IA aumenta para 20% retenção de talento na Teleperformance. “Se não usarmos, perdemos excelente oportunidade”

Teleperformance está a usar a IA como arma de retenção de talento e a empresa já planeia avançar com um 'Buddy' powered by IA, revela Ana Sanches, VP de Diversidade.

Quando entrou como Vice-presidente de Diversidade, Equidade e Inclusão da Teleperformance Portugal o então CEO deixou-lhe um aviso: ‘Prepara-te que não vens para fazer amigos’. Passados cerca de dois anos, Ana Sanches sente que tem “muito mais amigos do que inimigos neste caminho”. “Nem poderia ser de outra maneira, porque esta área só tem impacto se todas as outras se juntarem como aliados”, diz.

Um desses aliados é a área de data science e a Inteligência Artificial. Um aliado para dar alertas sobre desvio de parâmetros de diversidade e inclusão, mas também de retenção de talento num setor que, no ano passado, segundo um estudo da Associação Portuguesa de Contact Centers, teve uma rotatividade de 50%.

Com o programa “Keep” – projeto sob alçada da área de Diversidade e Inclusão –, a Teleperformance tem conseguido reduzir as taxas de saída de pessoas, antecipando potenciais perdas de talento e dando ‘armas tech‘ à empresa para agir proativamente.

“As taxas de retenção melhoraram significativamente, atingindo 20% de sucesso quando comparadas com o intervalo anterior de 4-6% antes da implementação. Conseguimos um aumento de 67% na precisão da identificação de potenciais abandonos, o que nos permite tomar medidas proativas de retenção”, adianta Ana Sanches, ao Trabalho by ECO.

E a empresa já está a trabalhar numa versão 2.0 do “Keep” para dar mais ferramentas aos gestores para melhor saberem ler a sua equipa. Planos IA que não se ficam por aqui. Para colocar a tecnologia ao serviço das pessoas, na empresa estuda-se a ideia de um ‘Buddy’. Um ‘alguém tecnológico’ para ajudar os cerca de 14 mil colaboradores a obter, de forma mais interativa, informação sobre procedimentos de marcação de férias, por exemplo, libertando as pessoas dos RH para se focarem em outros temas mais complexos.

“Estamos numa fase muito exploratória, mas que a ter resultados vão ter que ser em breve, porque senão vamos perder o barco. Alguém vai encontrar esse formato por nós, por isso vai ser muito importante fazermos essa exploração nos próximos meses, certamente. E temos talento interno para responder a isso”, diz a VP que tem ainda sob a sua alçada as áreas de engagement, wellbeing e responsabilidade social.

O data também ajudou a percecionar melhor – num dashboard DE&I – qual o status quo da companhia no que toca à diversidade, inclusão e paridade de género. Neste campo, na liderança de topo, houve uma forte evolução.

Num ano, entre 2021 e 2022, passámos de 10% de mulheres no board para 40%. Nunca vi nenhuma outra empresa onde isto tivesse acontecido num ano. Desde maio já é 50%. É o resultado do compromisso direto da liderança em fazer isto acontecer e em procurar talento para equilibrar estes papéis”, diz.

O novo CEO da Teleperformance anunciou, em entrevista ao Trabalho by ECO, a intenção de neste ano manter o mesmo ritmo de recrutamento de anos anteriores, cerca de 3.000 pessoas. Com esta necessidade massiva de pessoas como se mantém padrões de diversidade e de inclusão?

Ter necessidades altas de recrutamento potencia a nossa diversidade. Temos um programa de “Impact Sourcing” dedicado a recrutar minorias ou grupos sub-representados, como, por exemplo, refugiados, pessoas sem ensino superior ou que não terminaram o curso, mães monoparentais, pessoas desempregadas há mais tempo. Recrutar tanta gente permite-nos garantir vagas para estas pessoas. Trabalhamos com uma série de parceiros que nos dão essas fontes de talento inclusivo.

