Pedro São Simão, coordenador do Pacto Português para os Plásticos, diz que "luta contra o plástico não tem razão de ser". É preciso é “lutar” contra a poluição dos plásticos.
O Pacto Português para os Plásticos foi assinado por mais 50 empresas a 4 de fevereiro, em Lisboa, quando o mundo ainda não estava dominado pela pandemia de Covid-19, mas já sabia que algo tinha de ser feito para reduzir a poluição. Quase oito meses depois, este pacto entrou numa nova fase: o objetivo agora é “mobilizar os consumidores para a mudança de comportamentos” e uma utilização responsável do plástico.
A nova campanha de sensibilização tem como mote “Vamos Reinventar o Plástico” e o objetivo é mobilizar a sociedade no processo de transição para uma economia circular dos plásticos em Portugal, sem impactos no ambiente.
Hoje, o Pacto Português para os Plásticos reúne hoje mais de 80 entidades, entre marcas, produtores, retalhistas, recicladores, entidades gestoras de resíduos, Governo, universidades, ONG, poder local, assim como a comunidade, com um objetivo comum: acelerar a transição para uma economia circular para os plásticos, onde “continuamos a beneficiar das qualidades do plástico, garantindo que este nunca termina no ambiente”.
Em respostas enviadas por mail ao ECO/Capital Verde, Pedro São Simão, coordenador do Pacto Português para os Plásticos, faz o balanço dos últimos meses, período marcado pela pandemia. “A pandemia, de facto, conduziu a um incremento de consumo de plásticos de uso único”, alerta, mas lembra que “a luta contra o plástico não tem razão de ser”. É preciso é “lutar” contra a poluição dos plásticos.
Que balanço faz do Pacto dos Plásticos até agora?
Este primeiro ano, que considero o “ano zero” do Pacto, é um ano de conhecimento entre os diferentes agentes da cadeia de valor, que, pela primeira vez, se encontram unidos em torno de um objetivo comum – uma economia circular para os plásticos em Portugal, para nunca se converterem em resíduos. O balanço tem sido muito positivo. E pode ser comprovado pela dinâmica de crescimento de membros desta iniciativa – inicialmente eram 55 entidades (no dia de lançamento) e hoje somos 82. Agora, com o lançamento da campanha “Vamos Reinventar o Plástico”, queremos trazer para o Pacto Português para os Plásticos o elo mais importante da cadeia de valor – os consumidores portugueses. É fundamental que estes adiram aos propósitos desta iniciativa, pois só com eles, através das suas decisões de consumo e reciclagem, conseguiremos atingir as ambiciosas metas que nos propomos.
Os objetivos foram cumpridos do lado das empresas? Que metas destaca que já tenham sido atingidas?
O Pacto Português para os Plásticos tem um conjunto de metas a cumprir pelos seus membros até 2025. A primeira meta – “Definir, até 2020, uma listagem de plásticos de uso único considerados problemáticos ou desnecessários e definir medidas para a sua eliminação” – está em fase de conclusão a definição desta listagem. Quanto à segunda meta – “Garantir que 100% das embalagens de plástico são reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis” – há membros em que todas as embalagens que utilizam são 100% recicláveis, outros que já têm implementados modelos de reutilização de embalagem. A meta associada a uma maior reciclagem – “Garantir que 70%, ou mais, das embalagens plásticas são efetivamente recicladas, através do aumento da recolha e da reciclagem” – os últimos dados oficiais (de 2018) indicam que já estamos nos 44,3%. Esta meta é muito ambiciosa, e é uma meta onde o papel de todos os portugueses é fundamental, através de uma reciclagem de todos os resíduos. A incorporação de plástico reciclado em novas embalagens (meta 4 – Incorporar, em média, 30% de plástico reciclado nas novas embalagens de plástico) também tem vindo a ser dinamizada: sacos de supermercado, garrafas, embalagens de produtos de limpeza e higiene pessoal, muitos deles já têm 100% de plástico reciclado. A última meta – a sensibilização e educação dos consumidores portugueses – arranca agora a primeira grande iniciativa, que irá promover o consumo sustentável e circular dos plásticos. Não basta a cadeia de valor criar soluções sustentáveis, é fundamental que os consumidores as favoreçam nas decisões de consumo.
Em que medida a pandemia prejudicou a luta contra o plástico, já que muitos plásticos de uso único voltaram a serem usados em força?
A “luta contra o plástico” é uma luta sem razão de ser. De facto, nesta pandemia, verificou-se a grande importância dos plásticos na saúde e na prevenção da propagação da doença. Em grande parte, o nosso atual padrão de vida em muito se deve aos plásticos. Nos telemóveis, nos aviões, na roupa, nas máscaras de proteção, nas embalagens, os plásticos são, de facto, materiais incríveis e, felizmente, beneficiamos das suas qualidades no dia-a-dia. O que é preciso é “lutar” contra a poluição dos plásticos. E esse sim, é o foco principal do Pacto Português para os Plásticos. A pandemia, de facto, conduziu a um incremento de consumo de plásticos de uso único. Ao nível da saúde, mas também ao nível da restauração. No caso dos take aways, foram fundamentais para um processo de transformação repentina de modelos de negócio de muitos restaurantes – a maioria nunca tinha utilizado este modelo antes da pandemia – e garantir, assim, a sustentabilidade dos negócios. O uso de recipientes e utensílios descartáveis aconteceu, sobretudo, por falta de opção de soluções reutilizáveis. Por outro lado, durante a pandemia a reciclagem de embalagens de plástico aumentou em muitas regiões do país. E essa é uma das “ferramentas” fundamentais para eliminar a poluição de plástico.
