“Guerra de preços é destrutiva para os bancos”

Vítor Viana Lopes, partner da Deloitte, acredita que os bancos vão aumentar intensidade concorrencial para captarem mais clientes, mas não pela via de uma "guerra de preços", pois seria "destrutivo".

Os bancos portugueses vão aumentar a “intensidade concorrencial” nos próximos anos para conquistarem mais clientes e quota de mercado, mas não o farão através de uma “guerra de preços”, porque isso seria “destrutivo de capital”, admite Vítor Viana Lopes, partner e líder da área bancária da consultora Deloitte.

Ao invés, explica em entrevista ao ECO, vão investir para “chegar mais rápido ao cliente, com o melhor produto e com o melhor serviço e assim ganhar mercado à concorrência”. Mas no final do dia os bancos vão ter sempre um mercado limitado em Portugal, pelo que fazer crescer o negócio também vai depender da escala que ambicionam ter fora de portas.

Desconhece o conceito de “lucros excessivos” — depois de um ano em que os principais bancos tiveram lucros recorde de cinco mil milhões de euros — e frisa que o setor tem de ser rentável para não estarmos sempre a discutir “crises e resgates”.

Os bancos apresentaram resultados recorde acima dos 5 mil milhões no ano passado. São lucros excessivos?

Não acho de todo que sejam excessivos. Nem sei o que é que são lucros excessivos, por definição. O mercado bancário esteve sob elevada pressão por ser pouco rentável. Aliás, as cotações, do ponto de vista internacional, estiveram abaixo do valor contabilístico, o que quer dizer que o mercado achou o setor pouco interessante. No caso português, tivemos um crescimento de rentabilidade muito interessante, mas se colocarmos as coisas em perspetiva, os lucros dos bancos portugueses subiram 13% e os lucros dos bancos espanhóis subiram 22%. Nós atingimos 5 mil milhões, a banca espanhola atingiu 32 mil milhões.

Temos de olhar para a questão da rentabilidade. Temos bancos em Portugal com ROE de 20%…

Ainda assim, um dos bancos participantes que fez uma ilustração interessante sobre o seu ponto de vista: posso ter tido um ROE à volta dos 20%, mas se olharmos desde 2011 até hoje, o ROE médio anual é 1,1%. Portanto, a banca tem de ser rentável para gerar capital, para proteger os depositantes e para conseguir ter uma tendência de inovação que a permita manter competitiva. De outra forma estaremos sempre a discutir crises e resgates, que acho que não interessa.

A banca tem de ser rentável para gerar capital, para proteger os depositantes e para conseguir ter uma tendência de inovação que a permita manter competitiva. De outra forma estaremos sempre a discutir crises e resgates, que acho que não interessa.

Vítor Viana Lopes

Partner da Deloitte

Como é que vai ser de agora em diante: estamos perante um novo normal, como dizia a agência DBRS, ou vamos ter agora uma redução deste nível de resultados?

Acho que estamos num novo normal, se considerarmos que a banca portuguesa fez um trabalho de casa muito sério, longo, de colocar todos os seus fundamentos de negócio muito bem alinhados e aliados. Temos políticas de preço e capacidade de fazer preço que cobre muito bem o risco ou que quantifica o risco muito bem e que não faz loucuras do ponto de vista competitivo. Temos máquinas comerciais muito ajustadas e agressivas para a intensidade de concorrência de mercado. Temos uma lógica de fazer preço por serviços e de modelo de serviços muito importante. E temos uma indústria muito eficiente. A indústria portuguesa do setor bancário é das mais eficientes da Europa. Só a Lituânia está à frente, mas é um contexto absolutamente diferente. Temos um cost-to-income de 30% quando comparamos com a média europeia de 50%. Acho que eventualmente este foi um pico. Obviamente, a descida das taxas tem o seu impacto na margem financeira.

Vamos assistir a uma compressão da margem este ano e nos próximos tendo em conta o novo ciclo da política monetária?