No ano passado, com a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa vimos candidatos que podiam fazer match com os nossos perfis e eles deram-nos a hipótese de os candidatos trabalharem a partir da associação. No recrutamento não é um tema, depois tem é de haver muito cuidado na maneira como garantimos que há um ambiente inclusivo para receber estas pessoas seja a diversidade qual ela for, religiosa, de género, de orientação sexual, pessoas que vivam com alguma deficiência.

Neste último caso, acompanhamos individualmente cada uma delas para perceber como temos que adaptar às necessidades, que tanto pode ser um teclado adaptado, um monitor, um espaço diferente, porque a pessoa precisa de passar com cadeira de rodas, mas também pode ter a ver com temas de neurodivergência. O trabalho está todo muito mais aí, não na diversidade que trazemos, mas na inclusão que conseguimos garantir.

Desde fevereiro, as empresas com a vossa dimensão passaram a ter uma maior obrigatoriedade de recrutar pessoas com deficiência. Neste campo em concreto, qual é a estratégia?

Estamos definitivamente a trabalhar para cumprir a lei (ter, pelo menos, 2% de pessoas com deficiência). Obviamente, que dentro das necessidades de recrutamento partilhadas, a nossa intenção é que exista um esforço canalizado para estas pessoas. Estamos a trabalhar em contacto direto com o IEFP, e o que temos é uma poll à volta de 6.000 candidatos.

Há aqui um trabalho de awareness a ser feito até para os nossos clientes. Ou seja, trabalhamos quase sempre, em todas as nossas áreas, com projetos adjudicados por um cliente. Temos operações onde temos que ter uma disponibilidade 24-7, em alguns projetos os horários vão rodando, pode haver turnos. Uma pessoa que venha desta poll de talento inclusivo, muitas vezes não dá para fazer horários como estes.

No caso de pessoas com deficiência, muitas vezes, pedem-nos para fazer part-time porque, por uma questão até física, não conseguem estar efetivamente 8h à frente de um computador. E, portanto, temos, e cada vez mais fazemos esse trabalho com os nossos clientes, de adaptar as hipóteses e os processos que temos para incluir mais pessoas.

Há dois anos, o part-time era cerca de 6% da força de trabalho. Aumentou? Há mais flexibilidade?

Está sensivelmente na mesma – 5,3%, dos quais 70% são mulheres –, mas este tipo de recrutamento pode trazer algumas diferenças. Até porque é muito interessante ver que as pessoas, que são recrutadas através de “Impact Sourcing”, têm uma taxa de retenção muito acima da nossa média, ficam mais tempo connosco. As pessoas em part-time ficam connosco mais tempo do que a média dos full-time.

O estudo da Associação Portuguesa de Contact Centers dá conta que no passado a rotatividade disparou 50%. Como se gere inclusão, diversidade e retenção de talento com metade das equipas a desaparecer constantemente?

Esses números são uma média, mas estamos exatamente a trabalhar no processo de retenção. Aqui entra a equipa de Data Science para nos permitir perceber alguns sinais de alerta das razões pelas quais as pessoas vão querer sair. Temos vários perfis dentro da empresa, não há uma solução única. Temos pessoas que chegam de outras partes do mundo – temos 110 nacionalidades a trabalhar connosco – e que, na verdade, só querem vir cá durante 6/12 meses, conhecer o país, trabalhar numa empresa sinónimo de tecnologia, fazer coisas para clientes nossos nesse setor.

Para essas pessoas, a nossa abordagem é dar-lhes a melhor experiência possível nesse curto espaço de tempo. Agora, para quem quer crescer dentro da organização – e muitos começam como agentes – temos uma série de recursos disponíveis para evoluir: podes passar a ser trainer, quality analyst, passar para a área de data. Por exemplo, uma das pessoas a trabalhar comigo neste projeto de retenção, o “Keep”, começou como agente, mas o talento dele foi repescado para data science.

