Pedro Gouveia Alves nota uma mudança no mercado automóvel. Elétricos e eletrificados estão a crescer, numa tendência que se vai acentuar. É uma oportunidade de crescimento para o Montepio Crédito.
Em março de 2020, o país fechou. Um vírus levou todos para casa, fechou portas aos negócios e provocou uma hecatombe na economia portuguesa, do qual está ainda a recuperar. O setor automóvel foi dos mais castigados pela pandemia, mas também foi rápida a recuperação das vendas, tanto de novos como de usados.
“Os particulares deixaram de querer usar transportes públicos e procuraram alternativas”, recorrendo ao mercado de usados, adquirindo veículos de baixo valor com recurso a financiamento, conta Pedro Gouveia Alves. Depois veio a recuperação das vendas dos novos, estando agora a assistir-se a um crescente apetite por parte das empresas, que precisam de renovar as frotas.
Ao contrário do que acontecia no passado, a escolha já não é: gasolina ou gasóleo. Há alternativas, que são atrativas. “Se contabilizarmos os elétricos e os eletrificados, tanto híbridos plug-in mais os convencionais, somando tudo, estamos a falar de uma quota de venda de automóveis novos que ultrapassou, no primeiro trimestre, a das vendas de veículos a gasolina“, refere o presidente do Montepio Crédito, em entrevista ao ECO. Foi a primeira vez que tal aconteceu, mas não vai ser a última.
A tendência será, daqui em diante, que os veículos tenham algum tipo de eletrificação, logo sejam mais amigos do ambiente. E “partindo do pressuposto de que há estabilidade na fiscalidade, a atração para a mudança tecnológica nas frotas é grande”, diz o responsável do Montepio Crédito que, quase todos os dias, ajuda as empresas a fazerem as contas a quanto podem poupar com esta mudança. E o crescimento da procura é tal que até lançou um produto específico para estes veículos, com taxas mais baixas.
O Montepio Crédito lançou agora um produto novo. O que é o Eco Financiamento?
O Montepio Crédito tem vindo a assistir a uma evolução no setor automóvel. Por um lado, provocada pelas próprias políticas ambientais — existe um esforço grande para evoluirmos para as metas de redução das emissões de carbono em 2030 e 2050 –, que tem levado a indústria automóvel a trabalhar nesse sentido. Isso tem-se vindo a repercutir, quer por via orçamental, quer por via fiscal, nos diversos Estados-membros da União Europeia, em benefício da aquisição de viaturas elétricas ou eletrificadas. Neste sentido, havendo uma maior procura por estas viaturas, decidimos desenvolver uma oferta específica tanto para particulares como para empresas. Como houve aumento da procura, considerámos que havia necessidade de criar uma oferta específica. E também houve um incremento de valor destas viaturas o que permitiu que houvesse algum interesse na parte do renting.
O que diferencia este produto?
Tem taxas de juro mais baixas porque tem um risco associado comprovadamente mais baixo.
Porquê?
Porque se trata de viaturas novas. Estamos a falar de viaturas elétricas e essas são novas. Como tal, aportam um risco inferior aos usados. Isso permite uma taxa de juro mais baixa.
Qual o diferencial de juros?
Podemos estar a falar de diferenciais entre 1 a 2 pontos percentuais de taxa de juro [inferior às taxas praticadas no financiamento de automóveis a combustão].
Apesar de serem carros um pouco mais caros…
Têm um preço de venda mais elevado, mas têm um racional económico. A dedução, em sede de IVA, e a tributação autónoma, acaba por compensar. Mas também por via do próprio combustível.
Muitas empresas recorreram a moratórias e, nesse sentido, fizeram um compasso de espera na renovação das suas frotas. Agora voltamos a ter algum dinamismo na renovação de frotas de empresas.
Para as empresas, é interessante?
Tem-se mostrado um negócio interessante. O que as empresas têm feito é: olhando para as suas frotas, ajudamos a fazer as contas àquilo que podem poupar tanto em termos de combustível como em termos de fiscalidade.
E quanto podem poupar?
