Helena Roseta, que há um ano confrontou o presidente do Novo Banco sobre a venda de imóveis, critica atuação do PS neste tema. E considera que António Costa também tem explicações a dar.
Em março de 2019, a então deputada Helena Roseta confrontou o presidente do Novo Banco, António Ramalho, no Parlamento, por o banco ter alegadamente vendido imóveis abaixo do preço de mercado, numa intervenção que a própria fez questão de “guardar” para memória futura no seu site. Em causa estava a venda de uma carteira de propriedades designada “Viriato”, a mesma que está envolta em suspeitas. O jornal Público adiantou esta terça-feira que o banco financiou o comprador numa operação que gerou uma perda milionária que foi coberta pelo Fundo de Resolução. “Agora, passado mais de um ano, vêm dizer que tinha razão. Ainda bem. Mas não me compete agora desencadear os processos de investigação. Cabe-me apenas dizer: afinal, eu tinha razão“, diz, agora aposentada, em declarações ao ECO.
Aquela intervenção de Helena Roseta na comissão de orçamento e finanças foi agora aproveitada pelo próprio banco para responder à notícia do Público. “Esta operação não foi feita a preços de saldo, mas sim a preços de mercado. Isso mesmo foi debatido com natural elevação com a Sra. Deputada Helena Roseta em reunião da COFMA em março de 2019 e foi objeto de documentação posterior enviada à referia Comissão onde se poderia verificar que o nível de exercício de direitos de preferência era irrisório (cerca de 1%), o que deitava por terra a ideia da ‘pechincha'”, reagiu o banco esta terça-feira.
Algo que a própria contesta. “Não faz nenhum sentido estarmos a pagar um buraco de um banco que está a vender abaixo de preço propriedades que podiam interessar muito ao Estado, esse foi o meu raciocínio”, explica de novo, deixando críticas também ao grupo parlamentar do PS, que agora vem exigir uma audição de urgência ao presidente do Novo Banco.
“O meu problema foi ter tido razão antes de tempo e ninguém ter ligado ao que eu disse, a começar pelo próprio grupo parlamentar do PS que foi logo desmentir nos jornais no dia seguinte a dizer que eu não tinha razão nenhuma, que aquilo não era pechincha nenhuma”, recorda Helena Roseta, para quem também António Costa tem explicações a dar.
Há um ano, criticou a venda de imóveis. Como vê a polémica agora?
Fiz uma declaração política sobre isso que o PS desvalorizou por completo. E depois o presidente do Novo Banco disse que estava tudo bem, tudo regular. Não tinha grandes capacidades para verificar, mas a peça do Paulo Pena [jornalista] é muito bem feita. Na altura ainda não tinha sido feita a operação Sertorius. Referia-me ao Viriato e foi quando surgiu a exigência do Fundo de Resolução para o Novo Banco tapar as imparidades. Vamos a ver e estas imparidades também foram provocadas por aquela venda ruinosa que fizeram e que eles consideravam uma coisa boa e o presidente do Fundo de Resolução também disse que sim, que se tratavam de empréstimos granulares, que dava muito trabalho ao banco. Agora vemos esta notícia de que o Novo Banco vendeu mas ficou com as hipotecas. É uma coisa do outro mundo.
Como vê estas suspeitas nas duas operações?
Agora já não estou no Parlamento e o Parlamento tem de investigar isso. O meu problema foi ter tido razão antes de tempo e ninguém ter ligado ao que eu disse, a começar pelo próprio grupo parlamentar do PS que foi logo desmentir nos jornais no dia seguinte a dizer que eu não tinha razão nenhuma, que aquilo não era pechincha nenhuma. Não faz nenhum sentido estarmos a pagar um buraco de um banco que está a vender abaixo de preço propriedades que podiam interessar muito ao Estado, esse foi o meu raciocínio. Estão sempre a dizer que não têm habitação, que não há habitação pública, então que fique com estas coisas, era a minha proposta. Em vez de pagar através do Fundo de Resolução.
O meu problema foi ter tido razão antes de tempo e ninguém ter ligado ao que eu disse, a começar pelo próprio grupo parlamentar do PS que foi logo desmentir nos jornais no dia seguinte a dizer que eu não tinha razão nenhuma, que aquilo não era pechincha nenhuma.
O primeiro-ministro veio pedir a intervenção do Ministério Público. Concorda?
Isto é a repetição do ano passado: há outro projeto, há outra história, há outra vez um buraco nas contas agravado pela pandemia e houve o episódio do primeiro-ministro com o ministro das Finanças Mário Centeno, se pagou ou não pagou… O primeiro-ministro também tem agora de varrer a sua testada.
O Ministério Público deve intervir?
Neste momento sou uma cidadã reformada, estou sentadinha em casa, acabei de ler a peça do Público de hoje [ontem]. O meu papel enquanto deputada foi denunciar uma situação. Agora não tenho poderes de investigação, já não sou deputada. As investigações têm de ser feita por comissões de inquérito, no Parlamento, e pelo Ministério Público. Isto tem de ser investigado.