Normalmente, nas empresas não acontece muito esta capacidade de mobilidade interna, é uma grande vantagem do setor. Temos um programa interno, o “Jump“, onde a intenção é as pessoas serem preparadas para funções onde podem rapidamente crescer e, às vezes, a evolução de agente a supervisor pode ser num espaço de seis meses. Portanto, a velocidade a que isto acontece também é uma velocidade alta.

Agora vamos ter claro que este não é um ano fácil para ninguém. As condições externas não estão a servir a ninguém, só estão lá, de certa forma, a pressionar, os nossos clientes, que também estão a ter desafios, os gigantes tecnológicos estão a despedir pessoas. Portanto, o nosso principal objetivo é garantir que não precisamos de despedir ninguém, mas que conseguimos realocar as pessoas com novos clientes, etc.

É um trabalho que temos vindo a fazer e isso, mais uma vez, traz oportunidades para as pessoas crescerem dentro da empresa. Termos uma área de diversidade e inclusão permite-nos olhar para esse processo de mudança com mais empatia e, portanto, tentar trazer aos managers ferramentas e skills para saberem lidar com possíveis momentos mais desafiantes, para ouvirem as equipas. Temos muitas ferramentas de recolha de feedback constante. Ainda há semanas o nosso CEO fez um roadshow por vários edifícios, onde fez focus group para falar com as nossas pessoas.

Referiu que com Data conseguem obter insights úteis para a retenção do talento.

Às vezes os dados dizem-nos mais do que as pessoas, quase que antecipam um movimento que a própria pessoa ainda não tinha pensado. O algoritmo permite-nos ter aqui alguns alertas, não quer dizer que esteja sempre certo, nem que esses alertas sejam quase uma profecia realizada.

Alguns exemplos de métricas que podem estar aqui incluídas: o absentismo, o tipo de função que a pessoa faz – nem todos são capacitados ou têm resiliência para trabalhar em vendas, por exemplo –; o tenure na empresa…

A partir de certa altura o encantamento diminui e há ali um período de 15 meses meses onde sabemos que, se não entramos com uma política de retenção que traga oportunidades de desenvolvimento, de progressão de carreira, de transferência para outro projeto para crescer e conhecer outra realidade, é possível que a pessoa comece a pensar que gostava de mudar de profissão ou de empresa. Sabendo que momentos são esses, a conjugação dessas coisas no algoritmo, permite-nos perceber qual é o momento onde devemos atuar proativamente.

Estamos a ter melhores resultados do que quando não usávamos o algoritmo. As taxas de retenção melhoraram significativamente, atingindo 20% de sucesso quando comparadas com o intervalo anterior de 4-6% antes da implementação. Conseguimos um aumento de 67% na precisão da identificação de potenciais abandonos.

Conseguem medir o impacto que tem tido na redução de saídas? Está já a ter resultados práticos ou os dados ainda precisam de alguma “inteligência”?

Já tem resultados práticos. Trabalhamos em duas frentes, na frente pró-ativa, antecipando o tal risco de saída; e trabalhamos na frente reativa, isto é, quando as pessoas nos entregam a carta de rescisão, o que podemos fazer ou como podemos priorizar o contacto com elas para ter melhores resultados?

Estamos a ter melhores resultados do que quando não usávamos o algoritmo. As taxas de retenção melhoraram significativamente, atingindo 20% de sucesso quando comparadas com o intervalo anterior de 4-6% antes da implementação. Conseguimos um aumento de 67% na precisão da identificação de potenciais abandonos, o que nos permite tomar medidas proativas de retenção. O que estamos a fazer agora é mesmo um projeto dedicado, onde temos várias áreas a trabalhar em conjunto. A minha área é a sponsor, o que é engraçado, porque à partida não seria.

Pensaríamos mais no RH mais tradicional, a que recruta efetivamente as pessoas.

Termos esta visão um bocadinho mais externa e empática sobre o processo permite-nos fazer um sponsoring diferente ao tema. Tem resultado muito bem por causa disso, ou seja, o RH está completamente envolvido, mas é uma das partes, assim como o data science, o IT, assim como outras equipas. É uma combinação de esforços e nós fazemos este chapéu agregador, sempre com aquela lógica de ‘atenção: estes processos têm que ser empáticos, têm que recolher informação e usá-la para benefício do colaborador’.

