BCE segura o volante e prepara-se para congelar taxas de juro até 2027

O Banco Central Europeu prepara-se para uma nova pausa em Florença, mantendo as taxas de juro imutáveis num voo rasante entre falcões e pombas, que deverá durar os próximos dois anos.

O Banco Central Europeu (BCE) deverá manter esta quinta-feira as suas taxas de juro inalteradas pela terceira reunião consecutiva do conselho do BCE, numa decisão que reúne um consenso absoluto entre os economistas ouvidos pela Reuters e pela Bloomberg. Mas não só. A grande maioria dos especialistas antecipa inclusive que não só as taxas não sofrerão qualquer alteração esta quinta-feira como se manterão inalteradas até ao final do ano, assim como em 2026 e 2027 não haverá mudanças.

A decisão, a tomar em Florença após dois dias de discussão, surge num momento em que a inflação se aproxima da meta dos 2% e a economia europeia demonstra sinais de resiliência, levando os decisores de política monetária a considerarem que o atual nível de taxas se encontra num “ponto adequado” para dar suporte ao crescimento sem comprometer o controlo dos preços.

Segundo um inquérito da Reuters divulgado há uma semana, a totalidade dos 88 economistas consultados prevê que a taxa de depósitos se mantenha nos 2% na reunião de quinta-feira. Esta unanimidade contrasta com a incerteza que marcou os meses anteriores e reflete a crescente convicção de que o ciclo de cortes das taxas de juro — que reduziu os custos de financiamento em 200 pontos base entre junho do ano passado e junho deste ano — chegou ao fim.

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Mais relevante ainda é o facto de 45 dos 79 economistas (57%) acreditarem que esta taxa se manterá nos 2% durante todo o ano de 2026, um aumento significativo face aos 27 de 58 (47%) que partilhavam esta visão no inquérito de setembro.

Os resultados de um inquérito da Bloomberg divulgado na sexta-feira não só corroboram esta perspetiva de longo prazo como ainda vão mais longe, com os inquiridos a preverem que o BCE mantenha os custos de financiamento na Zona Euro nos 2% até 2027.

No entanto, a possibilidade de ajustamentos futuros não está completamente descartada. Cerca de um terço dos inquiridos prevê pelo menos mais um corte adicional aos oito já realizados desde o arranque do ciclo de cortes em junho do ano passado, enquanto 17% antecipa uma ou mais subidas até ao final de 2026.

Os comentários de responsáveis do BCE desde a reunião de setembro sugerem que a tensão latente entre ‘pombas’ e ‘falcões’ não escalou mais. Em vez disso, parece existir um acordo silencioso para esperar até à reunião de dezembro.

Carsten Brzeski

Economista-chefe do ING

A falta de abrandamento nos dados recentes de atividade económica e inflação fecha a janela para um corte adicional de ‘seguro’ por parte do BCE”, afirma Shaan Raithatha, economista sénior da Vanguard. A decisão de manter as taxas inalteradas é também “uma decisão na qual podemos certamente ver a lógica, dada a inflação e a saúde da economia subjacente”, refere Michael Field, responsável para os mercados europeus da Morningstar.

A reunião desta quinta-feira, que marca também a primeira presença de Álvaro Santos Pereira como governador do Banco de Portugal, será uma reunião sem grande história. Carsten Brzeski, economista-chefe do ING, chegou mesmo a descrevê-la como um evento que “dificilmente deixará um impacto duradouro”.

O responsável do banco neerlandês classifica mesmo esta reunião como um evento sem grande relevância, dada a escassez de informação nova disponível desde a reunião de setembro, a ausência de urgências prementes e, segundo o economista do ING, um acordo tácito entre ‘pombas’ e ‘falcões’ para aguardar pela reunião de dezembro.

“Os comentários de responsáveis do BCE desde a reunião de setembro sugerem que a tensão latente entre ‘pombas’ e ‘falcões’ não escalou mais. Em vez disso, parece existir um acordo silencioso para esperar até à reunião de dezembro”, destaca ainda Carsten Brzeski.