Estamos a fazer estas contas quase todos os dias. Um exemplo: uma empresa que tinha 17 viaturas, estávamos a falar de uma poupança significativa, a quatro anos, na casa dos quatro mil euros por ano. É significativo para uma empresa com uma frota desta dimensão. A poupança em combustível e com a tributação autónoma, além da dedução do IVA, estes são fatores que mexem o ponteiro quando se faz uma comparação entre a frota atual com uma gestão de frota alternativa.
Mercado de elétricos novos cresceu muito, superando mesmo outros países na Europa. Agora há um abrandar do ritmo?
Tivemos a pandemia. As vendas de automóveis afundaram. O mercado automóvel foi fortemente penalizado. O mercado de usados recuperou rapidamente, o de novos nem por isso. Este ano, foi um pouco diferente: apesar das fortes restrições ao retalho automóvel, acabaram por continuar a existir mais vendas. A máquina estava a funcionar, houve uma reinvenção do negócio do retalho automóvel. Os vendedores passaram a levar as viaturas aos clientes. Houve um compasso de espera, no caso das empresas. Adiaram as renovações de frota.
Para perceber para onde vamos?
Para perceberem para onde vamos, sim. Porque eles próprios, na sua atividade, tiveram muitas incertezas. Sabemos que houve muitas empresas que recorreram a moratórias e, nesse sentido, fizeram um compasso de espera na renovação das suas frotas. Por ordem, diria que os particulares, nos usados, recuperaram mais depressa, depois os particulares nos automóveis novos, e agora voltamos a ter algum dinamismo na renovação de frotas de empresas.
Qual o peso deste segmento, o dos elétricos, no financiamento do Montepio Crédito?
A nova originação já anda próxima de 5%, o que vai em linha com o que é a quota de venda destes veículos. Embora se contabilizarmos os elétricos e os eletrificados, tanto híbridos plug-in mais os convencionais, somando tudo, estamos a falar de uma quota de venda de automóveis novos que ultrapassou, no primeiro trimestre, a das vendas de veículos a gasolina.
É uma mudança…
É a primeira vez que acontece. E vai acontecer cada vez mais. À medida que grandes marcas vão introduzindo novos modelos, vai haver uma mudança das vendas para elétricos e eletrificados.
Começam só agora a surgir elétricos de carga…
Começamos a ter comerciais. Nos pesados vai demorar mais tempo e nem será a tecnologia mais adequada. Será o hidrogénio.
“Vai haver uma tentação muito grande de ir revendo a fiscalidade sobre os carros”
Até que ponto o Estado pode/está a ser instigador desta mudança?
É importante, acima de tudo, que haja estabilidade fiscal. Que não se ande de Orçamento em Orçamento a alterar a política fiscal direcionada para a mudança tecnológica no mercado automóvel. Se um empresário hoje faz as contas para a alteração da sua frota e a seguir se vê confrontado com uma alteração fiscal que vá pôr em causa os fundamentais económicos que levaram àquela decisão, gera-se uma desconfiança que deve ser mitigada.
Mas fazem as contas a quatro anos. Quatro anos em Portugal é muito tempo?
É, nomeadamente quando a estabilidade fiscal é posta em causa OE a OE, que foi o que aconteceu no OE2021 com as alterações na questão dos híbridos plug-in. É muito importante a estabilidade fiscal para que o empresário tome as decisões corretas. Mas vai haver uma tentação muito grande de ir revendo a fiscalidade associada aos automóveis uma vez que à medida se ganha quota na venda dos elétricos e eletrificados ficam em causa a receita do ISP, depois o próprio ISV, que são fonte de receita fiscal significativa em Portugal. Isto é um desafio para o próprio Governo na gestão da sua receita fiscal. Agora, tem de haver um equilíbrio: estabilidade fiscal para o decisor e a receita fiscal para o Estado.
É difícil induzir o consumo de algo novo sem criar uma atração para ela, mas numa fase mais madura do mercado é preciso equilibrar as contas. As empresas questionam estas alterações que podem surgir?
É algo que as empresas questionam. Empresas e empresários procuram ver o racional económico que está subjacente e assumir os riscos de contexto. Os riscos de contexto são algo que não dominamos. Partindo do pressuposto de que há estabilidade na fiscalidade, a atração para a mudança tecnológica nas frotas é grande. Mas também não antevejo grandes alterações do ponto de vista fiscal nos elétricos 100%. Nestes admito que não haja, agora nos híbridos plug-in, provavelmente, como já vimos, essa certeza não é tão grande.
