Com a inflação a descer há 6 meses, a estratégia da Fed parece estar a sair vencedora. O ritmo de subida de juros abranda mas Powell quer afastar o cenário de cortes que é esperado pelos investidores
Após a reunião de dezembro, a Reserva Federal dos EUA (Fed) deu ao mercado uma mensagem muito clara: a taxa de juro iria subir além dos 5% e permanecer acima deste patamar por um período prolongado. Os investidores seguiram firmes na sua perspetiva: a taxa terminal vai ficar abaixo de 5% e o segundo semestre será marcado por uma inversão total da política monetária, com cortes de juros.
Este “braço de ferro” entre o banco central dos EUA e os investidores conhece hoje um novo capítulo. Se prevalecer a máxima “don’t fight the Fed” (não lutes contra a Fed), são os investidores que ficarão do lado dos derrotados, pois Jerome Powell deverá manter-se firme na política monetária agressiva para garantir que a inflação permanece numa trajetória descendente.
Para já, a Fed parece no bom caminho com a estratégia que implementou para combater a inflação mais elevada em quarenta anos. A alta dos preços está a aliviar há seis meses consecutivos e a economia continua a crescer, sugerindo que o tão ambicionado soft landing (aterragem suave da economia), visto como pouco provável há um par de meses, pode ser uma realidade.
A Fed vai diminuir o ritmo da subida dos juros, aumentando-os em apenas 25 pontos base para não penalizar demasiado a economia, mas manterá a retórica mais agressiva para deixar claro que a guerra contra a inflação ainda não está ganha.
Contudo, como têm vincado os responsáveis da Fed, é ainda muito cedo para cantar vitória, pois a inflação homóloga (6,5% em dezembro) permanece bem acima da meta (2%). É por isso que o banco central vai esta quarta-feira dar mais um passo para apertar as condições financeiras, com o oitavo aumento consecutivo das taxas de juro do dólar (Fed Funds).
Ainda assim, perante o alívio da inflação e o abrandamento da economia, a Fed vai voltar a baixar o ritmo, com a generalidade dos economistas a apontar para um aumento de “apenas” 25 pontos base, que colocará a taxa de juro em 4,5%-4,75%.
A confirmar-se, será o segundo alívio consecutivo. O atual ciclo de aumento das taxas de juro arrancou em março de 2022 com uma subida de 25 pontos base, o ritmo aumentou para 50 pontos base em maio e seguiu-se depois quatro agravamentos consecutivos de 75 pontos base. Na reunião de dezembro, já com a inflação a abrandar, a Fed optou por 50 pontos base e agora deverá descer mais um degrau.
Depois de um aumento acumulado de 425 pontos base em 2022, a taxa de juro nos EUA já está num nível considerado restritivo para a economia. A Fed pode agora dar passos mais pequenos para avaliar o impacto desta que é a campanha de aperto da política monetária mais agressiva em 40 anos.
Ganhar tempo e evitar uma recessão
“A Fed vai querer alongar o ciclo de aperto da política monetária, dando passos mais pequenos, a fim de ganhar mais tempo para avaliar a dinâmica do crescimento e da inflação”, comenta Charu Chanana, Market Strategist do Saxo Capital Markets.
“Embora a inflação ainda esteja bem acima da meta e o desemprego num mínimo do ciclo, há sinais de que a economia está a reagir a uma política monetária mais rígida. A Fed estará ciente dos receios de que aumentar as taxas com muita intensidade e rapidez pode levar a economia à recessão”, salienta a equipa de economistas do ING.
O relatório do PIB dos EUA no quarto trimestre parece encorajador, com a maior economia do mundo a crescer a um ritmo anual de 2,9%, abrandando apenas ligeiramente face ao terceiro trimestre (3,2%). Contudo, este crescimento do PIB foi sustentado sobretudo pelo aumento dos inventários, enquanto o consumo das famílias ficou abaixo do previsto.
