Apesar de o país ter chegado tarde à quinta geração móvel, as obrigações de cobertura foram cumpridas e o país recuperou, considera João Osório Mora, managing director da Cellnex Portugal.
Portugal foi dos últimos países da União Europeia a ter 5G, mas as operadoras “recuperaram bastante bem” e o país “fez uma recuperação bastante rápida da implementação” das redes móveis de quinta geração, defende o managing director da Cellnex Portugal, João Osório Mora, empresa que detém cerca de 6.300 torres de telecomunicações no país.
Há menos de um ano na liderança, o gestor, que tinha o pelouro financeiro antes de ser promovido, vaticina que as primeiras obrigações de cobertura até ao final de 2023, previstas no leilão de licenças, foram cumpridas pelas operadoras — informação que ainda não foi confirmada pela Anacom. Revela também que já construiu “mais de 700” torres desde que entrou no país em 2020, das quais nove em cada dez foram em zonas de baixa densidade.
Numa entrevista publicada na semana em que o setor vai estar reunido em congresso, por ocasião da conferência anual da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), João Osório Mora reconhece que as empresas de telecomunicações precisam de “mais eficiência”, o que diz ser uma das causas da consolidação. A possível venda da Altice Portugal, um dos seus principais clientes, não o assusta: “O nosso contrato é um contrato de 20 anos. Estamos cá para trabalhar com qualquer acionista.”
O nosso negócio é bastante bem visto pelos reguladores.
Falemos um pouco do setor. Como é que tem corrido o desenvolvimento do 5G em Portugal desde o final do leilão em finais de 2021?
O 5G em Portugal teve efetivamente algum atraso no seu início. Tivemos um leilão bastante demorado, mais de 200 dias, também porque houve muitas licitações — houve 1.700 licitações. Foi um concurso muito concorrido. Portanto, a opinião generalizada é que começou tarde. Dito isto, penso que os operadores — e a Cellnex também teve aqui um papel importante — recuperaram bastante bem este atraso. Nós conseguimos terminar 2023, que foi o primeiro marco em que existem obrigações de cobertura derivadas desse leilão e que não foram adiadas, com as metas cumpridas. Mais de quase 8.900 estações, salvo erro, das 15 mil que temos no país, já têm 5G. Isto permite uma cobertura de 91% da população em 5G. Penso que Portugal fez uma recuperação bastante rápida da implementação do 5G. A Cellnex, no apoio que deu aos seus clientes para modernizarem os seus sites com novas antenas e com novos equipamentos, também teve aqui um papel bastante importante na rapidez que este processo teve nos últimos meses e que vai continuar.
A Altice Portugal é um dos vossos principais clientes.
Sim, foi o nosso primeiro cliente e é um dos nossos principais clientes.
A Altice Portugal está à venda. A intenção do acionista é vender ativos para reduzir o endividamento. A concretizar-se, havendo uma venda pela Altice da operação em Portugal, como é que isso poderia ter impacto na Cellnex?
É naturalmente um tema que seguimos com bastante atenção. Mas nós não vemos na Altice, para já, de momento, nenhuma alteração significativa na nossa relação. Nós continuamos a desenvolver o nosso trabalho com a Altice a modernizar a rede. Recentemente, até já evoluímos na expansão dos nossos compromissos de construção de novos sites e de utilização de infraestruturas. Portanto, mantemos uma relação com a Altice, mesmo com estas notícias, bastante profunda e bastante intensa. A concretizar-se alguma venda, a Altice continuará a ser um player de referência em Portugal, continuará a precisar de reforçar e de modernizar a sua rede, e a Cellnex estará cá para, na eventualidade de termos um novo acionista, se relacionar da mesma forma como se tem relacionado no passado. O nosso contrato é um contrato de 20 anos. Estamos cá para trabalhar com qualquer acionista que possa vir a resultar deste processo, mas, para já, temos uma relação bastante normalizada. Nenhum comentário a esse respeito.
Como é que vê essa operação do ponto de vista do setor?
Para o setor, na eventualidade de vir a resultar um novo acionista, é importante que seja um acionista que continue a assegurar que a Altice continue a ser uma empresa de referência no nosso país.
Nós, como operador de infraestruturas, temos um contrato de 20 anos com a Altice e estaremos cá para trabalhar com qualquer investidor que possa resultar deste processo [venda da Altice Portugal].
A Saudi Telecom, como se fala, seria uma boa opção?
Não lhe consigo precisar se seria ou não uma boa opção. A Saudi Telecom é uma empresa que tem feito investimentos na Europa, é um dos maiores investidores da Telefónica em Espanha… é uma das possíveis opções.
E enquanto português, conhecedor do setor das telecomunicações, seria um comprador que lhe agradaria? Era bom para o país ter a Saudi Telecom a comprar a Altice?
Se me põe a questão de ser uma empresa nacional ou um investidor estrangeiro…
… é um investidor estrangeiro com características específicas. O anterior Governo, sem mencionar a Saudi Telecom, sugeriu que poderia ser travada uma operação com essas características. É nesse sentido que lhe faço a pergunta.
Aí deixaremos para o Governo tomar essas decisões. Nós, como operador de infraestruturas, temos um contrato de 20 anos com a Altice e estaremos cá para trabalhar com qualquer investidor que possa resultar deste processo. Se houver mudança, cá estaremos e acreditamos que continuaremos a dar todo o suporte à Altice para desenvolver a sua rede, quer no tema de novos sites que possam ser precisos, quer também no tema da modernização. Penso que, independentemente do acionista que vier, a nossa colaboração não vai mudar em termos de dimensão e em termos da nossa capacidade de ajudar a Altice.
