• Entrevista por:
  • Helena Garrido

Ricardo Reis: Orçamento para 2017 tem de ser “responsável”

As contas públicas para 2017 deveriam privilegiar o corte da despesa pública e os impostos sobre o consumo como uma das formas de incentivar a poupança.

Ricardo Reis, economista, professor na London School of Economics, reflete sobre o que deveria ser a estratégia orçamental para 2017, falta sobre a reestruturação da dívida, um debate que considera ultrapassado e para o qual deseja boa sorte a António Costa. Quanto à possibilidade de um segundo resgate prefere colocar a questão de outra forma, na vontade política de conceder a Portugal um segundo financiamento.

Como é que deveria ser o Orçamento de Estado para 2017?

Tem de ser um orçamento responsável. Portugal é um país altamente endividado portanto não há espaço para gastar muito, acumular um grande défice e pedir ainda mais dinheiro emprestado. Quer lhe chamem austeridade ou não, – deixo para os políticos e para os comentadores da noite da televisão o que lhe vão chamar – , mas tem que ser um orçamento responsável.

O que é que é um Orçamento responsável?

No sentido de cumprir os objetivos do défice.

Sendo indiferente o aumento da tributação direta ou indireta?

Dentro do cumprimento dos objetivos do défice, que não são mais do que cumprir o pagamento, muito suave e muito gradual desta enorme dívida que nós temos, há escolhas políticas importantes entre aumentar impostos, subir despesa, que impostos aumentar, que despesa cortar. Aí, espero que sejam opções à esquerda, porque afinal foi nisso que os eleitores votaram e é para isso que o Partido Socialista deve apontar. E isto é compatível com opções que estimulem a economia, que não matem o setor do turismo, que não voltem a privilegiar alguns setores protegidos, rentistas, pouco concorrenciais, que continuem a estimular a concorrência da economia portuguesa.

Gostava que estimulássemos mais a poupança e isso implica menos IRS e IRC e mais IVA.

Ricardo Reis
Mas deveria ir-se mais para tributação direta e corte da despesa?

Tendo em conta o diferente menu de opções, tenho preferências por algumas políticas. Mas quero enfatizar que, não estou com isto a dizer que as minhas preferências são necessariamente claramente superiores. Eu preferia que houvesse um maior corte na despesa pública, porque me parece que é muito elevada para o nosso nível de desenvolvimento económico e porque continua, apesar das reformas do último Governo, a haver bastante desperdício em vários campos da despesa pública. Como muitos economistas, mas não todos, prefiro um sistema fiscal que recompense mais a poupança, num país que poupa pouco. E isso inclina-me a preferir aumentos nos impostos sobre o consumo, como o IVA, e não no IRS ou IRC, que são impostos sobre a geração de rendimento, ou seja, de riqueza. Prefiro antes taxar o consumo, ou seja, taxar as pessoas quando elas gastam o seu dinheiro, em vez de tributa-las quando produzem o seu dinheiro, sendo que a diferença entre os dois é o que poupa. E assim estimular a poupança no nosso país, que é muitíssimo baixa. Gostava que estimulássemos mais a poupança e isso implica menos IRS e IRC, mais IVA, tendo em conta o peso das diferentes formas de impostos em Portugal. Isto é uma preferência que eu assumo.

E que é coincidente com o atual Governo, prefere a tributação indireta à tributação direta.

Não, o atual Governo não subiu o IVA, subiu uma série de impostos sobre diferentes setores que prefiro ainda menos do que o IRS. É o tributarmos este ou aquele setor, de uma forma algo arbitrária, tendo em conta qual é que dá receita ou não.

Não gosto de impostos que incidem sobre setores específicos sem terem uma justificação.

Ricardo Reis
Mas a tributação do tabaco não é uma questão até de justiça, de desincentivar o consumo?

Concordo completamente, mas repare que quando o tabaco não pagava imposto nenhum especial dissemos isso, quando passou a pagar 10% dissemos isso, quando passou a pagar 20% dissemos isso e agora subiu mais uma vez. A determinada altura, se queremos que a taxa de imposto seja 500% vamos ser claros sobre qual é. Agora dizer sempre que os fumadores deviam pagar mais e mais…. Então porque é que não pomos já a taxa de imposto em 500€ por cada maço de tabaco? Parece-me que há um abuso desse argumento “vamos desencorajar as pessoas a fumarem logo vamos subir a taxa de imposto”. É um argumento correto se a taxa de imposto fosse zero. Tendo em conta que a taxa de imposto já é elevadíssima, acho que é preciso mais do que esse argumento.