Isabel Schnabel, membro da comissão executiva do BCE e do conselho do BCE, afirmou, em meados de setembro, que o banco central deveria manter o seu nível atual de taxas de juro, citando riscos ascendentes para a inflação, enquanto o novo governador do banco central austríaco, Martin Kocher, comentou que havia “igual probabilidade” de um corte ou subida de taxas como próximo movimento do BCE.

A presidente do BCE, Christine Lagarde, e Fabio Panetta, governador do Banco de Itália, dão as boas-vindas a Álvaro Santos Pereira, o novo governador do Banco de Portugal, no Palazzo Corsini, em Florença, onde se realiza a reunião externa do Conselho do BCE.Dirk Claus/ECB Florença, Itália, 29 de outubro de 2025

Inflação controlada e economia resiliente

Os mais recentes dados divulgados pelo Eurostat mostram que a inflação na Zona Euro, medido pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) subiu para 2,2% em setembro, ficando ligeiramente acima do objetivo de 2%, mas ainda dentro de níveis considerados confortáveis pelo BCE. A inflação subjacente, que exclui energia e alimentos, situou-se em 2,3%. As projeções do BCE apontam para uma inflação média de 2,1% em 2025, 1,7% em 2026 e 1,9% em 2027.

Philip Lane, economista-chefe do BCE, numa intervenção feita na semana passada numa conferência, reforçou a postura cautelosa do banco central nesta matéria. “O conselho de governadores não está a pré-comprometer-se com uma trajetória de taxas específica”, salientando que as condições financeiras se tornaram “notavelmente menos restritivas, apoiadas por taxas de juro de curto prazo mais baixas e valorizações mais altas para ativos de risco, embora isto tenha sido parcialmente compensado por um euro mais forte”.

É também neste sentido que Paul Jackson, diretor global de pesquisa de alocação de ativos na Invesco, revela que “ficaria surpreendido se mudassem as taxas de política na reunião de outubro”, sublinhando que “a taxa atual é favorável à economia da Zona Euro e, com o apoio orçamental que está a chegar em muitos países — especialmente na Alemanha — esperaria que isto impulsionasse o crescimento económico em 2026″.

O relógio monetário do Banco Central Europeu marca uma pausa longa, talvez demasiado longa. Entre falcões e pombas, o BCE mostra sinais de pretender escolher o voo rasante: firme, cauteloso, quase imóvel

Embora o consenso aponte para estabilidade prolongada das taxas, os economistas não descartam completamente a possibilidade de ajustamentos futuros, dependendo da evolução dos dados económicos e de choques externos.

Carsten Brzeski do ING alerta que “a barra para outro corte é alta”, mas identifica vários fatores que poderiam pesar negativamente e ainda provocar um ou dois cortes adicionais em dezembro ou em 2026: um euro mais forte, impactos adversos atrasados das tarifas norte-americanas, um adiamento adicional do estímulo fiscal alemão, ou convulsões políticas em França.

Dennis Shen, economista da Scope, partilha preocupações semelhantes. Citado pela Reuters, refere não antecipar “mais reduções de taxas este ano, mas o BCE manterá as suas opções em aberto”, alertando para “uma apreciação significativa do euro para lá dos 1,20 dólares e cortes adicionais pela Reserva Federal” e que “o risco no final deste ano ou no próximo ano é para mais facilitação em vez de aperto”.​

A reunião desta quinta-feira deverá ser feita sem grande história, ao contrário da reunião de dezembro, encarada pelos especialistas como um evento que poderá trazer alguma novidade, uma vez que incluirá novas projeções que se estenderão pela primeira vez até 2028. E qualquer leitura de inflação abaixo de 1,7% para 2028 seria vista como um ponto de inflexão que poderia desencadear outra redução nos custos de financiamento, segundo os resultados do inquérito da Bloomberg.

O relógio monetário do Banco Central Europeu marca uma pausa longa, talvez demasiado longa. Entre falcões e pombas, o BCE mostra sinais de pretender escolher o voo rasante: firme, cauteloso, quase imóvel, mas consciente de que, num céu de incertezas, ficar parado também é uma forma de avançar.

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