“Fechou-se a janela de oportunidade para crises políticas”, diz Campos Fernandes

O antigo ministro da Saúde defende o OE será aprovado sem grandes dificuldades, numa altura em que a agenda é maioritariamente imposta pelo Governo.

Já arrancam as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.

Os partidos envolvidos nas negociações para o OE já têm começado a apresentar propostas e objetivos para o documento, apesar de enfrentarem uma certa falta de “pressa” por parte do Governo, como já sinalizou o Bloco. Adalberto Campos Fernandes aponta que os partidos têm pouca “margem de manobra” para impor a agenda, numa altura em que o “peso político relativo e de influência” destes “têm vindo a ser reduzido”.

O antigo ministro da Saúde sublinha que já se fechou a janela para crises políticas, pelo que o Governo não deverá ter muitas dificuldades no processo do OE. Para além disso, o antecessor de Marta Temido não antevê que as autárquicas tenham impacto na elaboração do Orçamento, sendo que o maior “risco” nestas eleições será para a direita e o seu papel no “jogo das alternativas”.

As negociações para o OE já arrancaram. Poderão ser facilitadas pela existência do PRR?

Há um aspeto que extravasa muito o plano económico. Temos visto uma tendência, que se começa a acentuar, que o peso político relativo e de influência dos partidos que têm suportado o Governo, nomeadamente BE e PCP, tem vindo a ser reduzido. Tenho ideia de que a própria pandemia contribuiu para recentrar no PS e no Governo a confiança maior por parte dos cidadãos, em detrimento de uma dispersão de votos que poderia existir em contexto mais estabilizado.

Isto é nítido não só nas eleições que têm vindo a ocorrer mas também nos indicadores que as sondagens mostram. Isto reforça as condições do governo e do partido do governo, o PS, para lideraram as negociações.

Fechou-se em absoluto, até ao final desta legislatura, qualquer janela de oportunidade para crises políticas. Assim, os partidos envolvidos na negociação têm muito pouca margem de manobra para impor uma agenda que não seja dominada pelo próprio Governo.

Não há condições políticas para forçar uma crise, se isso é bom ou mau serão os cidadãos a avaliar e definir.

No ano passado o BE votou contra o OE. Poderá repetir-se posição, mesmo com essa margem de manobra reduzida?

Seguramente. Não é preciso ser cientista político para compreender que a margem manobra política dos dois partidos está muito condicionada. Há uns anos falava-se a propósito da política francesa e do que aconteceu ao partido comunista francês, do abraço do urso. Não quero ir tão longe, mas o crescimento eleitoral do PS e as intenções de voto expressas nas sondagens indiciam claramente uma conquista do eleitorado que não lhe era sequer tradicionalmente afeto.

Não há condições políticas para forçar uma crise, se isso é bom ou mau serão os cidadãos a avaliar e definir. O que me parece é que para o país é melhor ser PS e governo a tomar liderança neste processo, porque o futuro do país é demasiado complexo para agendas que sejam muito restritivas, que tenham visão do modelo de desenvolvimento da economia que não é o europeu, alinhado com desenvolvimento económico que fará país crescer acima de 2% ou 3%.

As eleições foram marcadas para 26 de setembro. As autárquicas terão impacto no meio do processo?

Não me parece, teria que acontecer algo que ao dia de hoje não se vislumbra, parecido com um terramoto político inesperado. O que antevemos é uma vitória tranquila do PS, que poderá perder eventualmente uma ou outra câmara com algum simbolismo.

Com o PCP, que é o único com expressão autárquica, uma vez que BE não existe desse ponto de vista, também haverá história de satisfação para contar. Acredito que PCP poderá recuperar uma, duas ou três câmaras e com isso dar nota de satisfação política.

O problema maior do ponto de vista das autárquicas não será para o Governo nem PS, será para o centro direita e direita em Portugal, que corre o risco de ter um resultado que comprometerá em definitivo a sua credibilidade política do ponto de vista do jogo das alternativas.

A direita voltará a não fazer parte das negociações do OE?

A direita em Portugal auto excluiu-se do processo politico, não é de agora, não é só com liderança de Rui Rio. Tem antecedentes, na primeira fase da atual maioria política, houve objetivo politico errado que foi a ideia de que o “diabo” chegaria e com isso o exercício político no Parlamento poderia ruir. Caído esse mito, a direita fechou-se num beco do qual não consegue sair.

A liderança atual do PSD está claramente a contribuir para a erosão em passo acelerado de um partido que era central da democracia e que durante muitos anos teve responsabilidades governativas.

Mais do que mérito do Governo ou oposição à esquerda, a direita, e sobretudo o PSD, tem optado por um caminho de desistência e de abandono do terreno político, parecendo até às vezes que fazer oposição ao Governo é uma espécie de enfado. A sensação com que se fica é que o atual líder do PSD se enfada com a circunstância de ter que fazer prova de ideias alternativas, isto não é bom para democracia porque os governos são sempre melhores quando estão sobre a pressão de alternativas com as quais se tem de confrontar e lutar.

Neste momento, o Governo PS governa praticamente sem nenhum tipo de contrapeso ou contraponto digno de registo à sua direita.

Há um jogo de esticar a corda até onde é possível mas depois enrolá-la novamente perante alguma ameaça mais séria à estabilidade orçamental.

Apesar de não participarem ativamente nas negociações, as coligações negativas com outros partidos têm vindo a ocorrer nos OE. Serão preocupação este ano?

Não, o Governo tem acionado o Tribunal Constitucional e remetido para lá matérias que considera serem uma intervenção nas competências do Governo. Há um jogo de esticar a corda até onde é possível mas depois enrolá-la novamente perante alguma ameaça mais séria à estabilidade orçamental.

Vamos assistir a isso, faz parte da retórica política, mesmo os partidos que apoiam o OE farão discursos de grande indignação sobre um aspeto, manifestações sobre outro, mas teremos este OE aprovado naturalmente, como teremos também no final de 2022.

Apesar de tudo, preocupa-me mais a direita tradicional democrática, o confinamento do descontentamento inorgânico e pouco seletivo no partido de sistema direita emergente e está a ser dada pouca atenção a esse fenómeno. Às vezes os governos no poder ficam satisfeitos pela divisão da oposição, mas a democracia corre alguns riscos com a qualidade do debate político. A fragmentação à direita pode ser boa para a conservação do poder à esquerda, mas é péssima para o futuro da democracia e sua qualidade no médio prazo. É um aspeto que nas autárquicas vale a pena ter em atenção.

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