“Setor das telecomunicações precisa de mais eficiência”
A concentração no setor é necessária?
Portugal tem dois movimentos a decorrer neste momento. Por um lado, tem uma concentração de um operador pequeno, que é a Nowo, que está a decorrer com a Vodafone, um processo que está longe de ser concluído. Por outro lado, também tem um novo entrante [a operadora romena Digi]. Portanto, temos aqui dois movimentos em sentidos contrários no nosso mercado. Eu penso que Portugal tem um mercado muito dinâmico de telecomunicações. Tem operadores bastante experientes e muito consolidados. Vamos ver agora como é que esta nova dinâmica vai resultar para o setor.
O CEO da Cellnex defende a concentração no setor a nível europeu.
Eu julgo que o nosso CEO não defende propriamente a concentração.
Defendeu numa entrevista que deu.
Defende no sentido de achar que o setor das telecomunicações precisa de mais eficiência. É um setor bastante maduro, que em termos de crescimento de novos clientes já atingiu o seu potencial, e é importante que as empresas encontrem mais alavancas de eficiência. A concentração é uma delas. Conseguem efetivamente, na parte dos custos, construir empresas mais competitivas desse ponto de vista. Portanto, mais do que uma defesa, penso que isto é mais uma constatação e uma direção que alguns países têm tomado e que algumas operadoras têm tomado. Por exemplo, em Espanha, e agora com a fusão entre a Orange e a MásMóvil, vamos ter menos um operador e é precisamente reflexo dessa tendência que temos visto. Em Portugal temos um novo entrante, que será aqui também um tema que foge a essa tendência.
As infraestruturas que já construímos em Portugal foram mais de 700 e mais de 90% foram construídas em zonas de baixa densidade ou de média densidade.
Falando de regulação, “apanhou” o final do mandato do anterior presidente da Anacom, João Cadete de Matos, e o início do mandato – que está prestes a concluir seis meses – da nova presidente, Sandra Maximiano. O ambiente regulatório é favorável a uma empresa como a Cellnex? O anterior presidente era muito a favor da neutralidade e da partilha de infraestruturas.
Nós, com o regulador, temos mantido uma relação de bastante proximidade. No passado, os reguladores tiveram de impor regulações para obrigar os operadores a dar acesso às suas infraestruturas. Ora, o nosso negócio é precisamente o contrário: maximizar a eficiência das infraestruturas. Desse ponto de vista, é um negócio que é bastante bem visto pelos reguladores. Quer com a anterior administração, quer com a nova administração, temos mantido um contacto próximo. Os nossos projetos incluem não só a rentabilização das infraestruturas existentes como também a construção de novas infraestruturas.
Para dar uma ideia, as infraestruturas que já construímos em Portugal foram mais de 700 e mais de 90% foram construídas em zonas de baixa densidade ou de média densidade. Quer isto dizer que muitos destes sites foram tipicamente em localidades que não tinham cobertura, ou que tinham fraca cobertura, e conseguimos trazer nova cobertura a esses locais, com sites que, em termos de especificações de engenharia, são dos mais robustos que alguma vez tivemos em Portugal.
Porquê? Porque foram sites que foram construídos de raiz para poderem ser partilhados por vários operadores, ao passo que os primeiros sites foram apenas construídos para um operador. Assim, temos estes 700 sites com estruturas bastante robustas que permitem vários operadores e em muitas destas localidades já temos mais do que um cliente a prestar serviços de comunicações móveis às populações.
Último tema. No ano passado, Portugal tomou uma decisão que surpreendeu o mercado: baniu empresas como a Huawei do desenvolvimento das redes 5G. Foi uma decisão bastante polémica e controversa. Na sua opinião, foi uma boa decisão de Portugal?
Foi uma decisão que foi em linha com recomendações europeias e que muitos outros países tomaram. Em termos da Huawei, a Cellnex não tem nenhum equipamento ativo nas suas infraestruturas e portanto não somos visados diretamente por essa medida. Acompanhamos na comunicação social, que os operadores estão a fazer os seus planos de implementação dessas medidas junto da Anacom, e nós cá estaremos para ajudar os operadores em tudo o que for necessário para a viabilização desse regulamento.
Eu sei que a Cellnex não é afetada. Pergunto-lhe se foi uma boa decisão.
Ia dizer-lhe que esta é uma questão que terá de colocar aos operadores. Do ponto de vista das infraestruturas, esta decisão que foi tomada abrange não só as infraestruturas de acesso de rede móvel como também as infraestruturas core da rede. Vou-lhe dizer, em termos de preocupação com as redes, eu penso que temos de ter aqui uma preocupação grande em termos de segurança das nossas redes. São redes que suportam serviços de emergência e temos toda uma população e empresas dependentes das tecnologias móveis. Um tema que eu acho que é muito importante para conseguir essa segurança é precisamente o tema da cibersegurança. Aqui, é um tema em que nós próprios também temos investido bastante e julgo também que as operadoras móveis têm tido um foco muito grande em ter as suas redes o mais resilientes possível. Penso que devemos canalizar bastante investimento para esse tema da cibersegurança.
Eu vou insistir: acha que o novo Governo devia revisitar essa decisão?
É uma questão que terá de colocar ao novo Governo.
É uma opinião sua, o que lhe estou a pedir.
Não tenho nenhuma opinião direta sobre esse assunto.
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Operadoras “recuperaram bastante bem” do atraso no 5G
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