“Empresários têm de recorrer mais a pessoas qualificadas para a gestão”, diz líder da AEP

Líder da AEP admite que é preciso melhorar qualidade da gestão e incentivar “ganhos de escala” nas empresas. Teme impacto “significativo” nos juros e quer Banco de Fomento mais ativo na capitalização.

“Precisamos de melhorar a qualidade na gestão e os nossos empresários têm de recorrer cada vez mais a pessoas qualificadas para a gestão”, reconhece Luís Miguel Ribeiro. Em entrevista ao ECO, o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) refere que gostaria de ver as empresas portuguesas mais abertas a processos de fusão e de incorporação que lhes permitam igualmente ter “ganhos de escala para poderem ter outro tipo de gestão e de competitividade no mercado”.

No setor industrial, que é um dos destaques no Congresso Portugal Empresarial que a AEP promove esta sexta-feira na Exponor (Matosinhos) e que o dirigente associativo diz ser o que mais pode criar riqueza e empregos no país, aponta à melhoria das qualificações dos trabalhadores. A flexibilização da legislação laboral, a subida das taxas de juro e o reforço da capitalização das empresas – com a participação mais “ativa” do Banco Português de Fomento –, são outras preocupações na lista dos empresários nortenhos.

Qual a dimensão do impacto que a subida das taxas de juro terá nas empresas portuguesas?

Vai ser significativo. Temos empresas bastante endividadas e que vão ter um impacto significativo com o aumento do custo do dinheiro. Ainda mais numa situação como a atual em que está a ser exigido um esforço adicional de tesouraria e de liquidez às empresas. Por isso, esperamos que o Banco Português de Fomento (BPF), de uma vez por todas, atue de forma ativa naquilo para que foi criado: criar melhores condições para que a relação se faça de uma forma mais confortável para a banca e menos penalizadora para as empresas.

Ou seja, as empresas possam aceder a recursos financeiros a um custo mais baixo e que a banca tenha menos risco e, por isso, possa baixar o custo do dinheiro. É importante que tenhamos o BPF, as sociedades de garantia mútua, mais capital de risco e business angels para os setores tecnológico e para os empreendedores. É importante que tenhamos acesso a um mercado financeiro mais evoluído porque em Portugal é quase só exclusivamente a banca.

E é importante, por outro lado, que as empresas vão alterando a sua estrutura e se vão capitalizando mais, para terem menos financiamento e mais capitalização. Esse é um trabalho em que o BPF deve estar bastante mais envolvido, ativo e interventivo.

Esperaria que, nesta fase, o nível de endividamento das empresas nacionais já fosse menor?

Todos desejamos que as empresas apostem mais na sua capitalização do que no financiamento. A questão é que estamos a sair de um período de pandemia, que foi muito exigente para as empresas – e que levou a que também tivessem de recorrer a financiamento. Já estruturalmente, as empresas tinham esta debilidade, com a pandemia a situação não melhorou. E agora com este esforço acrescido, as empresas também têm poucas condições para neste momento fazerem essa alteração estrutural, que esperamos que venha a ser feita no futuro. Mas não é o momento para isso acontecer.

Temos empresas bastante endividadas e que vão ter um impacto significativo com o aumento do custo do dinheiro. Ainda mais numa situação como a atual em que está a ser exigido um esforço adicional de tesouraria e de liquidez às empresas.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP)

 

Tem falado muito no tema da legislação laboral. O que seria mais relevante alterar?

Deve ser revista. É uma limitação para o investimento em Portugal. Nos rankings internacionais, além da morosidade da justiça e da burocracia, surge sempre a legislação laboral. Temos uma legislação laboral muito rígida e isso reflete-se no desemprego jovem, que é o que tem a maior taxa. Porque há uma proteção em termos daquilo que é a garantia das pessoas continuarem a ter o emprego, quando devíamos ser mais flexíveis.

Atuando sobre que elementos, que dariam essa flexibilidade?

Temos momentos em que as empresas têm de se reinventar, ter um novo foco e reestruturar por causa de desafios como a transição digital e energética, ou o que a pandemia trouxe ao nível do e-commerce, por exemplo. Muitas vezes o perfil dos recursos que estão nas empresas não são os mais adequados e precisavam de rapidamente poderem contratar outro tipo de pessoas. Mas a lei é muito rígida e implica um esforço muito grande – e até por vezes impede – que possa ir buscar um recurso humano mais adequado para determinada área, com outro perfil e competências para a função. A legislação laboral é muito restritiva nesse aspeto.

A melhor forma de defender o trabalho é criar condições para as pessoas terem melhores remunerações, e não as fixar e dizer que devem estar ali porque sim. Se a empresa precisa e se a pessoa se adequa àquela função, naturalmente que deve estar e ser bem remunerada; se não precisa, devia ter possibilidade de poder fazer esta adequação de uma forma mais ágil e contratar pessoas com outro perfil. Porque se tudo muda no mercado, porque é que as empresas não podem mudar a sua estrutura de recursos humanos para se adequarem melhor a esses desafios?

Luis Miguel Ribeiro, presidente da AEP, em entrevista ao ECO - 13SET22
Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEPRicardo Castelo/ECO

Falou da competência dos trabalhadores. E como avalia a qualidade da gestão nas empresas portuguesas?

