Autarquias, freguesias e algumas empresas dão apoios complementares aos do Estado para ajudar a aumentar a taxa de natalidade. Mais dinheiro, mais tempo em família e produtos, os novos pais agradecem.
Em Portugal e na Europa a diminuição da taxa de natalidade tem preocupado os governos no século XXI. Das mudanças sociais às sucessivas crises, parece cada vez mais difícil inverter essa tendência. O Estado português tem os seus incentivos, mas não são suficientes para todos e, por isso, a nível local também se tenta combater o envelhecimento da população com incentivos complementares. Também algumas empresas dão apoios nesta nova fase da vida dos seus colaboradores, com o objetivo de equilibrar a vida pessoal e profissional. Mais dinheiro, mais tempo em família, produtos ou serviços, o que seja, os novos pais agradecem.
Em 2020 houve menos 2.283 nascimentos de mães residentes em Portugal, segundo dados preliminares do Instituto Nacional de Estatística (INE). Nos últimos anos a tendência não tem sido clara – este valor tanto desce como sobe -, mas é sem dúvida alguma inferior aos números da primeira década do século (sempre acima dos 100 mil, exceto em 2009) e do século passado.
Conscientes deste fenómeno, ao longo dos anos os governos foram criando apoios e incentivos para verem a sua população crescer novamente. Para as futuras mães e pais, é necessário conhecer a realidade portuguesa. Por cá existe a licença parental que pode durar entre 120 e 180 dias, dependendo se é ou não partilhada entre o casal. No entanto, as primeiras seis semanas têm obrigatoriamente de ser gozadas pela mãe. Neste período o pai terá também direito a 20 dias úteis (remunerados a 100%), sendo que os primeiros cinco dias têm de ser gozados imediatamente a seguir ao parto, enquanto os outros 15 dias podem ser gozados, ou não, de forma intercalada.
A forma como é partilhada a licença só os pais saberão, mas a sua decisão poderá afetar o valor que cai na conta ao final do mês. Se a licença for gozada apenas por um dos pais a duração pode ser de 120 dias, com remuneração a 100%, ou de 150 dias, mas assim a remuneração será apenas a 80%. Por outro lado, se a licença for partilhada, os pais podem gozar um total de 150 dias a ganharem 100% ou 180 dias a 83%. No caso de gémeos ou adoções múltiplas são dados mais 30 dias por cada criança além da primeira e sempre com 100% da remuneração. No caso de trigémeos, por exemplo, seriam dados 60 dias adicionais.
O cálculo da remuneração é feito tendo em conta o total das remunerações registadas na Segurança Social nos primeiros seis meses civis imediatamente anteriores ao segundo mês que antecede o início do impedimento para o trabalho. Mas os pais que queiram adotar ou ter filhos em Portugal não têm apenas direito a um subsídio parental. Além dos tradicionais serviços públicos de educação e saúde, o Estado dá também um abono de família pré-natal e para crianças e jovens (dependendo do escalão), creches gratuitas para algumas crianças e até deduções em impostos como IRS e IMI. Mas será o suficiente para que as pessoas queiram e possam ser pais? Ou são necessários apoios extra?
Autarquias tentam compensar o Estado: “não chega, mas é uma ajuda”
Além do papel do Estado, há certas zonas do país (especialmente no interior do continente) que querem aumentar a sua taxa de natalidade e fixar jovens e casais na região. Para tal, vão ainda mais longe que o Governo. Autarquias, freguesias e ilhas dão diversos apoios, que vão desde passes gratuitos para jovens, oferta de lanches ou refeições na pré e no 1º ciclo ou oferta de material escolar. No entanto, o mais comum é a atribuição de um subsídio aos novos pais.
Diversos municípios atribuem o dinheiro através do reembolso de despesas feitas no concelho para a criança, como é o caso de Nelas, Mealhada, Alcobaça e outros (de acordo com os regulamentos das respetivas autarquias). É também o caso de Lamego, que atribui um subsídio de 500 euros para compra de fraldas ou leite em estabelecimentos no município. Qualquer pessoa pode candidatar-se a este apoio, independentemente dos rendimentos, desde que as crianças estejam integradas em agregados familiares residentes (no mínimo 24 meses antes do nascimento) e recenseados em qualquer das freguesias do concelho (12 meses antes do nascimento) e que não tenham dívidas ao Estado. De acordo com os dados que a Divisão de Apoio Social da Câmara de Lamego forneceu à Pessoas, desde 2018 já 305 munícipes receberam este apoio.