E o imposto sobre os produtos petrolíferos que cai sobre os combustíveis, é exatamente o mesmo argumento?

Novamente, não gosto de impostos que incidem sobre setores específicos sem terem uma justificação. Já havia um imposto grande sobre os produtos petrolíferos, tendo em conta as externalidades sobre o ambiente que existem, portanto se querem aumentar mais não podem simplesmente dizer que querem taxar a poluição. Têm que dizer porque é que acham que o nível de tributação atual, já elevado, ainda é insuficiente ou inferior ao que deveria ser ótimo.

Ficar ou sair do euro? “Considero mais fortes os argumentos para ficar no euro”

Ricardo Reis
Porque é que Portugal não deve sair do Euro?

Portugal não deve sair do Euro porque recolhe bastantes vantagens da política monetária do Banco Central Europeu, no que diz respeito à estabilidade dos preços. A história portuguesa diz-me que se nós tivéssemos o nosso Banco Central teríamos tido uma grande inflação nos últimos dez anos, que não tivemos. Em segundo lugar, porque tendo contratos assinados em euros e tendo em conta que temos uma dificuldade muito grande em captar capital, tenho receio que houvesse uma ainda maior fuga de capitais de Portugal quando ele mais necessita, porque está muito endividado. E em terceiro lugar, porque o impacto da saída do Euro teria consequências no curto prazo muito graves, em termos da disrução das nossas exportações e da nossa capacidade de vender na Europa.

Conhece os argumentos de quem defende a saída do Euro, teríamos no curto prazo um problema, mas a médio longo prazo ganhávamos competitividade. Considera que isso não é um bom argumento?

É um bom argumento. Estamos a falar de efeitos. Eu referi alguns argumentos pelos quais seria melhor ficar no Euro. Há argumentos, legítimos, que consideram que seria melhor sair do Euro. Considero que os meus argumentos são mais fortes e têm mais relevância do que os outros, mas não nego os outros, são absolutamente válidos.

E o que é que devia ser escolhido na sua opinião?

Ficar no Euro, sem dúvida.

Reestruturação da dívida? “Desejo boa sorte a António Costa”

O FMI já perdoou a dívida a cerca de 21 países, mas estamos a falar de São Tomé e Príncipe, Ruanda, Burkina Faso.

Ricardo Reis

 

Devíamos batalhar pela reestruturação da dívida?

Parece-me um debate um pouco ultrapassado.

Mas não é a dívida que está a condicionar o nosso crescimento?

Hoje em dia, uma enorme fatia da dívida pública portuguesa, no seguimento do programa da troika, está no BCE, na Comissão Europeia e no FMI. Como tal, restruturar a dívida é, literalmente, obter um perdão por parte de instituições oficiais e não especuladores ou de investidores privados. Reestruturar a dívida significa convencer as instituições europeias e o FMI a darem-nos dinheiro, ou seja, convencê-los que nós devemos deixar de lhes pagar o que nos emprestaram. Estamos a falar de política ao mais alto nível, no sentido de decisões difíceis. Se se conseguir convencer os finlandeses, os espanhóis, os gregos a perdoarem a dívida aos portugueses, acho uma ótima ideia.

Agora, deve declarar unilateralmente que não paga? Com certeza que não. Não estamos a falar de meia dúzia de credores privados, provavelmente os tais banqueiros gordos com charuto. Estamos a falar, literalmente, das donas de casa na Alemanha e dos pedreiros na Grécia que vão pagar mais impostos para perdoar a nossa dívida. Se se conseguir obter essa transferência, acho uma ótima ideia. Discutir isso como se fosse uma opção unilateral da parte portuguesa parece-me um pouco ultrapassado. Há quatro anos podíamos ter dito que não íamos pagar, a dívida era detida por bancos, investidores e outros. Neste momento a dívida é detida, na maioria, por organizações internacionais, por outros países, por outros contribuintes.

São poupanças dos outros europeus.