No mercado de trabalho, os sinais continuam a ser robustos. A economia norte-americana criou 4,5 milhões de empregos em 2022 (média de 375 mil por mês) e a taxa de desemprego recuou para um mínimo de 50 anos (3,5%) em dezembro. Perante os despedimentos em massa, que estão a ser anunciados sobretudo entre tecnológicas e bancos, as perspetivas para 2023 são mais sombrias.
No que à inflação diz respeito, a tendência é mais benigna, pois a taxa de inflação em dezembro atingiu um mínimo de outubro de 2021. Contudo, a inflação core, que exclui os preços da energia e matérias-primas alimentares “é a que mais preocupação inspira, uma vez que se pode enraizar e ser mais difícil de combater”, comenta Ricardo Evangelista, analista da ActivTrades, assinalando que “continua acima dos níveis considerados ideais.”
Desta forma, “penso que a Fed vai diminuir o ritmo da subida dos juros, aumentando-os em apenas em 25 pontos base, para não penalizar demasiado a economia, mas manterá a retórica mais agressiva para deixar claro que a guerra contra a inflação ainda não está ganha“, diz Ricardo Evangelista.
Powell contra evolução positiva dos mercados
Na frente dos indicadores económicos, a evolução da inflação, até agora, parece benigna para a Fed, pois a economia está a arrefecer a um ritmo suficiente para pressionar a inflação em baixa, sem que se verifique uma contração da atividade económica.
Contudo, a evolução dos mercados não está a agradar ao banco central. As bolsas norte-americanas já recuperaram perto de 20% face aos mínimos de outubro, a taxa de juro do crédito à habitação está a recuar, as yields das obrigações estão a afastar-se dos máximos do ano passado e o mercado continua a descontar uma descida das taxas de juro na segunda metade de 2023.
O alívio das condições financeiras para mínimos de abril de 2022 dificulta a missão da Fed em manter a inflação numa trajetória descendente. Daí que Jerome Powell não pode arriscar sair da conferência de imprensa desta quarta-feira com os mercados a reagirem em alta às suas palavras.
Foi isso que aconteceu em julho, levando depois Powell a mostrar as garras de falcão em Jackson Hole (final de agosto) e, com isso, a matar o rally de verão nas bolsas. Na reunião de dezembro voltou a ser bem notório o esforço do líder da Fed para infligir perdas nos mercados e corrigir as expectativas otimistas dos investidores.
Powell “não quer atirar mais gasolina para a fogueira do otimismo” dos mercados, comenta Ethan Harris, head of global economics research do Bank of America, perspetivando que o presidente da Fed vai sinalizar mais uma subida de juros em março e reforçar a perspetiva de uma taxa terminal acima de 5%.
“A Fed não pode estar contente” com a alta dos mercados, pelo que na reunião desta quarta-feira “vai pressionar o máximo que conseguir contra o alívio das condições financeiras”, refere Charu Chanana. A analista do Saxo salienta que a evolução positiva dos mercados e o risco de a reabertura da China reacender a inflação e pode levar a Fed a optar por uma subida de 50 pontos base em março.
A Fed não vai alterar já a narrativa pois teme que adotar uma postura dovish alimente as expectativas de eventuais cortes de juros. Tal poderia resultar num não desejado alívio das condições financeiras, contribuindo para a inflação permanecer em níveis elevados por mais tempo.
A Fed “tem continuado a telegrafar uma mensagem muito hawkish, no intuito de deixar bem claro que segue com atenção as subidas dos preços dos serviços e também dos salários, mensagem essa que não será necessariamente acompanhada por atos”, assinala o analista da ActivTrade.
Os economistas do Deutsche Bank antecipam duas subidas consecutivas de 25 pontos base, “em parte porque a Fed não vai querer ver as condições financeiras melhorarem em resultado da sua postura mais ‘dovish’”.
O ING alinha na mesma perspetiva. “Esperamos ouvir que as subidas das taxas de juro são ‘apropriadas’” e que a “estratégia de redução do balanço permanece intacta”, referem os economistas do banco dos Países Baixos, salientando que o banco central “não vai alterar já a narrativa, pois teme que adotar uma postura branda (dovish) alimente as expectativas de eventuais cortes de juros. Tal poderia resultar num não desejado alívio das condições financeiras, contribuindo para a inflação permanecer em níveis elevados por mais tempo”.
