A Calvelex, empresa de César Araújo, está a desautomatizar. O objetivo é apostar no valor acrescentado e assim diminuir o número de peças produzidas, mas aumentar a faturação.
A Calvelex, empresa de vestuário continua a ambicionar afirmar-se como uma referência na produção de vestuário feminino. César Araújo, o homem que preside à empresa e à ANIVEC diz, em entrevista ao ECO, que a Calvelex está apostada em “desautomatizar”. Para o gestor, que confeciona para algumas das melhores marcas mundiais, “há clientes dispostos a pagar para ter um produto manual”.
No fundo, explica o presidente da Calvelex, trata-se de subir na cadeia de valor, “apostando em produtos com maior valor acrescentado”. É também a pensar nessa aposta que a empresa vai continuar a diminuir a produção. De um milhão de peças feitas por ano, a empresa já passou para as 800 mil e a ideia é atingir as 700 mil.
O responsável assume-se, no entanto, preocupado com a conjuntura económica, mas diz não poder “condicionar o futuro, porque isso pode colocar em causa a sustentabilidade” da empresa.
Nos próximos anos, César Araújo afirma que quer “ser uma referência a nível mundial nos serviços, no desenvolvimento do produto, na inovação, na consultadoria ao cliente, na transformação. Queremos ser o verdadeiro parceiro de negócio do nosso cliente“.
César Araújo defende também o caminho das marcas próprias. “Um caminho difícil, mas que tem de ser feito”, pelo que a Calvelex dispõe já da Frenken e da Helen McAlinden.
Como é que correu o ano de 2018?
O ano correu bastante bem, mas não digo a faturação nem o nome dos clientes. Nós temos vários escritórios espalhados pelo mundo — Holanda, Irlanda, Londres, Hong Kong –, isto é um negócio que tem diferentes áreas de atuação, todas inseridas no vestuário.
Mas há nuvens ou não a pairar sobre o setor?
É preciso ver o seguinte: hoje, a indústria do vestuário tornou-se de tal maneira inovadora e tecnológica que é preciso estarmos sempre a reinventar e a evoluir no negócio. Passamos de meros produtores para alguém que já desenvolve produto, que passa a ser um conselheiro do próprio cliente e que o cliente ouve e olha com muita atenção. Deixámos de ser os tradicionais homens de linha e agulha para passarmos a oferecer outro tipo de atividade ao cliente. Antigamente, os serviços eram uma área que quase não existia. Hoje posso dizer-lhe que 30% da nossa empresa é feita em serviços, desde o desenvolvimento do produto à inovação, passando pelo aconselhamento do tecido, à criação dos próprios moldes…
A indústria do vestuário tornou-se de tal maneira inovadora e tecnológica que é preciso estarmos sempre a reinventar e a evoluir no negócio.
Mas quando falava nas nuvens do setor, estava a falar da questão da Turquia, do Brexit, dos Estados Unidos…
É verdade que temos a questão da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, temos a Turquia que tem o instrumento de desvalorização da libra e que nós não temos. Não vou dizer que não é correto, mas a verdade é que Portugal não pode jogar em situação de igualdade. Nos últimos dois anos, a lira turca desvalorizou mais de 30%. Quer dizer que a própria Turquia ficou mais barata, não nas matérias-primas mas na produção e, até na própria energia, tudo é mais barato.
A Calvelex não se ressentiu de nenhum desses fatores?
Não, porque uma das coisas que temos vindo a fazer é a desautomatizar os nossos produtos industriais, porque queremos mais clientes, mais mercados e queremos minimizar o risco comercial, o que nos permite reduzir a produção. Na Calvelex fazíamos um milhão de peças, agora estamos a fazer 800 mil e queremos, nos próximos três anos, reduzir para 700 mil. É esse o nosso patamar.
Qual é o objetivo?
O objetivo é termos um produto de valor acrescentado. Queremos reduzir o número de peças, mas aumentar o volume de faturação. No fundo, fazer peças com maior valor acrescentado, ou seja, peças mais caras.
Quer trabalhar para o segmento mais alto?
Sim, queremos pôr a cereja no topo do bolo e, ao mesmo tempo, aumentar a vertente dos serviços.
