Em entrevista ao ECO24, Paulo Rodrigues da Silva diz que os portugueses "não aproveitaram os ciclos de valorização dos mercados". Para o futuro aponta a necessidade de se criar produtos mais simples.
Paulo Rodrigues da Silva é claro: “O capitalismo popular à lá Thatcher não volta”. Para o presidente da Euronext o mercado atualmente está “muito mais concentrado” com mais investidores institucionais e menos particulares pelo que “o caminho é aconselhar as pessoas a ter uma carteira equilibrada“. Em entrevista ao ECO24 aponta a necessidade de haver produtos “ainda mais simples” dirigidos ao pequeno aforrador para aumentar o número de pessoas que investe no mercado de capitais em Portugal.
“As carteiras dos investidores portugueses têm poucos produtos de risco“, afirma Paulo Rodrigues da Silva, assinalando que são “muito enviesadas” por terem “essencialmente” depósitos a prazo. Na opinião do presidente da Euronext os portugueses “não aproveitaram os ciclos de crescimento e de valorização que ocorreram nos mercados”, explicando esse fenómeno com as diferenças entre como se investe na Europa e nos Estados Unidos.
O líder da Euronext Lisboa destaca que “a preferência europeia é por depósitos bancários: não há risco, há mais segurança, mas também menor rentabilidade”. Para mudar essa realidade Paulo Rodrigues da Silva aconselha os profissionais a transmitir alguma literacia financeira, apontando alguns princípios básicos — “não pôr todos os ovos no mesmo cesto” e combinar os produtos com o perfil da pessoa.
“O aumento da poupança é um imperativo nacional”
Na sua opinião esta não é apenas uma necessidade para o mercado de capitais, mas também para os níveis de poupança do país. “A taxa de poupança está nos níveis mais baixos historicamente e muito baixa comparativamente com os outros países”, alerta Paulo Rodrigues da Silva, pelo que o seu aumento devia ser “um imperativo nacional”. “Não é importante para os capitalistas, é [importante] para a economia“, defende.
Se não houver um incentivo [à poupança] que dê o pontapé de saída para uma alteração dos comportamentos, dificilmente vai ocorrer.
Mas para que tal aconteça é preciso “um incentivo que dê o pontapé de saída para uma alteração dos comportamentos”. Caso contrário? “Dificilmente” haverá maior poupança, conclui. Uma das ideias do presidente da Euronext passa pela criação de incentivo fiscal “ao investimento de longo prazo no setor produtivo”. Este seria “um reconhecimento de que a poupança é necessária porque existe pouco capital em Portugal”.
Por outro lado, há fatores em cima da mesa que podem piorar o atual cenário. Questionado sobre se o imposto nas transações financeiras pensado a nível europeu poderá prejudicar Portugal, Paulo Rodrigues da Silva foi direto: “Acho óbvio”. Mas também é cauteloso quanto aos seus efeitos. “Esperaremos para ver… quando lá estivermos teremos de viver com isso”, acrescentou.
“Temos uma obsessão por PME, mas devíamos ter uma obsessão por empresas que cresçam”
“Existem poucas empresas independentes em Portugal com base de capital — e que não sejam meramente subsidiárias — com dimensão relevante”. Em causa está o atual cenário do mercado de capitais onde existem poucas médias e grandes empresas relativamente a outros países, como Espanha. O diagnóstico feito pelo presidente da Euronext é justificado por uma adaptação do mercado que ocorreu nos últimos anos: houve fusões e aquisições que diminuíram o número de empresas em bolsa, mas as cotadas têm agora muito maior dimensão.
“Não tem havido novas empresas que eram pequenas e que cresçam o suficiente para se tornarem médias e irem para a bolsa“, afirma Paulo Rodrigues da Silva, assinalando que o desafio passa por se apostar em “empreendedores que tenham planos ambiciosos e credíveis”, com uma marcada vertente internacional. Nesta ótica, o presidente da Euronext deixa um recado ao pais: “Temos uma obsessão por PME [pequena e médias empresas], mas devíamos ter uma obsessão por empresas que cresçam”.
Não tem havido novas empresas que eram pequenas e que cresçam o suficiente para se tornarem médias e irem para a bolsa.
Apesar de considerar que a questão regulatória influencia a ida das empresas para a bolsa, o presidente da Euronext recusa fazer desse tema “um bode expiatório”. “Em Portugal temos a tendência de alocar a fatores externos a responsabilidade de coisas que não controlamos“, aponta, reconhecendo, no entanto, que a “carga regulatória tem vindo a aumentar”.
“O que seria importante era haver alguma discriminação entre as grandes e as médias empresas”, sugere, ainda que admita que “dificilmente vai mudar”. Porém, na sua opinião, é preciso “encontrar novos instrumentos que permitam que as médias empresas possam utilizar o mercado de capitais para ir para a bolsa“. Entre esses instrumentos estão os veículos de dívida para médias empresas, ideia que considera ser “bastante interessante”.
“Volatilidade voltou e provavelmente vai ficar”
Confrontado com as recentes variações das bolsas, incluindo a portuguesa, Paulo Rodrigues da Silva começou por dizer que “é preciso ter cuidado com previsões para o futuro”. Para já, considera que a atual correção é “saudável”, mas que a volatilidade não faz parte dessa correção. “A volatilidade voltou e provavelmente vai ficar”, afirmou, justificando com o otimismo em relação ao crescimento económico em todo o mundo.
Mas essa volatilidade não tem de ser necessariamente má, na sua opinião. “Quando não há volatilidade, as pessoas passam a achar que não há risco em investir nos mercados de capitais”, explicou, destacando que os investimento têm risco, mas também têm maiores retornos no longo prazo. “Do ponto de vista da Euronext, a volatilidade é boa, significa que há mais transações, mais derivados“, acrescentou.
Quando não há volatilidade, as pessoas passam a achar que não há risco em investir nos mercados de capitais.
Contudo, o crescimento de 15% verificado no mercado de capitais português em 2017 resulta de “um ajustamento tardio”. “A bolsa de Lisboa teve o maior crescimento das bolsas da Europa, mas também tínhamos tido quedas quando os outros mercados todos da Europa estavam a crescer”, explicou. Mas há outro fator: segundo o presidente da Euronext, 85% dos investidores na bolsa nacional são internacionais e, por isso, “os fluxos internacionais são muito mais determinantes para a evolução da bolsa do que propriamente os pequenos investidores”.
Paulo Rodrigues da Silva explica que houve uma alteração dos investimentos dos Estados Unidos para a Europa: “Os investidores internacionais acham que as valorizações na Europa são mais favoráveis do que aquilo que acontece nos EUA”. Para o líder da bolsa lisboeta os investidores consideram que “há um maior potencial de valorização” e Portugal, “como parte de uma bolsa pan-europeia, beneficia automaticamente desses fatores”.
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Presidente da Euronext, Paulo Rodrigues da Silva: “O capitalismo popular não volta”
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