O Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, em entrevista ao ECO, diz que a decisão da Standard & Poor's de retirar a classificação de “lixo” à dívida vai ajudar a baixar o custo de financiamento.
Ricardo Mourinho Félix é Secretário de Estado Adjunto e das Finanças e recebeu o ECO este fim de semana no ministério das Finanças, visivelmente satisfeito com a decisão da Standard & Poor’s de tirar a dívida portuguesa da categoria de “lixo”. Também falou da banca, da herança que diz ter recebido do Governo anterior, do Orçamento para 2018 e ainda de uma possível ida de Mário Centeno para o Eurogrupo.
Foi uma surpresa esta subida do rating por parte da S&P, sobretudo pelo facto de ter queimado uma etapa, que era a subida do outlook?
Das conversas que fomos tendo com as diversas agências, que precedem a divulgação do rating, fomos tendo indicação de que a S&P tinha uma postura bastante construtiva em relação àquilo que era a evolução, quer do crescimento económico, quer dos números da execução orçamental, quer do trabalho que estávamos a fazer no sistema financeiro. Daí a dizer que estávamos à espera que fosse feito um upgrade sem que antes houvesse uma revisão do outlook, eu atribuía a isso uma probabilidade, mas pequena.
O mais provável seria seguir o que fizeram as outras agências que foi alterar o outlook e na próxima avaliação fosse feita o upgrade. Felizmente a S&P entendeu que o crescimento económico que temos é um crescimento robusto, sustentável e equilibrando do ponto de vista da manutenção do saldo das contas externas. Entendeu que a nossa estratégia de consolidação orçamental é estrutural e, portanto, que é para continuar e está assente em bases sólidas e não em medidas de natureza temporária ou reversíveis. Entendeu que o trabalho que tem sido feito da capitalização do sistema financeiro, nomeadamente com a recapitalização da Caixa em condições de mercado e, por outro lado, com o alargamento do prazo de empréstimo ao Fundo de Resolução, foi extraordinariamente importante para estabilizar o sistema financeiro. É nesse sentido que entendemos que a S&P decidiu ser mais arrojada e, portanto, fazer este movimento sem passar antes por um outlook positivo.
Os juros a 10 anos está nos 2,8%. Qual é o impacto que espera que esta revisão venha a ter nos custos de financiamento da República?
Os custos de financiamento da República tem vindo a reduzir-se à medida que tem vindo a ser divulgadas notícias e informações que apontam para este caminho. Desde logo, quando houve a avaliação, em março, e quando Portugal deixou de estar no Procedimento por Défice Excessivos. Isso teve um impacto significativo, os agentes de mercado foram incorporando essa informação. Por outro lado, a recapitalização da Caixa foi importante no sentido em que determinou qual era o valor que o Estado teria de financiar para recapitalizar a CGD. E culminou com um conjunto de avaliações por parte também das instituições internacionais, — Comissão Europeia e FMI, — e o pedido de pagamento antecipado ao FMI que foi aceite pelos parceiros europeus e pelo ESM [European Stability Mechanism]. Isso foi uma informação importante para o mercado.
Tudo isso foi sendo incorporado e permitiu a redução das taxas de juro, mas sobretudo dos spreads. Temos que ter em atenção que as taxas dos outros países core tem estado a subir, portanto, aquilo que estamos a assistir é uma estabilização em termos dos valores que falou, mas o que temos assistido também são os spreads a comprimir, em particular face a Espanha e Itália.
O que esperam agora com este upgrade?
Tem consequências extraordinariamente importantes do ponto de vista da materialização do apetite que os investidores têm pela dívida portuguesa nos road shows que temos vindo a fazer e que fazemos regularmente com o IGCP, que teve um papel muito importante neste trabalho que culminou com a alteração do outlook das agências e com o upgrade. Nos road shows que temos vindo a fazer existe um apetite por tomar a dívida portuguesa, mas existiam restrições a nível de benchmarking de muitos investidores que não lhes permitem tomar dívida portuguesa enquanto não exista pelo menos uma das três grandes agências a atribuir um grau de investimento.
Subida do rating tem consequências extraordinariamente importantes do ponto de vista da materialização do apetite que os investidores têm pela dívida portuguesa.
