João Bugalho, CEO da Whitestar, diz que banca olha "com satisfação" para o dinamismo do mercado de malparado. Rejeita a imagem do "cobrador do fraque", que resulta da falta de regulação do setor.
João Bugalho, CEO da Whitestar, considera que o mercado do malparado vai continuar dinâmico nos próximos anos e diz que a banca olha para a profundidade que o mercado português acabou por ter “com satisfação”. Em entrevista ao ECO, o responsável de uma das principais empresas de gestão e recuperação de crédito em incumprimento em Portugal diz que os investidores não têm uma “grelha de descontos” definida quando adquirem uma carteira de malparado aos bancos. “Não é chapa 4. Depende muito do produto”, explica.
Rejeita ainda a imagem do “cobrador do fraque” porque é uma ficção que resulta da falta de regulação de um setor que está a bater recordes na recuperação de créditos que os bancos deram quase como perdidos.
Como é que vê o mercado de malparado em Portugal? É competitivo?
O mercado português é caracterizado por um conjunto bastante pequeno de bancos que concentram o volume de NPL que se estima à volta dos 30 mil milhões de euros no final do ano passado. É um mercado que tem vindo a ser bastante dinâmico. 2018 teremos atingido entre seis ou sete mil milhões de euros de vendas. Inevitavelmente um processo destes, até pelas dimensões que tem atingido, só é possível porque há investidores nos mercados internacionais que têm apetite por este tipo de ativos em Portugal. Ainda bem que assim é, caso contrário não seria possível fazer.
Portugal tem sido capaz de atrair grandes players?
O mercado português tem um conjunto de características interessantes. Primeiro, temos um sistema judicial que é bastante capaz, temos um conjunto de práticas, procedimentos, regras, tribunais que dão garantias a um investidor do ponto de vista de execução e do andamento dessas dívidas. Por outro lado, temos um track record que já não é pequeno, há uma prática de venda neste mercado. Hoje em dia, e dentro da complexidade que inevitavelmente coisas deste género exigem, é relativamente simples fazer vendas de carteiras. Os escritórios de advogados conhecem os processos a fundo, há contratos, há templates de trabalho. Há uma lei de titularização de créditos que facilita também a securitização.
Também há entidades que são capazes de processar grandes volumes de imóveis. Quando falamos de vendas que os bancos têm feito, não estamos apenas a falar do designado malparado. Também não faz sentido para os bancos terem imóveis dentro de casa.
Qual o nível de desconto que tem sido dado às carteiras?
A Whitestar não dá descontos, quem dá descontos são os investidores. A Whitestar desenvolve o mandato que lhe é confiado pelos investidores e tem muito a ver com as dinâmicas de mercado, com o que o investidor quer fazer em cada momento. Pontualmente pode fazer campanhas específicas. Cada investidor tem o seu próprio plano. Nós somos uma correia de transmissão daquilo que o investidor quer fazer no mercado. Isso pode variar muito, depende do produto e depende das garantias. Não há uma “chapa 4“ definida. Não há uma grelha de descontos para se dar.
Disse numa conferência que não gostava muito da expressão do “homem do fraque”. Porquê?
Eu nem sei se isso existe. Nos tempos de faculdade ouvia falar das empresas de cobrança de dívidas, que tinham carros vermelhos e homens com o fraque que se sentavam ao lado da pessoa no bar e que tinha comportamentos intimidatórios para forçar as pessoas a pagar. Isso não tem qualquer apego à realidade da Whitestar. É uma imagem que tem que ser absolutamente desmistificada. Não tenho a menor dúvida que o trabalho que a Whitestar faz e a forma como o faz é altamente dignificador da posição do devedor, que é uma posição muito frágil de alguém que tem uma espécie de um estigma em cima que é muito complexo. Não gostamos que essa imagem do homem do fraque exista. Acho que isso também é uma consequência do setor não ser regulado em Portugal.
É a Whitestar que vai bater à porta do devedor?