A pandemia, de facto, conduziu a um incremento de consumo de plásticos de uso único. Ao nível da saúde, mas também ao nível da restauração.
Que análise fazem do possível adiamento da proibição dos plásticos de uso único?
Felizmente, muitos plásticos de uso único vão continuar a fazer parte do dia-a-dia, como é caso muito claro da saúde – seringas, máscaras de proteção, e outros produtos hospitalares. Outros há que são considerados problemáticos e/ou desnecessários, que são aqueles mais propensos a converterem-se em poluição, os mais encontrados nas nossas praias. Esses erão progressivamente removidos da economia, pela transposição nacional da Diretiva 904-2019 da União Europeia. Essa transposição deverá ser realizada até ao início de julho de 2021. Apesar desta data, muitos dos nossos membros já estão a encontrar, e implementar, alternativas sustentáveis para diminuir o uso de certos plásticos de uso único. A Lei 76/2019 impunha restrições à utilização de alguns destes plásticos de uso único no setor de restauração. Por ainda não existirem soluções alternativas comercialmente competitivas em Portugal para a reutilização num modelo de take away, e atendendo às enormes restrições e dificuldades que a restauração está a passar, é natural o seu adiamento. A entidade que fez este pedido de adiamento ao Governo – a ARHESP – é membro do Pacto Português para os Plásticos, assim como alguns dos seus associados. No entanto, é possível minimizar os efeitos deste adiamento. Todos nós, enquanto consumidores, podemos rejeitar os recipientes e utensílios descartáveis. Quanto aos que são mesmo necessários, devemos garantir que no fim os reciclamos, permitindo que estes materiais possam voltar a ser utilizados em novas aplicações.
Só com a adesão dos consumidores portugueses ao Pacto Português para os Plásticos será possível criar um futuro verdadeiramente sustentável e circular?
Consideramos a adesão dos consumidores um ponto-chave para a concretização dos objetivos do Pacto Português para os Plásticos. Somos o único de 9 pactos deste género que que incluiu os consumidores nas suas metas para 2025. De nada serviria produzir embalagens reutilizáveis se o consumidor não as reutilizar, de nada serviria produzir embalagens 100% recicláveis, se o consumidor não reciclar e de nada serviria incorporar material reciclado em novas embalagens, se o consumidor não valorizasse esse facto nas decisões de consumo. Todos os esforços e investimento realizado pelos membros do Pacto seriam desperdiçados, se o consumidor não apoiasse, através das suas decisões de consumo, o Pacto Português para os Plásticos. Ao preferir soluções reutilizáveis, em vez de descartáveis, ao reciclar e preferir embalagens que o possam ser, ao escolher os produtos embalados com plástico reciclado, o consumidor cria a força necessária para a concretização da visão do Pacto. Têm sido os consumidores, através da sua visão atenta para as problemáticas ambientais – como é o caso da poluição dos oceanos – que têm estimulado as empresas a encontrar soluções mais sustentáveis.
A Lei 76/2019 impunha restrições à utilização de alguns destes plásticos de uso único no setor de restauração. Por ainda não existirem soluções alternativas comercialmente competitivas em Portugal para a reutilização num modelo de take away, e atendendo às enormes restrições e dificuldades que a restauração está a passar, é natural o seu adiamento. A entidade que fez este pedido de adiamento ao Governo – a ARHESP – é membro do Pacto Português para os Plásticos, assim como alguns dos seus associados.
De que forma os portugueses podem alterar os seus hábitos?
São vários os gestos e atitudes que os portugueses podem implementar para garantir a sustentabilidade e circularidade dos plásticos, e da economia como um todo. O primeiro gesto passa por reduzir. Reduzir aquilo que não é necessário: rejeitando uma palhinha, de plástico ou de papel, poupamos recursos e diminuímos resíduos. O segundo gesto passa por reutilizar. Um exemplo é reutilizar os sacos de supermercado. Depois devemos reciclar. Se todos o fizermos, criamos as condições necessários para aumentar o uso de plástico reciclado e evitar o uso de novos plásticos. O exemplo recente dos sistemas de depósito – onde uma garrafa é reciclada para se converter numa garrafa – é um caso muito visível do papel que o consumidor tem na economia circular. Sempre que vamos ao supermercado, podemos dar preferência e escolher, os produtos em embalagens reutilizáveis, os produtos em embalagens recicláveis e os produtos em embalagens que incorporam plástico reciclado – desde garrafas de bebidas a recipientes de detergentes. E a boa noticia é que muitas destas soluções não são mais caras que as alternativas.
Defendem mais projetos como o de recolha de garrafas nos supermercados?
Estes projetos-piloto que foram implementados – os chamados sistemas de depósito – têm um impacto muito relevante na circularidade. Permitem recuperar o material – o plástico – com um nível de qualidade muito alto, garantindo que este pode ser altamente valorizado no processo de reciclagem. No caso, garrafas geram garrafas. É um passo muito relevante para a promoção de uma reciclagem de qualidade, que cria as condições para um aumento do conteúdo reciclado em novas embalagens. Esperamos que, em breve, esta seja uma realidade generalizada em todo o território, acessível a todos os consumidores, para que todos possam contribuir para esta transição. Implementado em plena pandemia, em apenas três meses em 23 locais), este sistema permitiu recuperar mais de um milhão de garrafas.
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“Pandemia aumentou consumo de plásticos de uso único”. Mas a reciclagem também
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