O objetivo da câmara ao criar esta iniciativa, em 2013, era resolver o “problema demográfico, que decorre sobretudo das baixas taxas de natalidade registadas no concelho de Lamego”, daí a necessidade “urgente” da criação destes mecanismos, como se lê na nota justificativa do regulamento. Mas pode não estar a fazer efeito: os dados compilados pelo Pordata mostram que havia menos duas mil pessoas a residir em Lamego em 2019 face a 2010 e que a percentagem de jovens com menos de 15 anos diminuiu de 14,3% para 10,7%.
Lamego conta ainda com outra iniciativa: a partir do quinto mês de vida, as famílias têm acesso a um subsídio de frequência de creche se os filhos, até aos 3 anos, estiverem inscritos e frequentarem uma creche sediada no concelho. Contudo, a câmara explicou à Pessoas que este subsídio está a ser revisto no seguimento da publicação da Portaria que define as condições específicas do princípio da gratuitidade da frequência de creche, aprovada no Orçamento do Estado para 2020.
Noutros concelhos, o subsídio de apoio à natalidade é faseado ao longo dos três primeiros anos de vida, como em Oleiros, onde o valor total pode atingir os 5.000 euros (para bens alimentares ou materiais essenciais para as crianças). Ou como em Seia, onde é entregue um apoio mensal até aos 36 meses. Neste município da Serra da Estrela, os residentes há pelo menos um ano, e recenseados no concelho nos seis meses anteriores à data de nascimento da criança, podem pedir este apoio, desde que não aufiram rendimentos brutos mensais superiores a 1.750 euros (singular) ou 3.000 euros (casal). Além disso, não podem ser beneficiários dos abonos de família do Estado, pois o objetivo da autarquia, como explica a vereadora Cristina Cardoso, é compensar as famílias que perderam o direito aos abonos a partir de 2010.
Temos de ser realistas. Só este apoio não chega, mas é uma ajuda. Vai pagando as despesas, seja da creche, consultas ou vestuário
“Nessa altura houve muitas crianças que foram excluídas do abono e isso refletiu-se a nível nacional, mas também no concelho”, conta a vereadora. Assim, “o objetivo do município foi colmatar essa falha, ajudar as famílias e de alguma forma haver um incentivo à natalidade uma vez que tem havido uma redução do número de nascimentos e da população dos 0 aos 14 anos”. Este apoio é distribuído mensalmente e tem um valor de 50 euros nos primeiros 12 meses, 30 euros no segundo ano e 20 euros no terceiro (altura em que acaba o apoio). “Temos de ser realistas. Só este apoio não chega, mas é uma ajuda. Vai pagando as despesas, seja da creche, consultas ou vestuário”, diz Cristina Cardoso, lembrando que o valor é pago em forma de reembolso de despesas feitas no concelho. Desde 2015 até março deste ano, já 142 famílias receberam este apoio, oito das quais em 2021.
Mas este não é o único apoio disponibilizado pela Câmara Municipal de Seia – câmara distinguida pelo décimo ano consecutivo em 2020 pelo Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis. Em Seia as famílias têm também acesso ao apoio à vacinação infantil, aplicável no primeiro ano de vida do bebé, que corresponde ao reembolso de vacinas não comparticipadas pelo Plano Nacional de Vacinação, adquiridas no concelho e até ao montante máximo de 120 euros. Este apoio, para todos os bebés nascidos a partir de 2017, já chegou a 212 crianças, 16 das quais este ano.
