Embaixadora do Canadá em Portugal garante que o país "defenderá as suas indústrias" do aço e alumínio e alerta que as tarifas afetam a economia canadiana, mas também a estabilidade comercial mundial.
O Canadá está “apreensivo” com as tarifas comerciais impostas pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, e alerta que, no caso do aço e do alumínio, conduzirão a um aumento significativo dos custos para a indústria transformadora dos EUA, exportações menos competitivas de produtos acabados nos EUA e preços mais elevados para os consumidores.
Em entrevista por escrito ao ECO, a embaixadora do Canadá em Portugal, Élise Racicot, garante que o país “defenderá as suas indústrias”. Alerta ainda que as tarifas não afetam apenas a economia do seu país, mas também a estabilidade comercial global, considerando que “o sistema global está a ser desafiado”.
Élise Racicot defende ainda o “potencial” de cooperação entre Portugal e o Canadá e, embora não revele projetos específicos, assinala um interesse crescente de empresas canadianas a explorar o mercado português, especialmente nos setores da energia, defesa, tecnologia e minerais críticos.
Como avalia a evolução da relação comercial entre Portugal e o Canadá?
Portugal e o Canadá mantêm uma relação comercial forte, impulsionada por uma amizade secular, valores comuns e laços interpessoais. Desde a entrada em vigor do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) em 2017, um dos acordos comerciais mais ambiciosos do mundo, o comércio bilateral de mercadorias cresceu 229%. O investimento direto é um dos elementos mais dinâmicos, com empresas portuguesas presentes no Canadá em setores como energias renováveis, automóvel, produtos florestais e manufatura, enquanto o Canadá investe nas áreas das TIC, energia e mineração. Há ainda um grande potencial de cooperação em transição energética, economia azul e descarbonização de transportes, consolidando a parceria de ambos os países em desafios globais como as alterações climáticas e a defesa de uma ordem internacional baseada em regras, especialmente importante num mundo cada vez mais polarizado.
Portugal e o Canadá mantêm uma relação comercial forte. Desde a entrada em vigor do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) em 2017, o comércio bilateral de mercadorias cresceu 229%.
O Canadá não é um mercado tradicional para as exportações portuguesas. Em 2019, as exportações atingiram o seu pico em valor, mas após a pandemia caíram consideravelmente. Pode representar uma oportunidade para a diversificação?
As estatísticas canadianas mostram uma outra história, com um crescimento significativo das exportações portuguesas para o Canadá desde 2019, lideradas pelo setor farmacêutico e pelo turismo, este último impulsionado por novas ligações aéreas diretas. Acreditamos que o Canadá representa uma oportunidade significativa para a diversificação e internacionalização da indústria portuguesa, seja através de exportações de bens e serviços ou através de investimento. Muitas empresas portuguesas escolheram o Canadá para estabelecer e expandir as suas operações na América do Norte, aproveitando vantagens que o Canadá oferece aos investidores internacionais, como mão-de-obra qualificada, forte apoio à inovação e o compromisso com a energia limpa e a dotação de recursos naturais. Apesar das atuais tensões comerciais com os EUA, os principais elementos que faziam do Canadá um mercado atrativo mantêm-se.
Em que áreas concretas é que o Canadá pode ser uma oportunidade para as empresas portuguesas?
O Canadá oferece oportunidades para as empresas exportadoras portuguesas, tanto em setores tradicionais como vinho, têxteis, calçado e agroalimentar, como em áreas emergentes como energias renováveis, hidrogénio, cibersegurança, IA, aeroespacial e economia azul, que podem beneficiar da diversificação no atual contexto de tensões comerciais globais. O CETA continua a ser um pilar fundamental, facilitando o comércio, a mobilidade de profissionais e o investimento, criando um ambiente favorável e estável para reforçar as trocas comerciais entre os dois países.
E podemos esperar um aumento do investimento direto do Canadá em Portugal? Existem intenções em pipeline que possa revelar?
O contexto atual tem provocado bastante incerteza e perturbações no mercado norte-americano, o que vem reforçar a necessidade para a indústria canadiana a procurar maior diversificação. A estreita relação entre o Canadá e a União Europeia (UE), sustentada por um Acordo de Parceria Estratégica e um Acordo Económico e Comercial Global (CETA), torna se essencial no esforço, tanto da indústria canadiana como da europeia, de diversificar as parcerias comercias e trabalhar em conjunto para promover a segurança e a estabilidade económicas mundiais. Embora não possamos revelar projetos específicos, temos observado um interesse crescente de empresas canadianas a explorar o mercado português, especialmente nos setores da energia, defesa, tecnologia e minerais críticos.
Embora não possamos revelar projetos específicos, temos observado um interesse crescente de empresas canadianas a explorar o mercado português, especialmente nos setores da energia, defesa, tecnologia e minerais críticos.
Qual a estratégia que o Canadá pretende implementar para sanar o problema das tarifas comerciais impostas pelos EUA? Serão tomadas medidas para apoiar famílias e empresas? Quais?