Do ponto de vista nominal, é incontornável. Os bancos têm feito cobertura de taxa de juro e têm tentado imunizar o máximo possível o seu balanço, mas isso tem duração de um ano, dois anos. Portanto, isso é incontornável. Resta, obviamente, o crescimento do balanço e isso já remete outras conversas: um, para o crescimento economia portuguesa; dois, para a escala que os bancos possam ter.

Em 2024, tivemos outro fator que deu algum suporte aos resultados, também fruto de um enquadramento económico melhor do que o esperado para os bancos. Eles conseguiram libertar provisões de reverter imparidades. Essa margem agora esgotou-se um bocado?

O importante é que a banca portuguesa tem conseguido trabalhar nos últimos anos com um custo de risco, dependendo do perfil dos bancos, que anda entre 50 pontos base, 40 pontos base, 20 pontos base. Enquanto conseguir gerir este perfil de risco, temos o que se considera importante: as provisões não são uma variável que interfere substancialmente no resultado. São uma variável necessária, mas que é gerida a longo prazo para a sustentabilidade do negócio.

Do lado dos custos, como referiu, o setor está a operar num nível de eficiência muito bom. Há margem para melhorar neste aspeto? Ou também aqui o caminho que fizeram na última década já foi feito?

De facto, temos um nível de eficiência histórico, mas é verdade que os proveitos ajudaram desse ponto de vista. Se olharmos para as contas dos bancos, tirando uma exceção, houve um aumento nominal de gastos e um aumento de custos com pessoal relevante por efeito de inflação, de preços e, obviamente, por efeitos de política de remuneração e de atratividade de capital humano. Portanto, os bancos este ano gastaram mais dinheiro. Apesar de tudo, são muito mais eficientes que o setor bancário do ponto de vista europeu.

O que foi feito até agora — e foi muita coisa feita — não está terminado, mas os ganhos seguintes podem ser marginais. Em todo o caso, o paradigma tecnológico está a mudar radicalmente. A introdução da inteligência artificial é, obviamente, a variável que toda a gente discute. Até agora não deu resultados substanciais…

Vítor Viana Lopes, líder para o Setor Bancário das Linhas de Negócio da Deloitte Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Quando é que podemos ver a inteligência artificial realmente impactar o negócio bancário?

Já está se a usar com resultados que são de laboratório, resultados interessantes quando olhamos para o microprocesso. Temos coisas muito interessantes de processos particulares com eficiência de 80%. A questão é como é que se escala este processo para dezenas, centenas casos e ter coisas significativas do ponto de vista da atividade.

Os próximos anos, sobretudo se se democratizar a utilização de agentes nos processos, a utilização de Gen AI [inteligência artificial generativa] que, de alguma forma, mimetiza alguns tipos de tarefas que seres humanos fazem dentro do ecossistema de processos do banco, acho que podemos ter coisas muito interessantes. Vamos começar substancialmente por tecnologia em tudo o que são áreas de backoffice. No que toca a trazer a inteligência artificial para a relação com os clientes, ainda estamos longe disso porque todo o modelo de serviço, todo o modelo de confiança, toda a forma como interage… se olharmos para o longo prazo irá acontecer, mas no médio prazo não será absolutamente visível.

Como vê o nível de implementação de IA dentro dos bancos em Portugal e fazendo essa comparação em relação aos bancos internacionais?

A banca portuguesa está muito sólida do ponto de vista da implementação da inteligência artificial. A inteligência artificial generativa foi uma novidade para todos, toda a gente teve de estudar. A banca portuguesa, como os outros, começou imediatamente a investir em ambientes muito controlados, o que se chamam de casos de uso. Não acho de todo que esteja abaixo, mas também não está numa distância significativa face à restante banca europeia do ponto de vista da utilização desta tecnologia para modernizar os seus processos. Acho que está a par.

Será uma diferença maior em relação aos bancos americanos ou chineses?