Assumimos isso. Os gestores das empresas também precisam de fazer formação, requalificação, de se adequar também àquilo que são as exigências e desafios de gerir uma empresa hoje. Muitas vezes confundimos é os gestores com os empresários. Os empresários são os donos do capital, os acionistas; e depois temos os gestores. Devemos ter esta noção da separação entre o empresário dono da empresa, e os gestores nas empresas. Precisamos de melhorar a qualidade na gestão e os nossos empresários têm de recorrer cada vez mais a pessoas qualificadas para a gestão.

Profissionalizar a gestão?

Sim. Claro que há empresas em que, pela sua dimensão, o empresário assume muitas vezes todas as funções. Mas os empresários também têm cada vez mais noção disso e vão fazendo ações de formação e de capacitação porque sentem que precisam de ter mais competências para os desafios que têm pela frente. Porque se há alguém que quer estar bem preparado para o que hoje o mercado nos desafia, são os empresários.

Se não estiverem bem preparados, são eles os primeiros a sofrer as consequências. Têm consciência do que é hoje a complexidade da gestão de uma empresa. Há aqueles que vão adquirindo, eles próprios, essas competências; e outros que vão adquiri-las por contratação de gestores. Depende da opção e também da dimensão das empresas.

Esse é outro problema que o país tem.

Sim. Precisamos de estímulos para ter ganhos de escala nas empresas. Temos um tecido empresarial muito micro. E com a globalização, com a forma como hoje é necessário estar no mercado – e mesmo para a contratação de recursos humanos –, precisamos de ter ganhos de escala para poder ter outro tipo de gestão e de competitividade no mercado.

Que estímulos poderiam ser esses?

Podem ser fiscais para processos de fusão e de incorporação, para processos de cooperação entre empresas e criação de grupos ou outros modelos. Mas que isto permita que as empresas percebam que este ganho de escala não lhes traz prejuízo nem problemas. Pelo contrário, traz vantagens. Temos de assumir esse desafio do ganho de escala. Coisa que, aliás, o anterior ministro da Economia tinha muito presente no seu discurso.

Essa dimensão e uma melhor capacidade de gestão podem também ajudar a tornar as empresas portuguesas mais inovadoras?

Também. Mas também pela relação das empresas com as universidades e com os centros tecnológicos. Temos indicadores que demonstram que a produção de conhecimento em Portugal está a um nível muito interessante, até acima da média europeia. Mas depois a criação de valor acrescentado com esse conhecimento está muito abaixo. É preciso que esta relação entre os que produzem conhecimento e as empresas seja muito mais próxima para que os processos de inovação aconteçam e isso traga ganhos de competitividade às empresas.

Temos um tecido empresarial muito micro e com a globalização, com a forma como hoje é necessário estar no mercado – e mesmo para a contratação de recursos humanos -, precisamos de ter ganhos de escala para poder ter outro tipo de gestão e de competitividade.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP)

A AEP tem insistido muito no tema da reindustrialização. Que passos são necessários para que haja um impulso forte neste tema?

A reindustrialização tem um conjunto de variáveis que é preciso acautelar. Desde logo, assumirmos que, de facto, temos um ADN industrial, sobretudo no Norte do país, que nos fez sair da última grande crise e sermos hoje um país com um índice de exportação bastante interessante, embora ainda muito aquém do que precisamos. É esta indústria que cria riqueza, é a indústria que mais emprego cria – cada posto de trabalho na indústria induz a criação de três postos associados na área dos serviços. E temos esta tradição em determinados setores.

Precisamos de apostar no aumento das qualificações dos trabalhadores da indústria. Na indústria transformadora temos cerca de 50% das pessoas ainda com o ensino básico como habilitação máxima. A requalificação das pessoas que trabalham na indústria é, desde logo, um dos primeiros grandes desafios. Depois há a questão da capacitação da gestão, do financiamento à indústria, da aposta no design e da preocupação das empresas com a imagem do que produzem. Não chega só produzir produtos de qualidade, é preciso ter produtos com imagem que seja um fator diferenciador.

A pandemia mostrou bem as debilidades da escassa capacidade industrial, a nível europeu.

Demonstrou que temos de valorizar a indústria para ficarmos menos dependentes das cadeiras de fornecimento de outros continentes. E tendo nós esta tradição num conjunto e setores e uma marca que se vai afirmando a nível mundial – Portugal é hoje uma marca reconhecida em todo o mundo e que acrescenta valor –, temos de aproveitar isso. Aumentar a capacidade produtiva com produtos de maior valor, com a marca Portugal e criar riqueza. Porque se há setor que cria riqueza é a indústria. Precisamos mesmo de apostar nela, desde o setor agroindústria aos mais tecnológicos. Não esquecendo os setores tradicionais, que nos fizeram recuperar da última crise e que são dos que mais têm contribuído para o aumento das exportações.

Portugal nunca vai ser um país competitivo pelos preços e pela produção de grande dimensão. Tem de ser pela qualidade, pela diferenciação, pela marca e pelo que ela representa – direitos sociais, responsabilidade social e ambiental. Algo que outros países não têm. E isso deve ser valorizado também no preço final do produto.

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