Para mitigar os impactos das tarifas impostas pelos EUA, o Canadá está a disponibilizar um conjunto de apoios económicos para empresas e trabalhadores afetados. Isso inclui o lançamento do Programa de Impacto Comercial, com cinco mil milhões de dólares em dois anos para ajudar empresas exportadoras a diversificar mercados e a enfrentar desafios financeiros. Além disso, serão disponibilizados 500 milhões em empréstimos com taxas favoráveis através do Banco de Desenvolvimento Empresarial do Canadá para empresas afetadas e respetivas cadeias de abastecimento, bem como mil milhões em financiamento através do Farm Credit Canada para apoiar o setor agrícola e alimentar. O Governo também reforçou a flexibilidade do Work-Sharing Program, permitindo que empresas e trabalhadores enfrentem períodos temporários de redução de atividade sem recorrer a despedimentos. O Canadá continuará a monitorizar os impactos e ajustará as medidas conforme necessário.
Qual o impacto da aplicação das tarifas pelos EUA e retaliação do Canadá para a economia do Canadá? Por exemplo, se no caso do aço e alumínio as tarifas a produtos oriundos do Canadá chegassem a 50%?
A parceria entre o Canadá e os Estados Unidos é uma das mais bem sucedidas do mundo, assente numa história partilhada, em valores comuns e em fortes ligações entre os nossos cidadãos. Sendo os maiores parceiros comerciais um do outro, as nossas economias estão profundamente interligadas. É com muita preocupação que encaramos a ameaça – e respetiva imposição (vivemos num período de incertezas) – de tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio dos EUA. O Canadá é uma fonte fiável de aço e alumínio para os Estados Unidos, desempenhando um papel essencial nas cadeias de abastecimento de setores críticos como o automóvel, aeroespacial, defesa e indústria transformadora avançada.
Uma tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio conduzirá a um aumento significativo dos custos para a indústria transformadora dos EUA, exportações menos competitivas de produtos acabados nos EUA e, em última análise, preços mais elevados para os consumidores. O Canadá está preparado para responder a esta última ameaça e, como sempre, defenderá as suas indústrias do aço e do alumínio.
Uma tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio conduzirá a um aumento significativo dos custos para a indústria transformadora dos EUA, exportações menos competitivas de produtos acabados nos EUA e, em última análise, preços mais elevados para os consumidores. O Canadá está preparado para responder a esta última ameaça e, como sempre, defenderá as suas indústrias do aço e do alumínio.
Reconhece alguma valia nos argumentos do Presidente norte-americano sobre o tráfico de fentanil?
Apesar do tráfico de fentanil intercetado na fronteira dos EUA com o Canadá representar menos de 1%, o nosso país está a reforçar significativamente os esforços para combater a produção e o tráfico desta droga. Com um investimento de 1,3 mil milhões de dólares, o país está a fortalecer a segurança fronteiriça com novas tecnologias de deteção química, equipas caninas especializadas, helicópteros Black Hawk, drones e torres de vigilância móvel. Além disso, está a ser criado um Centro de Análise de Drogas para rastrear a origem e os métodos de produção destas substâncias. O Governo também listará cartéis de crime organizado como entidades terroristas, reforçando a capacidade da Royal Canadian Mounted Police de desmantelar estas redes. O Canadá fará também um investimento de 200 milhões de dólares para melhorar a partilha de informação e coordenação através da Canada-U.S. Joint Strike Force no combate ao crime organizado, fentanil e branqueamento de capitais.
De uma forma mais geral, em termos de comércio global e crescimento económico mundial, o Canadá está apreensivo com a aplicação das tarifas a outros países ou pode até representar uma vantagem na geometria das relações comerciais internacionais?
O Canadá está apreensivo com as tarifas impostas pelos EUA, que afetam não só a sua economia, mas também a estabilidade comercial global. Quando o maior parceiro, como o qual temos uma longa história partilhada e assentada em valores comuns e em fortes ligações entre os nossos cidadãos, impõe tarifas que o Canadá vê como não justificadas, há razão para preocupação a nível mundial, especialmente porque o Canadá e o México são os primeiros, mas não serão os últimos alvos das tarifas dos Estados Unidos. No entanto, esta crise tem fortalecido a unidade interna do Canadá, um exemplo sendo o compromisso dos primeiros-ministros das províncias de reduzir os obstáculos ao comércio interno e à mobilidade da mão-de-obra, medidas que têm o potencial de acrescentar até 200 mil milhões de dólares à economia canadiana. Esta crise tem também impulsionado parcerias estratégicas, especialmente com a União Europeia, para diversificar mercados e promover a segurança e estabilidade económicas globais.
Ainda é cedo para prever os impactos a longo prazo das atuais disrupções comerciais, mas é claro que o sistema global está a ser desafiado. Existe o risco de um maior enraizamento do protecionismo, com tarifas e barreiras comerciais, que pode prejudicar o crescimento económico no mais longo.
Estamos na presença da mais disrupção no funcionamento do sistema comercial? É o início da desglobalização?
Ainda é cedo para prever os impactos a longo prazo das atuais disrupções comerciais, mas é claro que o sistema global está a ser desafiado. Existe o risco de um maior enraizamento do protecionismo, com tarifas e barreiras comerciais, que pode prejudicar o crescimento económico no mais longo. O Canadá, em parceria com a União Europeia, mantém-se firme na defesa de um sistema de comércio multilateral aberto, inclusivo, assente em regras e nos princípios da Carta das Nações Unidas, que defende a soberania, a integridade territorial e a inviolabilidade das fronteiras como princípios fundamentais do direito internacional.
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Canadá considera que há razão para “preocupação a nível mundial” com as tarifas de Trump
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