Do meu ponto de vista, e acho que da maior parte dos cidadãos, isto não é normal. Aquilo pode ser tudo muito legal, mas não é normal. Há aqui uma questão de bom senso: não é normal que um banco esteja a vender património abaixo do seu preço de custo, abaixo do seu preço de mercado, mas muito abaixo e toda a gente ache isso normal e depois o banco venha pedir ao Estado para tapar os prejuízos. E isto numa altura em que o preço do imobiliário estava a subir, ainda há esta agravante. O preço do imobiliário nos últimos anos em Portugal subiu loucamente. Em alguns casos chegou a estar em quarto ou quinto lugar do mundo em termos de subida do valor do imobiliário. Como é que é possível, na mesma altura, estarmos a vender abaixo de tudo? Por favor, isto não pode ser.
Se se verificar que houve irregularidades, devem ser revertidos os negócios?
Eu não acho nada pois não tenho capacidade jurídica nem competência económica para me por a dar palpites. Sou contra os achismos. Estudei aquele assunto naquela altura e anunciei no Parlamento. Agora passado mais de um ano vêm dizer que tinha razão. Ainda bem. Mas não me compete agora desencadear os processos de investigação. Cabe-me apenas dizer: afinal, eu tinha razão. Agora, isto agora tem de ser investigado quer a nível de responsabilidades políticas quer a nível de outras responsabilidades. E há várias entidades e se for necessário chegar ao Ministério Público, vamos sempre bater com a cabeça no mesmo problema: quando mete fundos abutres, depois não se consegue saber quem são as pessoas. Este é que é o problema. Vão parar a um ponto em que dali para a frente já não se consegue saber nada. É muito difícil, com um sistema tão injusto em termos financeiros globais, descobrir as coisas.
Estes negócios não têm muito escrutínio, pelo menos da parte do comprador?
Podem até ter algum escrutínio, mas depois chega a um ponto que se pode criar uma empresa na hora, com a maior das facilidades e enfiá-la num paraíso fiscal e pronto, perdemos o rasto.
O banco devia parar com estas vendas a fundos abutres?
Eu não sei se devia ou não. O banco tem os seus critérios de gestão, não sou especialista disso. Estou a falar do ponto de vista do simples cidadão: isto não é normal. Se isto não é normal, tem de se investigar, e tem de se perceber quem é que está por detrás e como é que é, e se não há aqui uma coisa profundamente errada. Como dizia Mário Cesariny, “falta por aqui uma grande razão”.
"Há aqui uma questão de bom senso: não é normal que um banco esteja a vender património abaixo do seu preço de custo, abaixo do seu preço de mercado, mas muito abaixo e toda a gente ache isso normal e depois o banco venha pedir ao Estado para tapar os prejuízos.”
E responsabilidades?
Não me ponha aqui no papel de procuradora do Ministério Público. Assumi a minha responsabilidade política e assumo-a como cidadã. Aquilo que posso dizer como cidadã é isto: não é normal que no ano de 2019 e até no ano de 2020 se esteja a vender imobiliário em Portugal abaixo do preço de custo. Não é normal. As pessoas fazem os negócios que quiserem. É ainda mais anormal que um banco onde estamos a meter dinheiro do Estado faça esses negócios e depois peça dinheiro ao Estado para cobrir a diferença. Isto não é normal.
Conheço bem o mercado imobiliário em Portugal, eu sei que o imobiliário não desceu de preço. Portanto, vendas abaixo do preço… há qualquer coisa de estranho nisto. As pessoas podem vender abaixo do preço porque precisam, a banca pode vender abaixo do preço porque precisa de se desfazer disto, mas suporta o prejuízo. Se eu quiser vender uma coisa abaixo do preço do que ela vale, o prejuízo é meu. Agora, se tiver prejuízo e depois o Estado é que paga o prejuízo, isso não vale. Não está certo. Há aqui qualquer coisa do mecanismo de capital contingente que é profundamente perverso.
Esse mecanismo devia ser alterado?
Nem sei se pode, não faço ideia se depois virão processos judiciais com indemnizações milionárias. É um campo onde eu não sou especialista. Quando há um contrato e se pretende mudar o contrato, isso tem consequências. Agora, que o mecanismo se está a revelar perverso, está. O mecanismo de financiamento do Novo Banco através do Fundo de Resolução está se a revelar perverso e tive oportunidade de chamar a atenção para a perversidade desse mecanismo no Parlamento em 2019, como deputada. Agora passado este tempo todo vêm dizer que afinal tinha razão: ah, pois tinha. Mas no dia a seguir o PS veio para os jornais dizer que eu não tinha razão.
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“Ninguém ligou ao que eu disse sobre os imóveis do Novo Banco, a começar pelo próprio PS”, diz Helena Roseta
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