Falou da valorização dos elétricos/eletrificados usados. Como se consegue isso com uma tecnologia que se assemelha à de um smartphone?
A procura por veículos elétricos usados é muito elevada. Disparou! E não há veículos elétricos usados no mercado.
É só mesmo pela pressão da procura?
É. É, porque estamos a falar de uma tecnologia ainda recente, para o qual não existe ainda um mercado de segunda mão. Mas tal como acontece nos smartphones, em que existe uma valorização muito grande nomeadamente nos reacondicionados, nas viaturas elétricas isso também vai acontecer. Um renting a três ou quatro anos não prejudica significativamente a vida útil da bateria. A falta de produto no mercado, ainda, tende a valorizar este tipo de veículos. Claro que se estivermos a falar de financiamentos a mais de três ou quatro anos, aí a evolução tecnológica já pode prejudicar a avaliação do veículo.
Essa valorização que se faz do veículo no final de um renting é igual seja um elétrico ou um automóvel com motor a combustão?
Neste momento, é mais valorizado um elétrico. Isto porque se antevê que possa haver restrições à circulação de veículos a combustão nas grandes cidades.
Mas é preciso haver carros…
Estamos a falar de uma tecnologia muito recente, portanto ainda não há mercado de segunda mão. E, depois, há outro fator: como estamos numa pandemia, houve confinamento e houve uma redução significativa na venda de veículos novos, o stock de usados baixou muito. Isto está a agudizar-se. Há uma baixa significativa. Isto quer dizer que ou os usados sobem de preço, ou não desvalorizam, ou há uma maior tendência para a importação de veículos usados. E estamos a assistir a isso.
"A procura por veículos elétricos usados é muito elevada. Disparou! E não há veículos elétricos usados no mercado.”
Aí entra a questão dos particulares. E essas compras são com financiamento. Como está a concessão desse financiamento?
O financiamento, depois do confinamento, cresceu de forma muito significativa. Voltámos a ter níveis de financiamento anteriores à pandemia.
E só para elétricos?
No mercado de particulares, a procura tem vindo a crescer de forma menos significativa do que nas empresas, mas tem crescido de forma sustentada.
O fator preço pesa?
O fator preço ainda pesa. À medida que forem introduzidos modelos dos maiores fabricantes, os mais mainstream como a VW ou a Peugeot, isso terá maior influência no financiamento a particulares para a aquisição de elétricos.
Falámos de diferentes tecnologias, mas também queria falar sobre diferentes formas de vida, nomeadamente por causa da pandemia. Uma delas é o “não ter carro”…
A pandemia trouxe-nos algo que veio contrariar a tendência do car sharing. Nós tínhamos operações de car sharing até com alguma dimensão que sofreram muito, algumas delas até desapareceram. E houve uma procura muito significativa por automóveis usados logo a seguir ao fim do primeiro confinamento, maio/junho do ano passado, nas zonas urbanas. Os particulares deixaram de querer usar transportes públicos e procuraram alternativas, nomeadamente usados de valores baixos, nos 8/10 mil euros, por receio de uso de transportes públicos. Assistimos a esse fenómeno.
Vai voltar o car sharing?
É natural que o car sharing volte a ter uma evolução uma vez que as gerações mais novas tendem a desvalorizar a propriedade e a valorizar a utilização. Voltará ou por via do car sharing ou do rent a car, normal, e temos muito isso: há consumidores que durante a semana utilizam transportes públicos e ao fim de semana querem deslocar-se para fora da cidade e alugam um carro. E também por via do renting. Hoje há soluções financeiras muito boas que permitem por uma renda não ter a possa mas utilizar o carro, ainda por cima com rendas relativamente baixas trocar de modelo e marca com alguma frequência. O renting, hoje, já não é só para empresas. O aluguer operacional de viaturas começa a ter aceitação no mercado de particulares, nomeadamente nos mais jovens.
O financiamento está sempre presente.
O aluguer operacional de viaturas acaba por ser uma forma de financiamento interessante para este segmento uma vez que está garantido o valor residual no final do contrato, a manutenção está garantida, os serviços também. Há um pacote de serviços disponibilizados que mantêm o financiamento automóvel interessante.