Já temos resultados concretos, mas estamos a trabalhar num 2.0, onde queremos que os nossos líderes tenham intervenção direta e mais informada do que podem fazer. A organização é tão grande que as pessoas às vezes não têm noção das ferramentas ao seu dispor para reter as suas pessoas.

Temos uma equipa dedicada de retenção dentro dos RH, mas os managers são os primeiros a poder fazer esse papel, porque às vezes o tema é a pessoa precisar de dois meses de licença porque vive a 24 horas longe do seu país, tem que apanhar três aviões para chegar à Serra Leoa, não pode só passar lá uma semana de férias e está a pensar despedir-se, não sabendo que a TP dá essa possibilidade.

Obviamente, que não há uma política a dizer que qualquer pessoa pode ter dois meses para trabalhar fora, mas pode-se trabalhar com a pessoa e com o manager para ver se existe a possibilidade de trabalhar remotamente ou de uma sabática. Estas alternativas são possíveis, mas só o são se conseguirmos que a pessoa confie na empresa para nos dizer isto.

A versão 2.0 do “Keep” vai trazer aos managers esta capacidade de prever a retenção, com uma tool associada. Ainda não lançámos para os managers. Até agora, os nossos gestores partilham com os RH e com a organização a sua perceção de como está a equipa: 80% faz esta previsão semanalmente. O que pretendemos é dar uma visão, uma previsão informada, do que achamos pode ser o risco de saída da pessoa. Isto permite-nos depois trabalhar, juntamente com os nossos career advisors, para terem conversas mais informadas com as pessoas.

Estamos a trabalhar num 2.0 (do Keep) onde queremos que os nossos managers, os nossos líderes tenham intervenção direta e mais informada do que podem fazer. A organização é tão grande que as pessoas às vezes não têm noção das ferramentas ao seu dispor para reter as suas pessoas.

Como todas as empresas, estamos numa fase muito interessante do ponto de vista tecnológico, em que tecnologias como o ChatGPT permitem-nos ajudar as nossas pessoas e clientes de uma maneira muito mais eficaz. Até aqui a forma de obter informação das empresas foi sempre numa lógica de perguntar a alguém ou ir ver a um site. Agora há uma forma mais interativa de dar essa informação, se perguntar a uma entidade ‘como marco férias na TP?’.

Vão usar ferramentas como o ChatGPT para ajudar as pessoas nesse processo de integração na companhia. É isso?

Se não usarmos, estamos a perder uma excelente oportunidade de dar uma melhor experiência às nossas pessoas, sobretudo, numa organização que pretende trazer muito talento num curto espaço de tempo. Se tivermos formas de escalar e de dar, ao mesmo tempo, a mesma experiência às pessoas, vamos querer explorá-las, certamente.

Há um prazo para isso acontecer ou estão apenas numa fase exploratória?

Estamos numa fase muito exploratória, mas que a ter resultados vão ter que ser em breve, porque senão vamos perder o barco. Alguém vai encontrar esse formato por nós, por isso, vai ser muito importante fazermos essa exploração nos próximos meses, certamente. E temos talento interno para responder a isso.

Num ano, entre 2021 e 2022, passámos de 10% de mulheres no board para 40%. Nunca vi nenhuma outra empresa onde isto tivesse acontecido num ano. Desde maio, já é 50%. É o resultado do compromisso direto da liderança em fazer isto acontecer e em procurar talento para equilibrar estes papéis.

Seria um copiloto de RH? O que seria?

É mais numa lógica de “Buddy”, ou seja, alguém em quem te suportas para te apoiar, seja na recolha de informação, seja na resolução de algumas questões. Este “Buddy” nunca substitui o contacto humano. Somos uma empresa de pessoas para pessoas e as nossas pessoas têm sempre contacto humano.