Não só de dinheiro se fazem estes apoios. Em algumas zonas do país entregam-se “kits do bebé”, como acontece na Madalena (ilha do Pico, Açores). Ninguém fica de fora deste apoio, como sublinha o presidente da câmara, José António Soares, em conversa com a Pessoas: “Não excluímos ninguém. Toda a gente do concelho que se inscreva e tiver bebés recebe”. Os novos pais têm, assim, direito a um kit com produtos para o bebé (como fraldas, óleos, toalhitas e outros produtos de higiene) entregue duas vezes no primeiro ano de vida do recém-nascido. O autarca reconhece que “não é nada do outro mundo”, mas que “no início da vida do bebé faz a diferença”. Apesar de pouco, diz ser um apoio “acarinhado pelas mamãs e papás quando vêm recebê-lo”. Desde 2016, ano em que entregaram os primeiros kits, já foram oferecidos 222 kits.
Com este e outros apoios da autarquia que promovem a conciliação da vida familiar e profissional dos casais, José António Soares acredita que o município tem oferecido “melhores condições para que as pessoas possam viver e crescer”. E as estatísticas parecem concordar com o autarca, uma vez que “a Madalena registou, entre 2018 e 2019, o primeiro aumento populacional dos últimos oito anos, sendo o segundo município açoriano com o maior crescimento demográfico, neste período, de acordo com o INE”, indica a câmara. Além do mais, em 2017 o município registou a maior taxa bruta de natalidade (nascimentos por mil habitantes) do país, conjuntamente com Ribeira Grande, segundo os dados compilados pelo Pordata.
Mas não é só a nível regional ou municipal que se batalha contra o envelhecimento da população. Esta é também uma luta de Moreira de Cónegos, freguesia do concelho de Guimarães que viu muitos jovens emigrarem no início da década. “Com a última grande crise financeira os jovens saíram daqui para a Suíça, Inglaterra, Luxemburgo e sentimos que o nosso grupo etário da freguesia é agora considerado de terceira idade”, nota o presidente da Junta de Freguesia, António Brás. Por isso, foi proposto e aprovado o “Kit Recém Moreirense”, um apoio que dá a cada criança nascida ou adotada até aos cinco anos, um equipamento à escolha no valor de cem euros. “A grande maioria dos casais optam por uma vacina que custa 98 euros [valor da vacina da meningite tipo B, incluída no Plano Nacional de Vacinação apenas em outubro de 2020]”, conta António Brás. Este apoio já chegou a cerca de 15 crianças em 2020, ano em que a iniciativa começou. “Sabemos que é muito pouco, mas é o que uma Junta de Freguesia pode fazer”, diz, acrescentando que há uma empresa na freguesia que “dá 500 euros aos pais e se o casal trabalhar nessa empresa, são mil euros”. Como esta, há várias empresas pelo país, dispostas a dar uma ajuda extra aos seus colaboradores numa nova fase da sua vida.
Produtos, dinheiro e tempo em família: empresas querem colaboradores felizes
O início de uma família não depende só do casal e dos apoios públicos. A verdade é que a entidade empregadora onde a pessoa em causa está inserida pode ter um peso enorme na decisão para dar esse gigante passo pessoal. Com a luta pela igualdade de género ainda bem presente entre nós, as mulheres sentem ainda mais pressão para se focarem na carreira, não deixando que ninguém lhes tire o lugar que tanto lutaram por adquirir. Por esse motivo, é importante que as empresas deem a todos os colaboradores espaço para equilibrar a vida pessoal (seja com ou sem filhos) e profissional, apoiando o trabalhador nas novas fase que atravessa.
É nesta política que se reveem as empresas contactadas pela Pessoas. Para a ITSector, empresa tecnológica sediada no Porto, o “bem-estar e o work life balance dos colaboradores são a prioridade”. O mesmo para a IKEA, onde o “desenvolvimento do negócio só faz sentido a par do desenvolvimento das pessoas”. Por fim, também a Nestlé vê nos seus trabalhadores a base para o seu sucesso. Por estes motivos, estas três empresas dão o exemplo com os seus apoios à natalidade. O apoio pode ser de diversas formas e até mesmo monetário, como na ITSector. Conscientes da importância da família na vida das pessoas, a empresa atribui 500 euros pelo nascimento e adoção de cada filho. “É uma demonstração simples do quanto valorizamos e apoiamos este momento tão especial da vida dos nossos colaboradores”, indica Teresa Oliveira, diretora de recursos humanos da tecnológica.