Agora com este grau de investimento, os investidores podem tomar mais dívida pública portuguesa, porque a podem integrar nos seus portfolios de dívidas com graus de investimento. Por outro lado, havendo mais liquidez de mercado, isso também será muito importante para reduzir a volatilidade. Quando o mercado é pouco liquido, operações de pequena dimensão fazem mexer muitas vezes as taxas. Essa volatilidade é incorporada nos modelos de avaliação de risco dos investidores e, portanto, quando há uma dívida com mais volatilidade, exige-se um maior prémio de risco. Portanto, uma redução da volatilidade permitirá ela própria reduzir os custos de financiamento. Aqui estamos a falar sempre em termos de spreads. Aquilo que é natural é que possa existir ainda alguma margem para as taxas de juro descerem, tudo dependerá de como evoluir a política monetária, o crescimento na Europa.
Elencou várias razões para a descida do rating. Que peso é que atribuiu ao anúncio do BCE de que vai manter a política de estímulos do quantitative easing?
Até agora o acesso ao programas do BCE e a elegibilidade da dívida portuguesa estava assegurada apenas pela DBRS que foi a agência de rating que sempre esteve do lado certo e e sempre atribuiu o grau de investimento a Portugal. O facto de agora a S&P fazer o upgrade põe fim à questão repetida por diversos agentes — investidores, agências de rating, Comissão Europeia, uma série de entidades e muitos jornalistas, — sobre qual é o plano se a DBRS fizer um downgrade. Essa questão de downgrade da DBRS não está em cima da mesa, mas o facto de termos duas agências de rating que nos tornam elegíveis retira esse risco e essa questão do mapa.
O IGCP dizia este sábado que a subida da S&P não chega. Que é preciso que outra das três grandes agências — preferencialmente a Moody’s — também nos tire de “lixo” para que Portugal possa entrar de facto no radar dos investidores que estavam fora da dívida da República.
Sendo completamente claro, a questão é seguinte: para que uma dívida soberana possa entrar nos índices, — isto é, naqueles índices quando compramos obrigações ou unidades de participação num fundo de dívida soberana, — para que esses fundos possam investir em dívida portuguesa têm que haver rating de grau de investimento por duas das três maiores agências de rating. Sim, quando houver mais uma, aí teremos um alargamento ainda maior da base de investidores. Mas não são só os índices. Existe um conjunto de investidores que tomam dívida portuguesa, compra e vendam, neste momento a dívida torna-se mais apetecível por um lado e, por outro lado, pelo facto de estar em grau de investimento permite que integre carteiras de economias em grau de investimento. Não integra por enquanto os índices, mas estou convencido que nas próximas avaliações, quer da Moody’s, quer da Fitch, há todas as condições para que essas agências também possam melhorar.
Até porque já reviram o outlook.
Sim, a Moody’s na última análise que fez deixa mesmo uma nota bastante positiva e o normal é que após o outlook positivo existam 18 meses, no máximo, até que haja o upgrade. A própria Moody’s no comunicado diz que pondera fazer essa revisão nos próximos 12 meses e, portanto, isso vindo de uma agência como a Moodys é um sinal importante, ou seja, não é só uma revisão do outlook, mas uma revisão do outlook no prazo mais curto do que o standard.
O presidente do PSD acusou este sábado o primeiro-ministro de “sectarismo e mesquinhez” ao dizer “nada” sobre o papel do anterior Governo na subida do rating. Qual é a sua opinião, o Governo anterior teve ou não teve um papel nesta subida de rating?
Deixe-me começar por dizer o seguinte. Acho que essa discussão é uma discussão muito pequenina. Acho que o que se passou na sexta-feira é muito mais importante do que qualquer discussão desse tipo. Esta subida de rating é sobretudo algo que traduz um trabalho, uma resiliência, um esforço, uma grande capacidade de resistência de todos os portugueses que passaram por um período extremamente difícil, em que muitos perderam o emprego, e que muitos viram os seus salários reduzidos, e que passado esse período que não foi fácil, foi reconhecido agora por uma grande agência internacional que Portugal está a fazer o trabalho que tem de fazer e que está em condições de pagar a sua dívida. Portanto, o trabalho é o trabalho conjunto de todos os portugueses e é assim que ele deve ser entendido.
Esta subida de rating é sobretudo algo que traduz um trabalho, uma resiliência, um esforço, uma grande capacidade de resistência de todos os portugueses.
Depois há uma administração pública que trabalhou nos últimos anos em condições muito difíceis, que foi muito resiliente, e sem a qual não é possível que nenhum Governo, nem este nem o anterior, consiga implementar uma estratégia política, nomeadamente política económica, que permita atingir este resultado. Aquilo que a administração pública tem feito é um esforço incrível de contributo para uma consolidação orçamental estrutural e, portanto, devo dizer que temos uma administração pública de grande qualidade, de grande excelência, com grande sentido de sacrifício público e que na minha avaliação é uma administração pública triple A.
