transferências. E suspender a obrigatoriedade de descentralizar este ano, tal como apelou o presidente da Câmara do Porto, “nunca estaria em cima da mesa”, frisa a ministra.
Sobre o suplemento de penosidade e insalubridade criado pelo Orçamento do Estado, a ministra sublinha que cabe agora às autarquias operacionalizá-lo, o que deverá acontecer “muito, muito facilmente”.
Esta é a uma de quatro partes da entrevista de Alexandra Leitão ao ECO. Nas demais, a ministra fala nomeadamente sobre as atualizações salariais no Estado, o sistema de avaliação dos funcionários públicos, as presidenciais, as pré-reformas na Administração Pública, a ADSE e a vacinação contra a Covid-19 das mais “altas figuras do Estado”.
No Orçamento do Estado para 2021, ficou previsto o lançamento do suplemento de penosidade e insalubridade. A FESAP diz que muitos municípios já mostraram abertura para avançar com este processo. Que expectativas tem o Governo sobre esta matéria?
A leitura que o Governo faz do artigo da lei do Orçamento sobre esta matéria é que ele é imediatamente operativo. Não é um artigo que careça de regulamentação. Tem os valores e também uma delimitação razoavelmente densificada daquilo que são as situações às quais se aplica esse suplemento. Portanto, a nossa perspetiva é que não é preciso regulamentar, é preciso operacionalizar esse suplemento. Temos já pronta uma circular da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público para a Administração Central, direta e indireta, e vamos articular com a Direção-Geral das Autarquias Locais para dar também essas indicações para as autarquias. Sem prejuízo do que seja a posição das autarquias, essa operacionalização poder-se-á fazer muito, muito facilmente e pensamos ter as circulares prontas até ao fim deste mês.
Não deviam ser estabelecidos critérios para que o trabalho, autarquia a autarquia, seguisse um padrão nacional?
Se me permite, não vejo as coisas assim. A norma é bastante clara quanto às áreas abrangidas. São áreas que encontramos em todas as câmaras. Portanto, há ali algo que é suficiente para operacionalizar. Depois, por convenção coletiva na autarquia, se houver outra solução, desde que não seja menos do que a lei, isso é outra coisa. Agora, aquela base está suficientemente clara, exatamente para criar essa uniformização, o que não impede naturalmente cada autarquia de fazer outra negociação.
Em 2020, foram aprovados prémios para os profissionais de saúde que estiveram na linha da frente do combate à pandemia. Admite uma repetição desses prémios em 2021?
A informação que temos é que esses prémios já foram ou estão a ser pagos. Abrangem cerca de 25% dos profissionais de saúde que estão na linha da frente. Na lei do Orçamento [para 2021], o que nós temos é um suplemento de risco relacionado com a Covid-19, para profissionais de saúde, mas não só, e que em seu momento precisará de ser regulamentado.
Na descentralização, as coisas estão a avançar a um ritmo que não será a galope, mas que me parecem passos certeiros.
Falemos de descentralização. Como é que está a correr esse processo? Janeiro de 2021 é um momento importante para esse processo.
Estou, aliás, agora a fazer reuniões com as várias CIM [Comunidades Intermunicipais]. Fiz em janeiro do ano passado e agora estou a repetir esse roteiro. Naturalmente que a pandemia tornou-se um assunto importante, a par com a descentralização, e tem ocupado muitíssimo o tempo dos nossos autarcas. Acho que a decisão pré-pandemia que tomámos de prorrogar o prazo de obrigatoriedade naquelas três áreas mais pesadas, digamos assim, — educação, saúde e ação social — foi correta.
As outras áreas estão a avançar também mais lentamente do que gostaríamos, porque tudo sofre os atrasos decorrentes das prioridades enormes que entretanto surgiram, muito também do lado das autarquias, mas temos avançado. Foi publicado o despacho com a listagem de imóveis para o decreto-lei dos imóveis, temos feito protocolos para transferir lojas de cidadão nuns casos, foram assinados alguns autos de transferência na área da saúde. Portanto, as coisas estão a avançar a um ritmo que não será a galope, mas que me parecem passos certeiros.
Na semana passada, Rui Moreira instou vários municípios a apelarem ao Governo no sentido da suspensão da obrigatoriedade de descentralizar até 2021, considerando que o calendário atual é, talvez, impossível. Concorda?
Em janeiro do ano passado também estive com a Área Metropolitana do Porto e foi na sequência de ouvir as várias comunidades intermunicipais e as duas áreas metropolitanas que a decisão de prorrogar a obrigatoriedade da educação e da saúde foi tomada. Relativamente à ação social, o diploma até só foi aprovado ao longo de 2020 e, portanto, à data em que fizemos estas reuniões, ainda nem sequer o decreto-lei estava aprovado e parecia-nos evidente que tinha de sofrer uma dilação. Portanto, esta prorrogação já surgiu na sequência dessas auscultações.
É verdade que dois meses depois deste roteiro, ocorrido em janeiro do ano passado, rebentou a situação de pandemia que, obviamente, dificultou [o processo]. Vamos ver como corre este ano, mas neste momento não está nos nossos planos prorrogar novamente. Suspender nunca. Estaria em causa, eventualmente, fazer aqui mais alguma dilação em função da situação pandémica. Mas, neste momento, não pensamos isso.
A Administração Pública tem um protagonismo considerável no Plano de Recuperação e Resiliência. Porque é que que criar, por exemplo, um portal único de serviços públicos é importante para o futuro do país?
Melhorar o atendimento nos serviços públicos é muito importante para o futuro do país. Melhorar o interface entre os cidadãos, as empresas e a Administração Pública, encontrando tudo num único sítio, numa espécie de loja do cidadão virtual, em que não haja, por exemplo, assimetrias entre diferentes serviços — em que com uns é fácil contactar online e com outros é difícil –, e criar um standard mínimo e homogéneo de resposta ao cidadão, esse é o grande objetivo. Esse é um dos projetos. Há projetos, até com mais dinheiro, para melhoria de soluções digitais na área da Saúde, Justiça, Segurança Social e até das Finanças. Portanto, a nossa ideia é melhorar essa interação.
Com a pandemia tivemos um momento em que de repente foi preciso que isto se acelerasse tudo. Acho que se respondeu bem. Agora haverá sempre necessidade do presencial. As lojas do cidadão fizeram três milhões de atendimentos presenciais em 2020, apesar do contexto, porque, de facto, há casos em que continua a ser necessário o presencial e há outros em que não é necessário mas, em funções das necessidades e da literacia digital do utente, acaba por ter de ser feito presencialmente. E para isso [é importante] também o alargamento enorme das redes do espaço cidadão, exatamente para fazer essa utilização apoiada do digital.
Mas já agora que falamos do PRR, não queria deixar de salientar um outro projeto não menos importante desta área governativa que é o da capacitação e formação da Administração Pública, pacote no qual está também a reforma do Instituto Nacional de Administração, que será, espero eu, o motor desse programa de capacitação, também digital.
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Descentralização está a “avançar mais lentamente do que gostaríamos”, diz Alexandra Leitão
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