Às vezes é difícil entender onde temos que ir para obter mais informação – como substituo o teclado, como obter informação sobre cursos para progredir na carreira –, se conseguimos agregar isso numa interação eficaz, o papel das nossas pessoas de RH será muito mais útil para a resolução de temas mais complexos. Também permite obter mais informação. Se 100 pessoas perguntam sobre desenvolvimento profissional ou como é que se marca férias, há uma lacuna de informação. Também dá pistas para onde deves reforçar comunicação.

Estima-se com a IA perdas de milhões de postos de trabalho com a automatização de funções. Parece olhar para a IA mais como um benefício na melhor integração das pessoas.

Há sempre riscos e estas tecnologias têm que ser postas ao serviço do bem. Se calhar tenho uma visão mais ingénua, mas percebo que está aqui para ficar e pode ser usada como uma mais-valia para potenciar o trabalho na organização. Uma tarefa rotineira de pergunta-resposta não tem por que ser feito por uma pessoa, quando pode estar, por exemplo, a analisar os dados e a pensar melhor como melhorar a experiência do colaborador.

Não vai faltar trabalho, se e quando implementarmos uma tecnologia deste género. (A empresa anunciou entretanto um acordo plurianual de 185 milhões de dólares com a Microsoft, através do qual vai utilizar a IA do Microsoft Azure para lançar a TP GenAI, usado, num piloto, para atendimento de chamadas e respostas por email). O nosso setor já passou por muitas fases semelhantes. Com a introdução da VDI, das mensagens automáticas, podia ter sido uma destruição do setor, passados anos não aconteceu e com o IA temos que ter um bocadinho o mesmo princípio.

As equipas de data science são cada vez mais importantes dentro das organizações, porque nos permitem ir também olhando para a informação numa perspetiva sem preconceitos. Foi essa equipa que, por exemplo, há dois anos se juntou a mim para fazer o primeiro dashboard de DE&I, onde víamos informação concreta da organização, como número de mulheres, percentagem de mulheres em diferentes funções ou a de diferentes gerações na nossa estrutura, seja de agentes ou lideranças. Esses dados permitem-nos perceber onde é que, eventualmente a própria organização pode estar a ser enviesada.

A empresa avançou com uma política para uma maior paridade de género na liderança de apoio ao CEO, visando com isso impactar a estrutura como um todo. O que evoluiu, entretanto? A TP está mais paritária?

O nosso ex-CEO – Augusto Martinez Reyes – estava comprometido em fazer esse caminho para a paridade. E, num ano, entre 2021 e 2022, passámos de 10% de mulheres no board para 40%. Nunca vi nenhuma outra empresa onde isto tivesse acontecido num ano. Desde maio já é 50%. É o resultado do compromisso direto da liderança em fazer isto acontecer e em procurar talento para equilibrar estes papéis.

E não é só na lógica do talento feminino, mas também trazer diversidade, por exemplo, de nacionalidades para dentro da administração – uma mulher da África do Sul, um homem da Índia… –, refletindo a nossa diversidade interna. Estar numa empresa com 110 nacionalidades e ter um board todo ele composto por portugueses não faz muito sentido, provavelmente, vamos ter ângulos mortos que não estamos a considerar, como o de vir trabalhar para Portugal vindo de fora, que acontece a 60% da nossa população.

Cerca de 48% (dos líderes) da organização estão do lado dos conectores e aliados (da inclusão). Metade da organização tem conhecimento e vontade de fazer diferente, 31% são observadores. Só temos 21% das nossas lideranças dentro da lógica dos tradicionalistas. São com estes que temos de fazer o caminho maior, de perceberem que não basta aceitar a diversidade, é preciso adaptarmo-nos a ela como organização e como líderes.

No que é que trazer essas visões diversas, mais paritárias se repercutiu na organização? Ou ainda não dá para tirar algum tipo de conclusão?