Não vejo. Sendo certo que o ecossistema americano – e cuidado que nos próximos anos isto pode ser uma novidade aqui — é muito mais livre do ponto de vista da adoção de nova tecnologia. Vivemos no mundo europeu com o ambiente regulatório, mal ou bem, diferente do ambiente americano. O que quer dizer que os players americanos podem ter uma adoção tecnológica mais rápida. Neste momento, na questão do Gen AI, está toda a gente a investir, mas isso são curvas exponenciais. Pode haver diferenciais de competitividade a observar-se.

Os principais bancos já apresentaram os planos estratégicos para os próximos anos. Em suma, querem aumentar os volumes para mitigar a contração que deverão observar na margem financeira. Todos querem conquistar quota. Vamos ter uma guerra no mercado português ao nível dos preços que praticam. E depois, que impacto é que poderá ter na operação e nos resultados dos bancos?

Eu acho que não e espero que não [entrem numa guerra de preços]. Por duas razões. Porque que temos gestores no setor bancário que são altamente profissionais, experientes e do melhor que há na Europa. Depois, uma guerra de preço é destrutiva. O que vai acontecer é que vamos ter muito mais intensidade concorrencial.

Mas em que sentido?

No sentido em que eu vou investir para conhecer melhor o cliente, para chegar mais rápido ao cliente, para dar o melhor produto ao cliente e não desconhecer o cliente e baixar preços. O investimento é todo feito para eu chegar mais rápido, com o melhor produto e com o melhor serviço e assim ganhar mercado ao meu concorrente. A destruição de preço é a destruição de capital e é um sistema frágil.

Já vi muitos bancos perderem quota porque o preço não é sustentável e a abdicar de determinado segmento. A iniciativa de gestão vai para outro lado, de muito mais intensidade concorrencial, mas não via preço. Mas há uma assímptota aqui, há um limite. O mercado português é o mercado português, no final do dia é um jogo de soma nula, naturalmente. E eu acho que isso é uma questão em aberto muito importante para a gestão bancária em Portugal.

Espero que não [entrem numa guerra de preços]. Por duas razões. Porque que temos gestores no setor bancário que são altamente profissionais, experientes e do melhor que há na Europa. Depois, uma guerra de preço é destrutiva. O que vai acontecer é que vamos ter muito mais intensidade concorrencial.

Vítor Viana Lopes

Partner da Deloitte

Recentemente o governador do Banco de Portugal disse que não compreende como é que há uma diferença tão significativa entre os juros que os bancos pagam aos depositantes e os juros que depois conseguem receber junto do banco central nos fundos que depositam lá diariamente. Era uma crítica justa?

Não vou comentar, obviamente, senhor governador.

Sente que o seu depósito no banco está a ser bem remunerado ou poderia ser mais bem remunerado?

Não é a primeira vez que o senhor governador, e também outros representantes do BCE, mostram frustração sobre o facto de política monetária que foi decidida não estar a ser transmitida de forma suficientemente rápida na economia real, obviamente através de todos os agentes financeiros que existem no mercado.

Um banco central quanto define uma política monetária gostava que isso chegasse rapidamente à economia. Desse ponto de vista consigo enquadrar. Do outro lado, temos um mercado absolutamente livre e concorrencial. Temos um setor bancário com um rácio transformação de na ordem de 75%. Quer dizer que há muita liquidez no setor bancário que infelizmente não consegue converter em crédito. Não consegue converter em crédito porque não quer. Não consegue converter em crédito porque não há projetos viáveis suficientes para esta liquidez que existe. Portanto, acho que essa consideração pode se por numa tónica mais ampla, se quisermos, sobre a diversidade de instrumentos financeiros que existem, sobre a profundidade do mercado de capitais, sobre a literacia financeira…

Mário Centeno também abriu mais a questão e colocou nestes termos: há uma responsabilidade social que os bancos têm a desempenhar e que não estarão a cumprir?

Não unicamente os bancos e os bancos estão em livre concorrência.

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