Mas os apoios não terminam com um cheque de 500 euros. A empresa tem ainda uma “cultura de flexibilidade que prevê situações de ausências remuneradas para acompanhamento aos filhos”. Adicionalmente, com o objetivo de balançar a vida pessoal e profissional, a tecnológica trabalha com o regime que hoje se considera o futuro: modelo misto de trabalho remoto e presencial. “Permite aos nossos colaboradores estarem mais próximos das suas famílias e reduzir o tempo de deslocações, que podem investir junto das suas crianças”, justifica a responsável.
À semelhança da empresa tecnológica, uma das medidas implementadas na Nestlé para incentivar a natalidade e o tempo em família é a flexibilidade no trabalho. “Ao permitir que os nossos colaboradores façam uma gestão autónoma na forma como organizam o seu trabalho, nomeadamente em termos de horários e local a partir do qual trabalham, asseguramos que possam conciliar a sua vida profissional com as suas necessidades pessoais e de apoio familiar”, diz Maria do Rosário Vilhena, diretora de recursos humanos da empresa.
A Nestlé criou também salas de amamentação em todas as suas unidades. “Trata-se de um espaço onde todas as mães que pretendem prolongar o aleitamento materno após a licença de maternidade, possam extrair e conservar o seu leite, num ambiente acolhedor, confortável e com toda a dignidade e segurança. Naturalmente que o espaço também pode ser utilizado para que os progenitores possam amamentar a criança, em caso de necessidade”, refere. Além do mais, por escolha da mulher, o leite poderá ser doado ao Banco de Leite Materno. A empresa disponibiliza, ainda, gratuitamente os seus produtos de alimentação infantil durante o primeiro ano de vida do bebé e atribui desde o ensino pré-escolar até ao ensino universitário um apoio monetário para os estudos.
Adicionalmente, o colaborador tem acesso a um seguro de saúde apoiado pela empresa que pode ser estendido à família. Este tipo de seguro é prática habitual em diversas empresas, tal como na IKEA, onde existe um seguro de saúde e vida, extensível à família, para os colaboradores permanentes, como explica à Pessoas Claúdio Valente, country people & culture manager da IKEA Portugal. A empresa sueca tem também um “restaurante de colaboradores com preços reduzidos, serviço médico nas lojas e desconto para colaboradores na gama de artigos IKEA”.
Quando os nossos colaboradores crescem, a IKEA cresce também
Talvez mais importante seja o programa “Passa mais tempo com o teu bebé”, que permite estender a licença de parentalidade por mais dois meses além do período previsto pelo Estado, “e os colaboradores IKEA podem contar ainda com uma ajuda mensal, de forma proporcional às horas contratadas”. Adicionalmente, “a IKEA apoia com um valor numerário, no momento em que o colaborador se torna pai ou mãe” e “oferece vários produtos IKEA, essenciais para tornar os primeiros meses de vida do bebé ainda mais especiais”, conta o responsável. Cláudio Valente vê com “especial agrado” que há cada vez mais homens a usufruir da licença de parentalidade e do programa da empresa. “Mostra que há uma maior consciencialização da importância do equilíbrio da distribuição da responsabilidade em casa e que também os homens querem aproveitar ao máximo a oportunidade de acompanhar o nascimento e o crescimento dos seus filhos.”
Ao implementarem estes e outros apoios, as empresas sentem que os colaboradores estão mais felizes e veem retorno. Que o diga a ITSector, onde, segundo Teresa Oliveira, existe um “excelente ambiente de trabalho e bem-estar”, bem como uma “elevada taxa de retenção da empresa”. Também a Nestlé acredita que “a estabilidade na vida profissional e pessoal torna os colaboradores mais felizes e os colaboradores mais felizes comprometem-se com a empresa que os respeita”. A IKEA não é diferente. Nas palavras de Cláudio Valente, o objetivo da empresa é que “os colaboradores se sintam em casa e, sobretudo, motivados e valorizados” pois têm noção que “quando os colaboradores crescem, a IKEA cresce também”.
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Bebé a caminho? Há empresas e autarquias que dão uma ajuda extra
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