Nós não batemos à porta, não visitamos a casa das pessoas. Temos diversos canais para entrar em contacto com o devedor. E temos uma grande preocupação com isso: quando o investidor adquire a carteira que nos confia a carteira para gestão, temos um primeiro momento de contacto que tem forçosamente de ser positivo. A pessoa que está do lado de lá resulta muitas vezes de um processo complexo e difícil, estão tipicamente muito fragilizadas. É uma chaga. Uma chaga social complexa.
Temos a enorme preocupação de conseguir fazer um primeiro contacto positivo em que a pessoa sinta que tem um interlocutor menos manietado do que a banca por via das menores regras com que nós funcionamos. Atuamos em nome do investidor, mas há uma enormíssima preocupação também muito fruto do grupo em que nos inserimos. A Arrow é cotada em Londres, é uma empresa que trabalha no mercado regulado. A Whitestar acaba por adotar esse conjunto de regras e práticas da casa-mãe.
Nos tempos de faculdade ouvia falar das empresas de cobrança de dívidas, que tinham carros vermelhos e homens com o fraque que se sentavam ao lado da pessoa no bar e que tinha comportamentos intimidatórios para forçar as pessoas a pagar. Isso não tem qualquer apego à realidade.
Ainda assim, ainda se tentou legislar para dar algum enquadramento legal a esta atividade.
O setor tem que ser regulado e isso vai inevitavelmente acontecer, até pela dimensão que estas empresas começam a ter. O malparado não se foi embora, apenas mudou de mãos. Ele continua na economia portuguesa.
Inevitavelmente o regulador vai começar a olhar para esta atividade e nós cremos que isso será positivo, trazendo mais regras, defendendo o comportamento das suas casas face à forma como se relacionam com os devedores. A regulação pode ser uma coisa positiva. No caso particular da Whitestar, apesar de a regulação vir trazer mais custos e menos flexibilidade, a verdade é que tudo o que nós fazemos hoje em dia é adequado com regras que é praticado noutros países.
Estamos num momento em que já se fala de uma inversão de ciclo, de abrandamento da economia. Tradicionalmente, isso significa um aumento do malparado…
A dimensão da crise de 2008 é quase única. Nós somos um bocadinho produto de um momento histórico em que o nível de malparado atingiu uma amplitude brutal. Essa redução do malparado, essas vendas massivas que os bancos têm vindo a realizar e que deverão continuar nos próximos tempos, vão trazer o stock para baixo, mais do que aquilo serão os novos malparados que apareçam. O malparado em níveis razoáveis entre os prémios de risco do banco é uma consequência natural da atividade de crédito.
A plataforma de malparado que foi criada há pouco mais de um ano. Está a funcionar?
Conceptualmente faz sentido. É um facilitador de algo que os bancos sozinhos muitas vezes têm dificuldade em promover. Os bancos têm níveis senioridade diferentes nos créditos e, às vezes, é difícil chegar a consensos. A plataforma é um facilitador desses consensos. Não é a plataforma que vai resolver todo o malparado do país, mas é uma ajuda. É quase como que um laboratório.
Há uma meta que o Banco de Portugal não quer assumir mas que os bancos sabem qual é: 5% de nível de malparado. É um fator que condiciona os bancos?
Os bancos olham hoje em dia para a profundidade do mercado com satisfação. No fundo, há um espaço para a “desova” desses ativos. Há mercado, há investidores interessados, há plataformas capazes de fazer essa gestão de forma eficaz. Temos um contexto de mercado favorável para as vendas dos bancos. Não sei de onde vieram os 5%… Há esse número mágico de 5%… Não sei como é que a banca se posicionará. Quase todos os bancos continuam vendedores e isso vai continuar.
Esta dinâmica deverá continuar. Há 30 mil milhões de malparado, como disse. Que perfil de carteiras vamos ter agora à venda?
No segmento de secured vimos muitas vendas daquilo que nós chamamos o negócio mais granular, mais fragmentado, que é o crédito à habitação, em que uma carteira tem muitos pequenos empréstimos de dimensão mais ou menos reduzida. Aquilo que começamos a ter — e no ano passado já tivemos alguns portefólios com características dessas – são portefólios mais complexos. Começam agora vir para o mercado mais escritórios, mais créditos sobre empresas, mais resorts, hotéis, muitos terrenos…
Foi para antecipar esta mudança de perfil das carteiras que compraram a Norfin. Como é que está a correr essa integração?