Vamos ver mais impactos à medida que o tempo passar, porque isso não deixa de ser uma mudança cultural. O estivemos a fazer nestes últimos dois anos foi trabalhar muito o awareness. Fizemos um processo interno que, Portugal liderou mas foi aplicado a 15 países, o “Inclusion Competencies Assessment”.

Fizermos uma análise das competências inclusivas aos nossos líderes para perceber se estavam mais no lado dos tradicionalistas – se precisavam de ter mais consciência, sobre o que e como fazer em relação à inclusão –, ou se eram mais aliados. Cada pessoa teve o seu relatório, mas nós tivemos os resultados agregados e, portanto, sabemos exatamente, enquanto a organização, como está dividido em termos de lideranças.

Qual foi o resultado dessa análise?

Temos cerca de 48% da organização do lado dos conectores e aliados. Metade da organização tem conhecimento e vontade de fazer diferente, 31% são observadores. Só temos 21% das nossas lideranças dentro da lógica dos tradicionalistas. São com estes que temos de fazer o caminho maior, de perceberem que não basta aceitar a diversidade, é preciso adaptarmo-nos a ela como organização e como líderes.

Os nossos líderes precisam de estar cada vez mais conscientes do que tem que mudar nos processos para torná-los mais inclusivos. O caso mais emblemático é projeto “Charlie”. Foi implementado e, neste momento, já impactou 1.600 pessoas. Se não tivéssemos tido a capacidade de perceber como é o teu próprio nome podem impactar a tua experiência e o teu sentido de pertença dentro da organização, não tínhamos mudado este processo (em que a pessoa escolhe qual é o nome pelo qual é recebido quando entra nos sistemas da empresa).

Os nossos líderes serem capazes de identificar processos como esses é uma das coisas que queremos trabalhar neste futuro próximo. A outra coisa é a capacidade de nos adaptarmos e não é só à mudança, mas ao perfil que temos à nossa frente como uma pessoa neurodivergente; ou uma que não vê imensas vantagens em ir para o escritório ou muçulmana. É uma skill super relevante para os nossos líderes e vamos querer trabalhar com eles essa skill.

As 1.600 pessoas impactadas pelo projeto “Charlie” são de que mercado? Havia planos de expandir o projeto a outros países.

A Portugal. Começámos cá, mas já estamos a exportar para outras TP à volta do mundo. Já fizemos o kick-off nos Estados Unidos, por exemplo. Mas nestas 1.600 pessoas têm de tudo um pouco: pessoas em transição, como o Charlie, que vai começar o tratamento hormonal em setembro e que está muito contente porque não vê o seu dead name presente nos nossos sistemas, mas também pessoas como o David que não quer ser tratado pelo seu último nome, mas pelo penúltimo, porque é espanhol e em Espanha é o penúltimo que faz sentido.

Há uma diversidade enorme de razões. Para ter uma ideia, 10% das nossas pessoas recrutadas têm um nome preferencial diferente do seu nome legal. Fazemos a pergunta logo no início do processo de recrutamento.

Depois dos Estados Unidos, há mais mercados previstos?

Sim, sim. A Grécia, Espanha, Filipinas… Temos muitos países interessados em aplicar, porque o nosso sistema global já está preparado. Conseguimos fazer essa mudança a partir Portugal, como uma ideia que surgiu de uma pessoa. Nos Estados Unidos, convidaram Charlie para fazer parte do kick-off e contar a sua história e ele dizia que a sua voz foi ouvida. Uma pessoa pode fazer a diferença.

Este é um projeto porta-bandeira de como a voz de alguém – que diz ‘não me sinto assim tão incluído’ – pode ter ondas de choque para o mundo. Conseguimos que o sistema global da TP fosse alterado, porque se não tivesse acontecido, não conseguíamos implementar em Portugal. Agora qualquer país pode ativar essa opção.

Agora, se já fizemos de tudo nesse campo? Não, porque trabalhamos muitas vezes com os sistemas dos clientes e se os clientes não estiverem alinhados connosco a pessoa tem o nome bem do nosso lado, mas depois do lado do cliente eles usam o nome legal. Há aqui um caminho em que nós, como empresa, também podemos fazer a mudança acontecer em outras empresas.