E o risco?
Nestes segmentos, o nível de risco é contido. Isso tem-se verificado na nossa operação: quando estamos a falar de viaturas que têm mercado secundário, estamos a falar de um risco contigo porque existe um bem que tem valor de mercado.
Qual o peso do financiamento automóvel no negócio do Montepio Crédito?
Na originação, o financiamento automóvel pesa cerca de 60% do total. Estamos muito focados no segmento do financiamento automóvel e no de equipamentos na área de transportes e logística. São os dois grandes segmentos estratégicos. Tudo o que seja viaturas novas ou usadas, elétricas ou não, e depois na parte de equipamentos os transportes pesados, camiões, empilhadores… tudo o que diga respeito ao transporte profissional.
“Temos um financiamento tailor made, que as multinacionais não fazem”
Como se joga num mercado em que além de concorrentes tradicionais, existem concorrentes como as financeiras das marcas?
Nós estamos nesse mercado. O Montepio Crédito praticamente não trabalha com a rede comercial do Banco Montepio, usa a sua rede de parceiros. O que distingue o Banco Montepio e o Montepio Crédito é que o Banco trabalha com os seus clientes nos canais tradicionais, o Montepio Crédito trabalha com parceiros de negócio, como stands, retalhistas multimarca ou de marca própria. Temos cerca de 500 parceiros e 94% dos nossos clientes não são clientes do Banco Montepio. Adquirem as viaturas nos nossos parceiros com financiamento nosso.
Não é difícil então concorrer com uma VW Financial Services ou a financeira da Mercedes?
Não é. E porquê? Estas multinacionais, que são financeiras das próprias fabricantes de automóveis, estão formatadas por um determinado tipo de ofertas. E essa oferta decorre de alinhamento internacional, é igual em Portugal, Espanha ou qualquer outro sítio. O Montepio Crédito trabalha muito tailor made. Fazemos o financiamento que as multinacionais não fazem.
Porquê?
A oferta não é formatada às necessidades do cliente português. Seja porque existe uma retoma, seja porque existe necessidade de uma entrada inicial ou de um valor residual diferente, ou o prazo é diferente. Ou pela taxa de juro, que pode ser mais competitiva. Existe um conjunto de fatores que pode levar a que o financiamento possa ser feito pelo Montepio Crédito e não por uma financeira de marca.
E acontece muito?
Acontece. Um terço da nossa originação é de veículos novos. Um terço é significativo, o que quer dizer que a nossa oferta, porque a financeira não tem essa oferta em Portugal, ou o leasing que faz não tem a flexibilidade que temos, encontramos soluções que preenche esta franja que não é preenchida pelas financeiras de marca.
Depois têm os usados…
Nos usados, tipicamente não encontra o Montepio Crédito associado a financiamentos de viaturas com mais de quatro anos. Não estamos vocacionados para esse segmento, embora estejamos a crescer nele. Mas colocamo-nos sempre num segmento de semi-novos, o que se reflete na qualidade de crédito da nossa carteira.
Maior é financiamento auto, mas os restantes 40% são crédito pessoal. Qual a evolução?
Temos dois tipos de crédito ao consumo: o crédito associado a bens e serviços, no ponto de venda, depois temos o crédito pessoal direto, concedido à distância, em que temos um serviço todo digital. Todo desmaterializado. É um negócio que será o futuro deste financiamento. Já temos alguns milhões de euros concretizados, mas é um canal que tem um caminho grande a percorrer.
Mas é mais arriscado.
Uma vez que já há um grau de sofisticação elevado nos motores de credit scoring, o nível de contenção de risco é relativamente confortável. Há um conjunto de mecanismos de inteligência artificial introduzidos no processo que nos permitem evitar fraude, dar alertas de análise de crédito perante situações de incongruência. Há aqui um nível de sofisticação que dá segurança.
No conjunto dos segmentos de financiamento, qual a evolução?
Houve um período de redução significativa. Nós, o mercado em 2020, registou uma quebra de cerca de 30%, mas nós crescemos porque estamos a falar de uma operação relativamente pequena que tem vindo a crescer. O mercado tem vindo a recuperar desde abril, ainda não está nos valores pré-pandemia, mas tem vindo a recuperar de forma muito significativa.
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