Paulo Teixeira foi vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e agora, desde a passada quinta-feira, é o novo bastonário. Leia a entrevista.
Paulo Teixeira é o novo bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) com 54% dos votos, sucedendo José Carlos Resende que estava no cargo desde a fundação do mesmo. Os solicitadores e agentes de execução foram a votos no passado dia 7 de dezembro e no total foram contabilizados 2.756 votos. A lista B, de Paulo Teixeira e Aventino Lima, contabilizou 1.410 votos e a lista A, de José Carlos Resende e Armando Oliveira, 1.201 votos. Em entrevista à Advocatus/ECO — no dia que tomou posse do cargo –, o novo líder dos solicitadores e agentes de execução explica as suas prioridades e qual a sua posição face ao tema quente do momento: a previdência desta classe e dos advogados.
Que reformas precisa esta profissão?
À Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução foi conferido legalmente um conjunto diversificado de atribuições, das quais se destaca a colaboração na administração da Justiça, sendo esta fim último do Estado. Não se trata de um mero auxílio na prossecução dessa nobre causa, já por si delicada e prestigiante, mas de uma efetiva e ativa participação, apresentando propostas de melhoria do funcionamento da Justiça em Portugal e estando permanentemente disposta a aceitar e criar novos desafios em prol desse fim comum. Esse tem sido o timbre desta casa e sê-lo-á no futuro, sem a mais pequena hesitação.
Os Solicitadores e os Agentes de Execução têm a plena consciência que a tutela dos seus interesses pode ter de ceder quando em causa estiver a defesa intransigente dos direitos e legítimos interesses do cidadão, aliás destinatário último da nossa atuação e da do Estado. No entanto, e em tanto quanto for possível, é nossa vincada tarefa almejar a harmonização entre a proteção dos interesses legítimos do cidadão e os dos nossos associados. Assim se consegue transmitir uma mensagem de transparência, tranquilidade e de segurança.
É uma profissão muito envelhecida?
Não é uma profissão envelhecida, muito pelo contrário. Todos os anos entram cerca de 250 novos solicitadores na classe, oriundos das variadas licenciaturas em direito e em solicitadoria que existem no país, e o que, na verdade, ressalta é uma base muito jovem – com 22 anos já é muito natural que estejam a exercer. Portanto, não é uma profissão nada envelhecida: está cada vez mais a ser renovada e o caminho passará pela manutenção dessa camada jovem de solicitadores.
A OSAE lutará incessantemente para encontrar a melhor solução que sirva os interesses dos beneficiários da CPAS, seja pela eventual integração na Segurança Social, seja pela manutenção da sua existência em resultado de vincadas reformas.
Está há muitos anos na estrutura da OSAE, mas saiu no início de 2021. Porquê?
Saí, fundamentalmente, para poder, de uma forma legítima, expor em público as ideias que tenho e que podiam, naturalmente, ser contrárias às do Conselho Geral. Enquanto pertencesse ao Conselho Geral estaria vinculado àquilo que era a manifestação democrática dos seus pares. Portanto, sair permitiu que pudesse agilizar a campanha defendendo ideias, que são as ideias do nosso grupo agora eleito e que eram, muitas delas, contrárias às do Conselho Geral até então.
E porque só agora decidiu ir a votos?
Vou a votos há muitos anos porque já fui eleito para esta casa em vários momentos, seja como presidente regional durante dois mandatos consecutivos, seja como vice-presidente durante outros dois. Não é a primeira vez. Fui agora a votos porque estatutariamente chegou o momento de se promoverem eleições nacionais e chegou também o momento de “dar o salto” para aquilo que era uma vontade generalizada dos colegas em ver uma mudança. Ao que parece, veem o rosto dessa mudança personificado em mim e, consequentemente, decidi, em conjunto com muitos colegas – porque sem eles nada seria possível – avançar para uma candidatura.
Como explica o seu antecessor ter estado tantos anos a liderar a OSAE?
Pelas suas qualidades. Se não fez mais foi porque não sabia ou porque não podia. Mas, evidentemente, não podemos continuar o futuro desta casa deixando de honrar o passado. É natural que o meu antecessor tenha ficado vários anos na OSAE porque os colegas, certamente, nele se reviam e achavam que devia ser ele a levar por diante os destinos desta casa. Agora decidiram que devia haver uma mudança – é normal, faz parte da democracia e demonstra essa vitalidade democrática da nossa casa.
Tema quente que mexe com a classe: aumento das contribuições da CPAS. O que foi decidido foi o possível?