Ana Sanches e a equipa DE&I da Teleperformance Portugal

Voltando à paridade de género na liderança. Houve essa evolução de 10% para 50% na administração. E no resto da estrutura, teve o efeito pretendido?

Tínhamos objetivos concretos para cada um dos níveis e vamos querer alinhar ao nível da reporte direto ao CEO. Não estão nos 50%, mas caminham para lá. Estamos a fazer isso com um mapeamento do talento a nível interno, porque queremos, sempre que possível, que as nossas pessoas cresçam na organização, 80% das promoções são internas. A passagem para a liderança é, na maioria dos casos, com talento interno.

Queremos garantir que preparamos o nível onde já estamos em paridade, o do firts line manager, onde estamos nos 50%, para crescer para os níveis seguintes, como o assistant contact center manager, o contact center manager, o operational director… E esse é um trabalho que não dá para fazer num ano. Temos 44% de mulheres em perfis de direção de terceira linha, 33% em direção de segunda linha. Estamos a acompanhar esses números e a ver esse crescimento acontecer de ano para ano, mas não numa lógica de 10 para 50, até porque não estávamos em dez.

Modelos de trabalho mais flexíveis ajudariam nesse processo? Aponta-se que a semana de quatro dias poderia beneficiar mais as mulheres. Ainda é sobre elas que que recai muito o papel cuidador da família. Como as empresas podem ajudar?

Começámos um programa, que vamos querer implementar a todas as pessoas que voltam de licença de maternidade, onde acompanhámos estas pessoas de uma maneira mais proativa, no sentido de fazer touch points, fazendo um ponto da situação antes de regressarem. Se for de licença seis meses, ao voltar pode não ter necessariamente o projeto a que estava alocada à sua espera.

À medida que se aproxima o momento de regresso deve haver da parte do manager a noção de que tem que fazer o onboarding a esta pessoa, para que se sinta acompanhada. Por isso, foi importante termos um programa interno para acompanhar estas recém-mães no regresso ao trabalho. E, ainda mais do que para elas, foi importante para os managers, para saberem o tipo de direitos e coisas a ter em conta: se a mãe quer amamentar, ela tem direito à dispensa para amamentação, se é preciso ir fazer consultas… Ou seja, os managers perceberem melhor a dinâmica do que é que é viver a maternidade nestes primeiros tempos.

Quanto à semana de quatro dias, se calhar tenho uma opinião que não será muito popular. Adorava que a semana de quatro dias funcionasse, mas, por um lado, não acho que seja assim tão flexível, porque está a delimitar-te àquele período, e corre-se o risco de consolidar tudo em quatro dias e às tantas estoirar com as pessoas. Não tenho assim uma noção tão direta de que os quatro dias consigam ser bem implementados.

Por outro lado, nem todos os setores conseguem abarcar essa configuração. Se pensarmos no nosso setor, em que temos que dar apoio a clientes 24-7, inclusivamente aos fins de semana, embora não sejam todas as áreas assim, significa que não conseguimos aplicar a todas as áreas da empresa. E depois entra o tema da equidade. Vale a pena continuarmos a refletir sobre isto. É um setor onde a complexidade e a exigência que nos é feita pelos nossos clientes não nos permite fazer esta adaptação imediata.

Adorava que a semana de quatro dias funcionasse, mas, por um lado, não acho que seja assim tão flexível, porque está a delimitar-te àquele período, e corre-se o risco de consolidar tudo em quatro dias e às tantas estoirar com as pessoas. (…) Nem todos os setores conseguem abarcar essa configuração. No nosso setor, em que temos que dar apoio a clientes 24-7, inclusivamente aos fins de semana, embora não sejam todas as áreas assim, significa que não conseguimos aplicar a todas as áreas da empresa. E depois entra o tema da equidade.