Queremos reduzir o número de peças, mas aumentar o volume de faturação. No fundo, fazer peças com maior valor acrescentado, ou seja, peças mais caras.
Portanto acredita que esse subsegmento não vai ressentir-se com as variáveis todas que pairam sobre a economia e, em particular, sobre o setor têxtil e vestuário?
Hoje em dia, quer queiramos quer não, as encomendas podem reduzir mas o volume de faturação aumentou. Há mais gente a comprar roupa, há países que há dez anos lideravam o comércio mas que agora estão em terceiro e quarto lugar. Isto não quer dizer que perderam quota de mercado, porque há mais gente a comprar mais peças. Mas temos de olhar para os valores e perceber porque é que um deixou de ser líder e isso não se refletiu nas contas.
Agora há uma preocupação porque as empresas que não conseguirem inovar precisam de o fazer rapidamente. O cliente já não vem a Portugal, somos nós que temos de ir ter com o cliente. Portugal está bem posicionado, estamos geograficamente perto dos EUA, da Europa, e da própria Ásia, para onde podemos despachar as nossas mercadorias pelo mar. E, hoje em dia, até temos o caso da própria logística a nossa favor. Podemos pôr as encomendas em qualquer parte do mundo num máximo de 72 horas. Se voltar dez anos atrás, isso era impensável. Hoje a rapidez com que tudo se faz é de tal maneira que, se nós industriais não evoluirmos, podemos pôr em causa a nossa subsistência.
Hoje a rapidez com que tudo se faz é de tal maneira que, se nós industriais não evoluirmos, podemos pôr em causa a nossa subsistência.
Quando fez o orçamento para 2019, fez alguns cortes atendendo à conjuntura económica que existe?
Nós somos sempre disciplinados.
O grupo Valérius, por exemplo, admitiu que fez cortes no orçamento da ordem dos 20% devido à conjuntura económica.
Não cortamos. Tento ser mais eficiente, sempre num espírito de equipa e parceria, vou tentar sempre juntamente com os nossos parceiros não aumentar preços.
Mas a conjuntura económica não o preocupa?
A conjuntura económica preocupa-me imenso, mas eu não posso condicionar o meu negócio, eu tenho de contrariar. Aliás, digo muitas vezes: se já faço e faço bem, tenho é de colocar mais equipas no terreno, tenho de motivar mais essas equipas e torná-las mais dinâmicas, de modo a que façam mais com menos. Não posso condicionar o futuro porque isso pode colocar em causa a minha sustentabilidade. A nossa preocupação não é o crescimento mas mantermo-nos sustentáveis.
E o Brexit, por exemplo, não é preocupante para o setor?
Em relação ao Brexit, mais do que um problema para o setor do vestuário, é um problema para o país. Esta situação de indefinição, de não se saber como é que o mercado inglês vai atuar a partir de março, porque uma coisa é a desvalorização da libra, outra coisa é colocar uma fronteira e uma quota aduaneira. Desde que se começou a falar há dois anos sobre o Brexit, a libra já desvalorizou mais de 15 a 20%. E se houver um Brexit forte, a libra pode desvalorizar mais 20 a 30%, em dois anos estamos a falar de 50%, o que é muito. Se a libra fosse forte e a taxa aduaneira fosse 12% era só 12%, nesse caso Portugal não corria riscos.
Quanto é que a Calvelex exporta para o Reino Unido?
Em média, exportamos 10% do nosso volume de faturação para o Reino Unido. Já exportámos mais mas, nestes últimos dois anos, fomos reduzindo. A Calvelex trabalha 100% para o mercado de exportação, agora muitos dos nossos clientes ingleses, que têm atividade fora do Reino Unido, já nos estão a pedir que toda a logística e distribuição seja feita por Portugal. Isto implica que não tem de ir a Inglaterra, não há taxa aduaneira e eu, através de Portugal, distribuo para todos os países.
Uma maneira de contornar o Brexit?
