O economista-chefe do suíço EFG Bank, Stefan Gerlach, lembra as “lições” do período da troika, aconselhando o governo português a “manter as políticas restritivas durante mais algum tempo".
Os países europeus que há uma década tiveram problemas orçamentais e tiveram de ser resgatados “tiraram lições dessa crise e perceberam o que tinham de fazer”. É o caso de Portugal, que “precisa de assegurar que não volta aos caminhos do passado” e que “já viu os benefícios” das contas certas, adverte Stefan Gerlach, economista-chefe do banco suíço EFG, sublinhando que o país deve “manter as políticas restritivas durante mais algum tempo”.
Em entrevista ao ECO, à margem de um evento para clientes realizado pelo EFG International no Porto, o vice-governador do banco central irlandês entre 2011 e 2015, que acompanhou de perto a crise das dívidas soberanas e o período da troika em Portugal, elogia a preparação académica no país — “está ao nível de qualquer outro lugar da Europa” –, que descreve como “muito atrativo para o investimento estrangeiro, em parte porque é muito fácil encontrar jovens qualificados e que falam inglês”.
A União Europeia está a começar a discutir a retoma das regras orçamentais em 2024, com Bruxelas a propor que sejam “baseadas no risco” e a sugerir uma “trajetória técnica” para países endividados, como Portugal, dando-lhes mais tempo para reduzir o défice e a dívida. Que caminho devia ser seguido?
Olhando para Portugal, o país fez grandes progressos em termos do rácio dívida/PIB e está a registar um excedente orçamental este ano. Se Portugal continuar a fazer isto, vai dar-se muito bem. Penso que os vários países que há dez anos tiveram problemas orçamentais, melhoraram. Tiraram lições dessa crise e perceberam o que tinham de fazer. A situação está muito melhor agora.
Portugal não deve temer a imposição de regras mais restritas?
Acho que não. Embora os políticos devam sempre ter um pouco de cuidado com o que pode dar errado e não pensarem que ‘os tempos são bons, os rendimentos estão a crescer rapidamente, o desemprego está baixo e devemos embarcar em grandes programas de despesa’. É que esses programas podem parecer muito diferentes seis meses depois, se o país entra em recessão.
A prudência é muito importante – principalmente naqueles países que historicamente talvez não tenham mostrado ser tão prudentes. É bom continuarem [nesse registo]. As políticas que levaram a uma melhoria extraordinária no saldo orçamental e na dívida face ao PIB precisam de ser continuadas por um tempo considerável.
Portugal deve manter um controlo apertado da despesa?
Sim. Deve manter essa estratégia de reduzir a dívida, sem gerar grandes défices orçamentais. Desta forma, se algo mau acontecer, tem alguma margem de manobra para registar um défice — o que requer que, numa fase mais favorável, realmente seja reduzido o stock de dívida. Portanto, Portugal deve manter o atual conjunto de políticas [restritivas] durante mais algum tempo.
Aprendemos é que é preciso manter as contas em ordem para conseguir sair melhor de uma crise. Tendo-se comportado bem nos últimos anos, Portugal deve lembrar-se dessa lição. Fez bons progressos, já viu os benefícios que isso tem e deve continuar a lembrar-se disso.
E falta concretizar algumas reformas estruturais?
Portugal é uma economia muito interessante e em muitos aspetos está muito bem. Um fator muito positivo é a mudança na composição da força de trabalho. Tem uma [geração] mais velha que é menos educada e uma educação nos mais jovens que está ao nível de qualquer outro lugar da Europa. Com o tempo, esta mão-de-obra mais jovem e educada tornar-se-á dominante em Portugal. Sendo mais produtivos, isso vai conduzir a salários mais elevados e a um maior crescimento da economia. Este é um aspeto fundamental.
Portugal ainda precisa de abrir mais a sua economia ao exterior?
Sim. Historicamente, por questões relacionadas com o anterior regime político, a economia portuguesa esteve muito fechada até há 50 ou 60 anos, mas Portugal está agora muito bem integrado na União Europeia. É um lugar muito atrativo para o investimento estrangeiro, em parte porque é muito fácil encontrar jovens qualificados e que falam inglês. Se quer ser um grande país exportador e deseja estar mais integrado com o resto do mundo, é claro que ter esta força de trabalho é extremamente útil.
Não vamos voltar a assistir na UE a uma guerra entre os blocos de países do Norte e do Sul?
Não me parece. Havia essa diferença histórica entre os países no que toca à prudência em matéria orçamental, mas essa distinção já é coisa do passado. Há que reconhecer que Portugal é, em muitos aspetos, uma economia jovem, moderna e com um grande futuro. Precisa apenas de assegurar que não volta aos caminhos do passado. Portugal tem uma economia em crescimento e bem gerida, a taxa de desemprego é baixa e parece que os bancos estão bem, assim como os governos no que toca ao posicionamento em termos orçamentais. Deve continuar nesse caminho.
Entre 2011 e 2015 foi vice-governador do banco central da Irlanda e assistiu a várias reuniões do conselho de governadores do BCE. Nessa altura, Portugal estava sob um programa de assistência financeira. Quais as lições dessa época que podem ser úteis para futuras crises na Zona Euro?
O mais importante é perceber que havia uma razão para países como Portugal, Irlanda, Espanha, Chipre ou Grécia terem um pacote [de ajuda]. Se voltarmos atrás e olharmos às variáveis e aos dados de 2008, poderíamos prever quais os países que teriam uma crise? A resposta é sim, de facto podíamos. Todos esses países tinham uma característica comum: arrecadavam menos de 40% do rendimento nacional em impostos. Olhei para isto quando estava no Banco Central da Irlanda e havia aí uma distinção clara sobre quanto os Estados arrecadavam em receitas.
O que é que isso significa?
Isso significa que se houver uma grande recessão e o Governo não conseguir aumentar os impostos, assiste a uma queda mais dramática na receita fiscal e vê um défice maior a desenvolver-se. E os investidores internacionais dizem: “olha, eles têm um défice enorme e muita dívida, isso não vai acabar bem”. Alguns dizem que houve uma especulação contra esses países. Em alguns casos, foram apenas os investidores em títulos de dívida desses países que começaram a preocupar-se sobre se eles tinham condições para pagar. Uma coisa que aprendemos é que é preciso manter as contas em ordem para conseguir sair melhor de uma crise. Tendo-se comportado bem nos últimos anos, Portugal deve lembrar-se dessa lição. Fez bons progressos, já viu os benefícios que isso tem e deve continuar a lembrar-se disso.
Como encara o aumento dos gastos com defesa na Europa? É algo permanente e que poderá afetar a performance económica?
Há muito tempo que havia uma certa ingenuidade em relação aos gastos com defesa em toda a Europa. Muitos países gastavam muito pouco, e temos de lidar com essas questões. As despesas com defesa em toda a Europa terão de aumentar, isso foi algo que aprendemos com os horríveis eventos do ano passado [guerra na Ucrânia].
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