Em três anos querem contratar 100 refugiados. Que estratégia que vão desenvolver para atingir esse objetivo?

O jantar que fizemos com Lisbon Project já é parte dessa estratégia, que é aproximar-nos de organizações que apoiam refugiados, muitos com muitas competências e numa situação em que, simplesmente, não podem procurar trabalho. Temos uma mulher que trouxemos do Afeganistão – no jantar encontrou a sua professora que não via desde o Afeganistão, nem fazia ideia de que estava cá em Portugal.

Foi incrível, foi um momento mesmo, mesmo emocionante –, uma miúda super inteligente, que não teria hipóteses de estudar ou de trabalhar no Afeganistão. Sabíamos que estávamos a salvar-lhe a vida porque como mulher no Afeganistão, as hipóteses de fazer alguma coisa, além de ser subserviente e servir o propósito de um homem ou de alguma família, eram muito… Conseguimos resgatar uma vida e uma miúda com imensas capacidades para trabalhar através deste programa.

Se não tivéssemos feito um esforço, criado uma página, na altura em que rebentou a guerra, para dizer que estávamos abertos a recrutar mulheres afegãs – foi assim que ela veio ter connosco – não conseguiríamos ter este impacto. São pessoas com competências super válidas, muito resilientes, que passaram por histórias inacreditáveis de sobrevivência e que são uma mais-valia para qualquer organização.

Como grande empregador, temos uma responsabilidade adicional de fazer parte dessa força de bem. Isso é o vemos neste compromisso com o Tent Partnership for Refugees, uma organização com a qual trabalhamos há muitos anos, onde o que queremos é aproveitar o talento que vive em campos de refugiados sem conseguir fazer nada, e ter um impacto positivo no mundo. A TP tem isso no seu ADN. Fazemos estas iniciativas de responsabilidade social há muitos anos e, sem dúvida, que o recrutamento de pessoas tem que servir esse propósito. Contratar refugiados é uma das formas que temos de devolver ao mundo um impacto positivo.

Onde sente estarem os três principais desafios no que toca a estes temas da diversidade e inclusão?

Já falei de um. Temos identificado os perfis dos nossos líderes do ponto de vista de competências inclusivas, precisamos de trabalhar em determinadas áreas, e não é fácil numa organização com 1.200 líderes. É preciso arranjar formas de escalar e garantir que também temos mecanismos internos que nos permitem dar alertas no caso de não termos pessoas a fazer um bom caminho do lado da inclusão. Esse é um desafio, capacitar as nossas lideranças para fazerem o seu caminho de inclusão.

Temos de acompanhar os números e perceber onde pode existir alguma falta de representatividade dentro da organização. É um trabalho que nunca acaba. Até porque para mantermos representatividade, temos que fazer um bom trabalho de retenção.

Um outro desafio grande é garantir que a informação que desenvolvemos dentro de áreas, como a nossa, chega ao maior número possível de pessoas rapidamente. Às vezes ainda fico um bocadinho frustrada de como é que há pessoas na organização, que não sabem que existimos ou que não veem com mais frequência a nossa comunicação.

É um trabalho constante, até porque, geracionalmente falando, temos formas diferentes de consumir informação. Temos que estar sempre a pensar qual é que é a melhor forma desta informação chegar às pessoas: é num formato mais social media, num quick guide, através de um pequeno vídeo de um minuto e meio a explicar às pessoas qual a diferença entre identidade de género e orientação sexual.

Depois diria que o terceiro ponto é estar sempre a trabalhar na representatividade. Temos de acompanhar os números e perceber onde pode existir alguma falta de representatividade dentro da organização. É um trabalho que nunca acaba. Até porque para mantermos representatividade, temos que fazer um bom trabalho de retenção.

Já fizemos um trabalho muito grande no ano passado, até com a Nova, de criar um curso especializado para as nossas lideranças, onde trabalhávamos muitas dessas competências e onde fizemos questão que as mulheres estivessem representadas a 50%, mesmo que não fossem 50% do grupo de liderança que tinham.

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