O produto não precisa de entrar em Inglaterra e sair de Inglaterra. Claro que o produto que for para vender em Inglaterra leva, ou com a desvalorização da libra ou com a taxa aduaneira que vier a ficar definida. No nosso caso, por exemplo, já estamos a deixar de vender em libras e estamos a vender em euros mas, se o cliente ficar pobre — quer seja em euros, quer seja em libras –, ele não tem dinheiro para pagar.
Quando diz que quer reduzir a produção e aumentar o valor acrescentado, não vai pôr em causa o número de postos de trabalho?
Não, porque estou a acabar com a automação. Estou a empregar mais gente. O que acontece é que Portugal tem de se posicionar com a excelência no mundo, nós temos na industria do vestuário perto de 100 mil postos de trabalho, com tendência a reduzir, por isso Portugal não pode competir com os outros países pela quantidade, deve competir pelo valor acrescentado e pela qualidade do produto.
Portugal não pode competir com os outros países pela quantidade, deve competir pelo valor acrescentado e pela qualidade do produto.
O Made In Portugal valoriza as peças?
Valoriza, claro que sim, por um conjunto de fatores. Nos últimos dez anos, Portugal conseguiu dar um passo não só no vestuário, no têxtil e no calçado, mas também no vinho do Porto, no setor dos vinhos, nas próprias adegas, e no turismo, onde a qualidade aumentou, apesar de precisar de trabalhar mais a parte dos recursos humanos porque, quando oferecemos um produto de luxo temos de ter um acompanhamento dos serviços. Tudo isto faz com que as pessoas hoje gostem de Portugal, digam que é bonito e gostem da própria história e cultura.
Defende as marcas próprias, a Calvelex tem marca própria?
Defendo o caminho das marcas próprias, é um caminho difícil mas que tem de ser feito.
É a única forma de crescer?
Sim, não nos podemos esquecer que há uma alteração radical na forma de fazer negócio no mundo. Hoje em dia tudo tem a ver com a rapidez com que o consumidor consegue adquirir um produto.A indústria é importante porque ela é que transforma a matéria-prima no produto acabado mas, se o comércio evolui no business to consumer — porque hoje todos fazemos business to business –, temos de estar na primeira linha e, para isso, é preciso marcas. E ninguém faz o business to consumer sem marcas, esse é um caminho que tem de ser feito.
Mas esse caminho é feito individualmente por cada uma das empresas ou deve ser uma coisa mais estrutural?
Tem de haver uma política para estímulo das marcas.
Uma espécie de parceria público-privada?
Não é uma parceria público-privada, é um caminho porque todos beneficiamos se tivermos uma indústria excelente e num patamar de luxo. O próprio país beneficia e, quer queiramos quer não, isto não é o privado, nem é o Estado, nem é o público, isto é uma sociedade que se envolve e que permite melhorar a qualidade de vida da população. E que consegue que os nossos produtos sejam de valor acrescentado.
A Calvelex está preparada para fazer esse caminho?
Está, já temos duas marcas próprias no segmento de luxo. Mas nem toda a gente tem de ir para o luxo, nem toda a gente tem de ir para as marcas e eu respeito essas opiniões. Quem quiser ir para as marcas, vai para as marcas. Quem quiser manter-se na indústria, mantém-se na indústria, porque há lugar para todos.
Mas não está a pensar em abandonar os clientes com quem trabalha?
Não. As nossas duas marcas estão sediadas fora de Portugal. Portugal tem uma população de 10 milhões e, hoje em dia, as marcas não têm nacionalidade. Quando criamos uma marca, e quando dizemos que o caminho de Portugal será as marcas, é sobretudo para aquilo que consideramos o nosso mercado doméstico, que é a Europa com os seus 500 milhões de habitantes. Há que conquistar a Europa e penetrar nesses mercados com calma. Não se cria uma marca de um dia para o outro, tem de ser um caminho de muitos anos.
Há que conquistar a Europa e penetrar nesses mercados com calma. Não se cria uma marca de um dia para o outro, tem de ser um caminho de muitos anos.
Portanto faz esse caminho paralelo, desenvolve as suas marcas e vai produzindo para os seus clientes?