Tendo em conta esta premissa, o ING espera que a Fed suba os juros em mais 25 pontos base na reunião de 22 de março para 4,75%-5%. O banco tem como cenário central uma recessão económica nos EUA, temendo que “os sinais de desaceleração se intensifiquem e fiquem mais abrangentes”.
Investidores apostam em cortes de juros
São vários os bancos de investimento a apontarem que o final de 2022 positivo pode significar apenas um adiamento da contração da maior economia do mundo. O consumo das famílias está a travar fortemente e as empresas estão a cortar nos custos para acautelar os efeitos de uma redução da atividade.
Apesar de reconhecer que o cenário benigno de soft landing é agora mais provável, o ABN Amro assinala que a “Fed ainda vai querer ver um enfraquecimento significativo do mercado de trabalho antes de ter confiança para declarar que a batalha contra a inflação está ganha”.
A tendência negativa no emprego está prestes a chegar, o que em conjunto com “o abrandamento geral da atividade económica e a redução da pressão inflacionista, sustenta a nossa visão de que o ciclo de aumento de juros da Fed está próximo do fim e que os cortes de juros vão começar em setembro”, diz Bill Diviney, economista do ABN para os EUA.
O banco estima um corte acumulado de 125 pontos base nos últimos meses de 2023, que levará a taxa de juro do pico de 4,75%-5% para 3,5%-3,75%. Se o mercado de trabalho continuar forte, as taxas de juro deverão permanecer elevadas por mais tempo, adverte o ABN.
Continuando a atribuir uma elevada probabilidade de recessão na economia norte-americana, os investidores também dão como certo que a Fed vai cortar os juros este ano, embora não antecipem um alívio monetário tão agressivo como está a estimar o ABN Amro.
Os investidores parecem ter esquecido a regra fundamental ‘Don’t Fight the Fed’. Talvez esta semana sirva de lembrete.
De acordo com a ferramenta CME FedWatch, que reflete a negociação no mercado de futuros das Fed Funds, os investidores estão a atribuir uma probabilidade 33% a uma taxa de juro de 4,5%-4,75% e de 30% a uma taxa de juro de 4,25%-4,5% após a reunião de dezembro.
Para a reunião de junho, quando se espera que os juros atinjam o pico, as opiniões também estão divididas. A probabilidade de a taxa estar em 4,75%-5% é superior a 50% e de subir até 5%-5,25% está acima de 30%.
Estas projeções mostram que os investidores estão a apontar para uma taxa terminal abaixo de 5% no segundo trimestre e cortes no segundo semestre que coloquem os juros em linha com os níveis atuais (abaixo de 4,5%), colidindo assim com a mensagem que tem vindo a ser transmitida pelos responsáveis da Fed, que descartam qualquer alívio de política monetária ao longo deste ano.
No início do ano passado, as expectativas dos investidores também estavam completamente desalinhadas com as indicações da Fed. Quando o banco central ainda “arrastava os pés” no combate à inflação, o mercado já descontava que a taxa de juro iria terminar 2022 nos 2%, com aumentos de 25 pontos base em todas as reuniões.
Os juros acabaram por subir o dobro do previsto na altura, pelo que o braço de ferro foi ganho claramente pelos investidores. Jerome Powell terá aprendido a lição e desta vez tudo fará para que a inflação não volte a descontrolar-se, mesmo que tal obrigue a manter os juros elevados num cenário de recessão. O jogo relevante para a Fed é contra a inflação e para lá chegar também pode ser necessário ganhar aos investidores.
Michael Wilson, analista do Morgan Stanley que ganhou fama em Wall Street por ter antecipado a forte queda das bolsas em 2022, recomendou aos clientes que tenham cautela com o atual rally nas bolsas. “Os investidores parecem ter esquecido a regra fundamental ‘Don’t Fight the Fed’. Talvez esta semana sirva de lembrete”, avisou.
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Braço de ferro com investidores pressiona Fed a carregar nos juros
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