Está a dizer isso para evitar novas greves, suspeito….
Não, é sincero e é o reconhecimento do trabalho daquilo que é uma administração pública. O resto são factos. Quando nós tomámos posse, no dia 26 de novembro de 2015, na tomada de posse tinha o Governador do Banco de Portugal a dizer “temos que falar muito urgentemente”. Eu sabia do que é que tínhamos de falar porque já me tinha sido dito que havia de facto uma situação muito complicada no sistema financeiro.
Em 2015 nós tínhamos um banco, o Banif, que estava à beira da insolvência, e tivemos que fazer a resolução que foi feita de uma forma muito diferente da do BES. Foi feita com resolução e venda e, portanto, não tivemos um banco a parar num Fundo de Resolução, com uma degradação da sua situação. Tínhamos uma CGD que estava com um problema óbvio de capital, e que não tinha uma estratégia de recapitalização. Ao longo do ano de 2016 não só definimos um business plan, como promovemos uma estratégia de recapitalização fora do contexto da ajuda de Estado. Porque estávamos na iminência, num contexto de ajuda de Estado, de a recapitalização da Caixa ter de passar não por uma resolução, mas por algo muito parecido que é uma recapitalização interna, com perdas para os obrigacionistas de dívida sénior e subordinada. Tudo isto é reconhecido no comunicado da S&P. Em 2015 nós não tínhamos condições para ter esta decisão por parte da agência S&P.
Recordo-lhe também que quanto este Governo entrou houve uma revisão de um outlook da Fitch que estava “positivo” para “estável”. Cita o setor financeiro como responsável da mudança de rating. Mas este Governo seguiu a política que vinha sendo seguida pelo anterior na questão das contas públicas e acrescentou a essa continuação de austeridade, a tal correção do sistema financeiro. É correta esta análise?
A minha análise é diferente. Aquilo que foi feito no programa de ajustamento passou por uma consolidação das contas públicas, que não foi feita de forma estrutural. Foi feita com base em cortes de salários e cortes de pensões que não podiam nunca ser feitos de forma permanente. Isso foi levado até ao limite e daí é que tenham havido todas as questões ao nível do Tribunal Constitucional. E foi feito na altura uma promessa que seria feito um programa de redução de despesa pública, que permitiria depois repor esses salários, sem que isso aumentasse o todo da despesa. Ora, isso nunca foi feito. Nós entrámos em 2015, o que havia era um corte de salários, e não havia nenhum programa de revisão da despesa pública.
Mas houve uma redução estrutural do défice. Esses cortes de salários e pensões permitiram que o défice estrutural passasse dos 7,5% para 2,% ou 3%.
A discussão do défice estrutural tem muito que se lhe diga. Porque uma redução do défice estrutural é baseada em medidas permanentes e não temporárias. Portanto, eu sei que do ponto de vista estatístico e oficial é assim. Mas do ponto de vista substantivo e económico esses cortes de salários e pensões não poderiam ser mantidos.
Só foi possível repor os salários e as pensões e eliminar a sobretaxa porque foram tomadas medidas ao nível da consolidação orçamental estruturais, essas do lado da despesa, e que só puderam ser tomadas neste contexto que referi, ou seja, de uma administração pública que esteve totalmente comprometida e que passou por um período de compressão de despesa, compressão essa estrutural, e que se baseou num conjunto de medidas que foram tomadas por todos os ministérios para assegurar que essa redução de despesa não era adiamento de pagamentos ou nada que fosse temporário. Era algo que duraria para o futuro. Sem isso não seria possível fazer nem a reposição de rendimentos, nem eliminar o corte das pensões, nem eliminar a sobretaxa.
Quando fala em consolidação que fizeram do lado da despesa, está a falar do quê precisamente?
Estou a falar de um conjunto de medidas muito numeroso tomado por cada um dos ministros de linha, da Saúde, da Educação, por todos os ministros setoriais, e que mediante um orçamento que tinha um limite de despesa mais reduzido, e que tinha que acomodar a reposição dos salários, foram obrigados a encontrar margens de eficiência e margens de redução de despesa naquilo que é a sua atividade e conseguiram.
Sem pôr em causa o funcionamento do Estado? Houve cortes de investimentos e cativações.