Exatamente. Podíamos resolver muitos problemas se limpássemos metade da dívida. Isso dava-nos espaço orçamental para adotarmos uma série de medidas, sobretudo na descida dos impostos, que nos permitiria estimular a economia do país. Mas, isso não depende de nós. E seria também negativo para os outros que não vão receber o dinheiro que nós prometemos pagar. Portanto, nesse sentido, desejo boa sorte a António Costa a convencer os espanhóis a não receberem o seu dinheiro de volta.

O FMI é difícil de convencer.

Nunca ninguém fez um default ao FMI na sua história. Aliás, em termos de direito é muitíssimo difícil haver qualquer perdão do FMI. O FMI já perdoou a dívida a cerca de 21 países, mas estamos a falar de São Tomé e Príncipe, Ruanda, Burkina Faso. Não estamos nesse estado. Não temos sequer moral para dizer que merecemos um perdão da dívida como esses países tiveram. Para além desses, ninguém alguma vez teve um perdão da parte do FMI. Tem a ver com a estrutura da instituição que não é apoiada por contribuintes, mas sim por empréstimos de vários países, incluindo Portugal, que querem receber esse dinheiro de volta e que não dão qualquer legitimidade política ao FMI para decidir perdoar financiamentos. O FMI, se perdoar a nossa dívida, tem de não pagar parte do empréstimo obtido junto dos governos do Burkina Faso, de Timor e da Indonésia… Os países dizem, nem pensar… E o FMI não tem dinheiro para nos perdoar. O FMI não empresta o seu próprio dinheiro. Quem lhe empresta são os seus membros. Estamos a falar de mais de 200 e tal países. Conseguir convencer esses países todos a perdoarem dívida, a não ser no caso de países como o Ruanda, acho muito difícil.

É mais fácil convencer os países do Euro.

Exatamente. E nesse caso, como disse, desejo muito boa sorte. Era uma ótima medida, mas não é unilateral. Os nossos políticos dizer que não, [podem dizer] que restruturavam a dívida, mas isso é um disparate. Não restruturavam a dívida, iam a Berlim, a Roma e a Madrid e pediam para nos perdoarem a dívida. E talvez lhes digam que sim ou talvez lhes digam que não. Mas é nesses termos que o debate tem que ser posto.

Segundo resgate? “Deixe-me pôr o tema numa perspetiva ligeiramente diferente. Há vontade na Europa e no FMI de nos dar um segundo resgate?

Ricardo Reis
Qual é a sua melhor previsão para Portugal? Será preciso um segundo resgate?

Penso que não. Espero que não. Mas tudo depende de nós, tudo depende das políticas que prosseguirmos. Deixe-me pôr o tema numa perspetiva ligeiramente diferente. Há vontade na Europa e no FMI de nos dar um segundo resgate? Tenho sérias dúvidas. Mesmo que nós precisemos de um segundo resgate. Talvez tenhamos agora aquilo que acontece quando se vai à falência e ninguém nos resgata. E talvez não sejamos tão críticos em relação ao que a troika fez em 2011.

Mas acha que existe essa possibilidade? Nós precisarmos de financiamento e de ninguém o conceder?

Somos um país altamente endividado, que tem de continuar a renovar essa dívida, e que não cresce há 16 anos. Não conseguimos crescer. E se não temos a responsabilidade fiscal e a responsabilidade nacional de pagar o que devemos, então teremos com certeza muitas dificuldades económicas no curto prazo. Além de pormos a questão do resgate nos termos da necessidade, podemos também questionar se alguém está disposto a voltar a emprestar-nos dinheiro. E eu tenho dúvidas sérias. Não vejo como é que, no atual contexto político europeu, a Comissão Europeia estaria disposta a atravessar-se para nos dar dinheiro. E o FMI já foi claríssimo: vê os programas na Grécia, em Portugal e na Irlanda como tendo sido altamente generosos e um pouco fora da linha do que era a história da instituição. Tem havido enormes protestos de todos os países da América do Sul, que sofreram com programas de ajustamento e de austeridade dez vezes mais intensos do que o português e receberam dez vezes menos dinheiro e que dizem que esta questão europeia “nunca mais”. Dentro do FMI parece-me que a vontade política para voltar a dar uns acordos tão generosos aos países da Europa do Sul é mínima. Mas, estamos a falar de alta política e talvez eles sejam convencidos a fazê-lo.

  • Helena Garrido

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