O futuro da Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores constitui fonte de enorme preocupação para todos nós. Os associados da OSAE, em resultado de uma assembleia geral especialmente convocada para o efeito, tomaram decisão soberana e como tal deve ser cumprida. Já é do conhecimento do Governo e da Assembleia da República o teor dessa decisão e esta direção lutará por ela. Outra atitude não é, nem seria, admissível.
Qual a sua posição face à integração da CPAS na Segurança Social? E em relação à possibilidade de optar entre a CPAS e a SS?
Se a livre escolha não vier a ser possível, designadamente em resultado dos trabalhos da comissão parlamentar que se mostrava criada para tal desiderato e que se espera venha a ser repristinada a muito breve trecho, a OSAE lutará incessantemente para encontrar a melhor solução que sirva os interesses dos beneficiários da CPAS, seja pela eventual integração na Segurança Social, seja pela manutenção da sua existência em resultado de vincadas reformas, para as quais a Direção da CPAS se mostrou e mostra empenhada.
Atendendo à gravidade do contexto (que assustou os profissionais, que se viram impedidos de trabalhar, sem rendimentos e, ainda assim, a continuarem a receber a conta da CPAS) podiam ter sido bem mais sensíveis.
Que balanço faz da atual direção da CPAS?
O grande problema da CPAS começou exatamente pela direção. Não é que as decisões que tomaram (de não suspender as contribuições) não estejam justificadamente alicerçadas na lei, porque com certeza que estão. Até pode ser discutível que uma direção como a da CPAS possa, por decisão executiva, suspender – por melhores que sejam as razões – as contribuições. Agora, acho que atendendo à gravidade do contexto (que assustou os profissionais, que se viram impedidos de trabalhar, sem rendimentos e, ainda assim, a continuarem a receber a conta da CPAS) podiam ter sido bem mais sensíveis. Acredito que se o tivessem sido – mesmo que houvesse alguma diminuição de receita, que facilmente se recuperaria mais tarde – todos os colegas iriam entender muito bem e não teríamos assistido a esta “bola de neve” que nunca mais parou. E para se combater um erro estratégico e de gestão, na minha opinião, da direção da CPAS, a solução que se apresenta é: extinga-se a CPAS. Não faz sentido. É preciso perceber se a direção da CPAS tem ou não condições para continuar e se deve ou não promover reformas. Se as fizerem, e se em resultado dessas reformas e dos estudos que estão a ser feitos, se verificar a viabilidade económica e a sustentabilidade da CPAS nas próximas décadas, julgo que não há nenhum solicitador nem nenhum advogado, em consciência, que não queira a CPAS.
Mas se não for essa a realidade, se verificarmos que, efetivamente, o futuro da CPAS, com mágoa ou sem mágoa, deixa de ser possível, então lutemos pela integração na Segurança Social, porque é o único sistema público de previdência. Não há outra solução. Mas a escolha não deve ser entre preto e branco, porque não é assim que funciona.
Há vontade política para mudar esse regime de previdência dos advogados e solicitadores?
Espero que seja repristinada a comissão parlamentar, que ela faça o seu percurso normal e que, até lá, a CPAS apresente os resultados dos estudos que está a fazer, precisamente para demonstrar não só a sua sustentabilidade a longo prazo, como também a apresentação de reformas que visem essa sustentabilidade e essa longevidade de existência.
O que é que o próximo ministro da Justiça tem de ter?
Bom senso, essencialmente. Tem de perceber que a Justiça, em Portugal, só funciona se tiver a preocupação de ter todos os seus operadores a trabalhar da forma mais harmoniosa possível, porque o fim último é que se administre convenientemente a Justiça em Portugal e que os cidadãos e as empresas sejam realmente destinatários dessa mesma administração. O que se espera de um ministro é que seja competente, que consiga ouvir, tenha bom senso, tenha equilíbrio e que respeite as diferenças.
Por fim, e ainda que não haja, e bem, quaisquer restrições colocadas ao exercício da atividade de solicitador, não deixa de ser inaceitável que se encare o exercício desta função de cariz social como inimigo de quem se desconfia permanentemente.
Que prioridades terá na agenda para levar ao novo MJ?