Tivemos o ok do Banco de Portugal em dezembro e fizemos a escritura final de aquisição em dezembro. Com a Norfin mudámos um pouco o paradigma do nosso negócio, fazendo aqui um hedging natural. Imagine inventávamos a roda na Whitestar e recuperávamos tudo o que tínhamos para recuperar em dois anos? A empresa fechava as portas, deixava de ter malparado. No fundo, é um negócio quase auto-fágico: quanto mais sucesso temos, menos negócio temos para recuperar. No mundo Norfin é exatamente o oposto: adquire para os seus clientes em fundos, ou de forma direta, imóveis que gere numa perspetiva de longo prazo, fazendo a gestão de condomínio, do próprio ativo de uma forma ativa. Estes investidores não estão presentes em Portugal e querem alguém que lhes dê garantias de execução e que lhes gerem um rendimento constante ao longo do tempo.
Depois desta aquisição, tendo em conta que haverá uma evolução do tipo de carteira no mercado, tem em vista alguma aquisição em Portugal?
Roma e Pavia não se fizeram num dia. A Whitestar tem uma dimensão muito significativa neste momento, temos mais de sete mil milhões de euros sob gestão. Temos uma equipa, juntamente com a Norfin, com mais de 600 pessoas. O nosso foco neste momento é fazer uma integração progressiva da Norfin, preservando as valências. A evolução estratégica para a Norfin dá-nos um pé muito importante em segmentos nos quais não estávamos presentes. Há mais verticais de negócio a acrescentar, mas não quero elaborar muito nesta frente.
Imagine inventávamos a roda na Whitestar e recuperávamos tudo o que tínhamos para recuperar em dois anos? A empresa fechava as portas, deixava de ter malparado. No fundo, é um negócio quase auto-fágico: quanto mais sucesso temos, menos negócio temos para recuperar.
É possível fazer uma retrospetiva daquilo que foi 2018 em termos de faturação da Whitestar?
Foi o melhor ano de sempre da Whitestar. Fizemos um ano fantástico a todos os títulos. Do ponto de vista de collection batemos nosso recorde sempre, devemos ter ficado perto dos 280 milhões. Foi um ano que correu muitíssimo bem e estamos contentes. Não fomos só nós. Temos vindo a fazer um esforço enorme do ponto de vista do nosso processo de participante na economia e na recuperação da vida dessas pessoas. Ser algo muito ativo e positivo. Fazemos o esforço nesse sentido. O setor é mal compreendido nesse aspeto.
Como é a relação da Whitestar com a casa-mãe, a Arrow?
Muito boa. A Arrow é uma empresa que cresce através da compra de “Whitestars” em mercados diferentes: Holanda, Itália e Irlanda. É uma jovem multinacional que ao adquirir plataformas distintas, com culturas diferentes, com formas de trabalhar diferentes, até às vezes com particularidades de negócio distintas, tem vindo a fazer um trajeto de unificação dessas marcas mantendo, preservando as marcas em cada um dos mercados porque há um valor implícito nelas.
As ações da Arrow tiveram um desempenho muito fraco na bolsa em 2018. Os investidores questionaram a transparência das contas…
Nós estamos confortáveis com o tratamento contabilístico que damos as nossas operações. Devo dizer que a Whitestar não tem créditos. Em Portugal a Whitestar faz a gestão dos ativos. O grupo é que é o dono, por via da Arrow, de muitas dessas carteiras, embora tenhamos carteiras também de outros investidores. A mensagem oficial é de que o grupo se sente confortável com o tratamento contabilístico que dá às carteiras, Não temos muita dúvida sobre a fortaleza do negócio, mas nem sequer tenho um mandato para falar em nome da Arrow.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Não há uma grelha de descontos para se dar no malparado”, diz presidente da Whitestar
{{ noCommentsLabel }}