De uma forma global e geral sem pôr em causa o funcionamento do Estado. Não lhe vou dizer que não haja áreas onde obviamente há insuficiências, e estamos a dar respostas a essas insuficiências. É preciso fazer uma alteração dos recursos dentro do Estado, nomeadamente os recursos humanos. E aí, por exemplo, temos dado grande prioridade aos recursos na Saúde, que é uma aérea fundamental. Foi possível fazê-lo num contexto de reposição de rendimentos e só foi possível porque ao contrário do que encontrámos quando aqui chagámos, há um comprometimento muito grande dos funcionários públicos. Nós sentimos que os funcionários públicos estão verdadeiramente empenhados em fazer mais e fazer mais e fazer melhor, em ser mais eficientes, com menos recursos ser possível fazer mais. Também só assim é que foi possível a reposição das 35 horas, porque aquilo que foi dito e acordado…
Nós sentimos que os funcionários públicos estão verdadeiramente empenhados em fazer mais e fazer mais e fazer melhor, em ser mais eficientes.
Era de que não iria haver aumento global de despesas.
Foi que essa reposição só era possível se fosse possível fazer aquilo que era o trabalho e a oferta de serviços públicos, num contexto em que em menos tempo se conseguia oferecer o mesmo. Isso é a definição económica de eficiência e aumento de produtividade. É fazer mais com menos recursos. E obviamente que a reposição dos salários tem um efeito motivacional muito importante, da qualidade da administração pública. Porque quando nós reduzimos os salários na função pública ou nas empresas, aquilo que estamos a fazer é um movimento de seleção adversa, em que aqueles que têm mais facilmente opções alternativas no setor privado saem, e aqueles que têm menos opções ficam. Isso leva a que nós estejamos a fazer uma alteração de recursos que é desequilibrada do ponto de vista dos incentivos e daquilo que são os anseios.
Passando para o tema da dívida, que o ministro disse ser a quarta maior do mundo. Em termos de rácio, o Governo prevê uma descida, mas em termos nominais continua a subir e está quase nos 250 mil milhões de euros.
A análise que é feita da dívida pública numa base mensal é uma análise que não é totalmente adequada. Porque a variação da dívida mensal depende de muitos fatores. O que acontece em Portugal e nas economias avançadas é que há um pré-financiamento. Em outubro vou pagar seis mil milhões de euros de dívida. Obviamente que não me vou financiar no dia anterior para pagar os seis mil milhões de euros. Portanto, o que foi feito é um plano de financiamento normal. Nós neste momento estamos com um nível de dívida alto, mas que vai dar um trambolhão, que vai ter uma queda quando pagarmos esses seis mil milhões em outubro. Até ao final do ano Portugal ainda irá ao mercado para levantar cerca de 3 mil milhões de euros adicionais e agora com este upgrade da S&P, tal torna-se mais provável que se antecipem mais pagamentos ao FMI.
Mais pagamentos este ano? Além daquilo que já estava previsto?
Os pagamentos que estavam planeados para este ano estão concluídos. A questão agora é se até ao final do ano antecipamos mais pagamentos ou não. Estou em crer que será possível antecipar.
Tem em mente um valor?
Cerca de mil milhões, penso que é um valor que pode ser feito.
Mas indo ao mercado outra vez para fazer esse pagamento?
Indo ao mercado da forma como estava planeado. Com os 3 mil milhões. Porque a ida ao mercado é algo que nós anunciamos no início do ano e é extremamente importante cumprir esse plano porque há agentes que querem tomar posições, há agentes que querem sair de uns títulos e entrar noutros. Isso é fundamental para que quem investe em dívida portuguesa, e dada a liquidez que é ainda mais reduzida do que aquilo que seria desejável, que exista mercado para que os agentes possam gerir as suas carteiras. Outra vantagem deste upgrade tem a ver com a flexibilidade da gestão, ou seja, com a possibilidade de termos maior escolha em quais são as maturidades em que vamos emitir. Nós somos um pequeno emitente de dívida a nível mundial, não emitimos quando queremos e em maturidades que queremos. Temos que ver onde é que os investidores têm apetite para tomar dívida portuguesa, e gerir aquilo que são os apetites deles e aquilo que são as nossas necessidades. E gerir aquilo que é a maturidade da dívida pública. A maturidade tem andado à volta de oito anos, essa parece-nos uma maturidade desejável que se mantenha.
O que está a dizer é que com a decisão da S&P podem vir a arriscar emitir num prazo mais longo?
Ou fazer uma mistura diferente entre emissões a cinco e a dez anos, por exemplo. Permite uma maior flexibilidade.
A economia esta a crescer acima do que está no Orçamento e perante esta decisão da S&P, que meta de divida pública podemos esperar para o final do ano?
Neste momento ainda estamos a olhar para o plano de financiamento para fazer esse cálculo e definir um objetivo que seja adequado. Estamos a avaliar.
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