Sabemos que o exercício do mandato judicial em Portugal tem apenas dois atores. Será preciso recuar no tempo quase duas décadas para se encontrar argumentos justificativos de uma intervenção deveras limitada por parte de um deles. Em síntese, a parca capacidade para a representação em juízo tinha como principal razão de ser a sua impreparação de cariz teórico, em especial por não lhe ser exigida formação académica para o exercício da sua atividade. Volvidos quase 20 anos, subsiste injustificadamente um conjunto de limitações ao exercício dessa função. Julgamos estar certos ao afirmar que o Estado português administraria mais eficazmente a Justiça se os cidadãos e as empresas pudessem passar a contar com mais profissionais habilitados e preparados para este fim. Aliás, é quase paradoxal que a lei substantiva reconheça o solicitador como mandatário judicial e ao mesmo tempo ser praticamente equiparado às partes pela lei adjetiva. Urge mudar.
Outra questão prende-se com o apoio judiciário, que constitui, para além de uma enorme preocupação, uma perplexidade, tendo presente que há muito que o legislador entendeu e bem que para melhor acolher os direitos e interesses dos cidadãos carenciados economicamente, também os solicitadores o poderiam levar a efeito. O protocolo que a lei prevê há anos ainda não foi concretizado, não se atingindo o objetivo traçado, com prejuízo para os destinatários do apoio judiciário. Urge celebrá-lo, ou tomar medida legislativa que o supra.
Por fim, e ainda que não haja, e bem, quaisquer restrições colocadas ao exercício da atividade de solicitador, não deixa de ser inaceitável que se encare o exercício desta função de cariz social como inimigo de quem se desconfia permanentemente. A defesa dos direitos e interesses dos cidadãos e das empresas não se compadece com a constante negação de acesso a informações que constam de bases de dados públicas que não estejam ou mereçam estar sob segredo. Há que mudar urgente e radicalmente o modo como a Administração Pública se relaciona com os profissionais do foro, concedendo-lhes acesso direto e imediato, ainda que de modo controlado, às bases de dados públicas que não estejam sujeitas a justificado segredo. O acesso imediato, direto e controlado a tais bases de dados contribuirá, indiscutivelmente, para a certeza e segurança jurídicas.
O estado atual da Justiça é um entrave ao investimento estrangeiro?
No que diz respeito ao investimento estrangeiro, os solicitadores e, particularmente, os agentes de execução, têm uma palavra enorme a dizer: aquilo que já recuperaram, em termos económicos (as dívidas executivas), e a mensagem que foram passando de uma célere e eficaz recuperação dos créditos é, seguramente, a forma mais eficaz de demonstrar a quem quer investir em território português que, em caso de incumprimento das obrigações decorrentes dos negócios que possam ter, a intervenção do agente de execução, seja numa fase prévia (pelo PEPEX), seja na fase de execução propriamente dita, é uma forma de garantia de recuperação efetiva desses mesmos créditos, num curto espaço de tempo e com a eficácia que está mais do que demonstrada.
Que medida terá de ser prioritária do próximo Governo, na área da Justiça?
Os tribunais administrativos e fiscais devem ser uma das principais preocupações. A máquina fiscal, que comete um sem número de atropelos aos cidadãos, está mais ou menos tranquila porque sabe do mau funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais pela delonga processual. Portanto, quando um cidadão se vê na contingência de ter de reagir contra uma decisão tomada, por exemplo, pela autoridade tributária, sabe que, para poder discutir, tem de estar garantido o pagamento da dívida que lhe foi liquidada e que vai demorar anos a fio até que essa decisão seja tomada. Julgo que não há rigorosamente ninguém que queira manter esta situação, nem tão pouco quem é responsável diretamente pelos tribunais administrativos em Portugal. Por isso, uma das primeiras medidas deveria ser a reforma do modo como funcionam os tribunais administrativos, com o objetivo de eliminar esses entraves que não deixam que ninguém saia beneficiado. Os agentes de execução e os solicitadores, evidentemente, poderão ser – e serão, não tenho dúvida, havendo oportunidade para o efeito –, também eles uma fonte de mudança nesse sentido.
uma das primeiras medidas deveria ser a reforma do modo como funcionam os tribunais administrativos, com o objetivo de eliminar esses entraves que não deixam que ninguém saia beneficiado.
Considera que existe alguma alteração legislativa necessária para melhor o estado da profissão?
É premente que se elimine o modo atual de nomeação do agente de execução, repristinando-se um modelo alicerçado na distribuição, aliás modelo esse que nunca deveria ter sido abandonado.
Acresce que, com um modelo de distribuição (não necessariamente cego, nem linear) permitir-se-á evitar a médio prazo que se concentrem milhares de processos executivos em poucos escritórios de agentes de Execução, como se a sua concentração trouxesse algo de positivo a quem quer que fosse. A história recente já se encarregou de demonstrar, pelos piores motivos, o risco da concentração.
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