Sim, mas a vantagem é que nós somos como a agricultura só que, na agricultura, sabemos que há três, quatro, seis meses. No nosso tipo de indústria, temos de pensar a longo prazo, no mínimo cinco anos, e depois é preciso muito trabalho.
Fale-me das duas marcas próprias da Calvelex.
Temos duas marcas próprias de que, aliás, eu não gosto muito de falar. São ainda pequenas, diria que são duas startups. No caso da Frenken, destina-se a uma mulher entre os 22 anos e os 50 anos, sofisticada, focada no business. Depois temos a Helen McALinden, também dedicada à mulher com mais de 35 anos, é tudo desenvolvido aqui em casa.
Qual foi a primeira a ser criada?
A primeira a ser criada foi a Helen McAlinden e só depois é que veio a Frenken, em 2017. São marcas globais, vendemos em 20 países e já temos 100 wholesalers. Defendo o caminho das marcas mas ainda quero testar o mercado. Este caminho exige um esforço financeiro grande e, depois, temos ainda a questão de estarem concentradas fora de Portugal. Todos sabemos que qualquer borboleta na Ásia faz uma tempestade na Europa.
E pensa abrir lojas próprias?
Não. Isto ainda está em fase embrionária e só se pode comprar online.
Quanto é que a Calvelex investe em média?
Nos últimos três anos investimos mais de um milhão de euros só na renovação do equipamento. Na Calvelex já temos cantina e apoios sociais aos nossos funcionários há muito tempo porque, para nós, o respeito pelas pessoas é fundamental. Não se tem 700 funcionários se não tiver um carinho especial pelas pessoas e pelo trabalho que elas desempenham, mas agora o que vemos no futuro é mais investimento nos serviços.
O que quer dizer quando fala nos serviços?
Queremos ser uma referência a nível mundial nos serviços, no desenvolvimento do produto, na inovação, na consultadoria ao cliente, na transformação. Queremos ser o verdadeiro parceiro de negócio do nosso cliente, e tudo isto é bem aceite pelos clientes. É por isso que estamos a fazer a desautomatização, não é fácil desautomizar uma empresa.
É também a pensar no cliente que criou a maior “tecidoteca” do mundo com mais de 20 mil referências de tecidos?
Criamos a Fabrics4Fashion, a maior tecidoteca do mundo, temos mais de 20 mil referências de tecidos, 36 mil referencias de matérias-primas e temos 20 mil digitalizadas e 7.500 online. O objetivo é que o cliente chegue aqui e possa escolher um leque de tecidos e padrões na nossa tecidoteca.
A desautomatização não é um processo inverso ao que se está hoje em dia a fazer?
É, mas acho que este é o caminho e acredito que o vou fazer com sucesso. Mas não é só esse o caminho: cada um de nós tem de dar o DNA à empresa. Se Portugal quer afirmar-se pela excelência no mundo, esse é o caminho. Há clientes que querem produtos manuais e estão dispostos a pagar por isso.
Para que países exporta a Calvelex?
Importamos matérias-primas e acessórios de todo o mundo e exportamos para mais de 40 países. O nosso principal mercado é a Europa, é aquele com quem temos mais proximidade. Depois temos os Estados Unidos, o Canadá, o Japão e a Coreia do Sul, estes dois últimos são mercados com muita sofisticação. Há países que são demasiados protecionistas, querem o mundo mas não dividem a reciprocidade do direito aduaneiro. Eu exporto um produto para o Brasil e todas as despesas são 100% superiores ao custo do produto, como é que vou exportar para lá? O Brasil exporta para a Europa e só paga 12%, há aqui alguma coisa que tem de ser revista.
Onde é que quer que a Calvelex esteja daqui a 10 anos?
Que seja uma referencia a nível mundial, que atinja um patamar de excelência tanto ao nível do produto como da qualidade de serviço.
Com quantos trabalhadores?
Mais do que os 700 que temos agora.
E vai faturar mais de 50 milhões?
Falar é fácil mas chegar lá é muito difícil. Se pudermos vamos fazê-lo, mas iremos seguramente fazer um crescimento com calma, com objetivo sempre na qualidade e no serviço.
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“Temos vindo a desautomatizar os nossos produtos industriais”, diz CEO da Calvelex
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