Saiba o que é uma COP, quando começaram e quais as mais importantes e as mais desapontantes, nas 30 edições que separam a primeira, em Berlim, da deste ano, em Belém.
- Às portas da COP30, dez anos após Paris, o balanço das cimeiras do clima revela avanços emblemáticos (Quioto, Paris) e desilusões (Copenhaga), num processo longo e difícil que expôs bloqueios persistentes dos grandes produtores fósseis.
- O percurso começou com o IPCC (1988) e a UNFCCC (1992), hoje com 198 Partes, e teve marcos como o Protocolo de Quioto (metas vinculativas e mercado de carbono) e o Acordo de Paris (meta dos 1,5 °C e regras do artigo 6.º).
- Uma década depois de Paris, os especialistas pedem menos influência da indústria fóssil e mais integração da sociedade civil, sublinhando o apelo de António Guterres à “implementação, implementação, implementação” e a urgência de cumprir metas com decisões que não fiquem no papel.
As Nações Unidas contam, este novembro, a trigésima Conferência das Partes, a cimeira global do clima, conhecida como COP. Esta é uma edição de números redondos, uma vez que não só marca três décadas de diplomacia climática, como dez anos desde o último grande acordo — o Acordo de Paris. O Capital Verde foi recordar o que têm trazido as COP, das mais emblemáticas às mais desapontantes, com a ajuda de vozes que têm sido presença constante nestas cimeiras.
A história da COP remonta a 1988, quando foi formado o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, que se dedica a reunir avaliações científicas sobre as alterações climáticas. Este órgão das Nações Unidas publicou, em 1990, o seu primeiro relatório, no qual concluía que as emissões de gases com efeito de estufa estavam a aumentar e a provocar um aquecimento da superfície do globo. Na sequência, surgiu o apelo para a assinatura de um tratado global que colmatasse este problema.
Dois anos depois, na Cimeira da Terra no Rio de Janeiro, lançou-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), a qual se pretendia ser a base da cooperação internacional para combater as mudanças climáticas e o aquecimento global, assim como para lidar com os impactos inevitáveis destas mudanças. Até 1994, foram-se juntando as várias “partes”: entre países e a União Europeia, que assinou em bloco, contaram-se 198 aderentes. Dado quórum e a entrada em vigor da convenção, estavam reunidas as condições: a primeira COP teve lugar em Berlim, na Alemanha, em 1995.
“A Alemanha e o Reino Unidos desafiaram os Estados Unidos e outros países ricos a comprometerem-se a cortar a poluição atmosférica”, introduz o The Guardian, num texto de arquivo que data da primeira conferência, “reavivado” pela publicação em 2023.
Os desenvolvimentos não tardaram. As Conferências das Partes já tiveram lugar em 19 países, espalhando-se por quatro continentes. Mas, na memória de quem as acompanha de perto, ficaram, pelas melhores razões, Quioto, em 1997, e Paris, já só em 2015. Como desilusão unânime, ressalta a cimeira de Copenhaga, em 2009.

Quioto, terra dos primeiros compromissos
A Cimeira de Quioto ficou marcada como o primeiro grande momento no seio da Convenção Quadro. “Foi um momento em que havia bastante entusiasmo, em que o vice-presidente dos Estados Unidos era o Al Gore, havia mesmo hipótese de se chegar a algo vinculativo”, relata Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), em Portugal, e que acompanhou esta edição ainda à distância.
Desta cimeira resultou o Protocolo de Quioto, que operacionaliza a Convenção Quadro e compromete os países desenvolvidos a reduzir emissões de acordo com metas individuais. 37 países industrializados e a União Europeia avançaram as suas própria metas, cumulativamente com a aceitação do objetivo de reduzir as emissões em 5%, em média, face aos níveis de 1990, no período entre 2008 e 2012. Demorou, contudo, a ser ratificado: a adoção data de 1997 e a entrada em vigor acordada foi 2005.
“Foi o primeiro consenso, digamos assim, em relação ao problema [dos gases com efeito de estufa] e de como fazer para reverter o problema”, explica Alice Khouri, responsável legal da Helexia, que tem sido presença assídua nas COP desde 2021. Mas não foi fácil: “foi tudo negociado à vírgula, palavra por palavra, frase por frase” para que houvesse consenso entre todos os países”, retorna Filipe Duarte Santos.
Em 2012, o protocolo foi “reavivado” na Convenção do Qatar, para ter efeito no período entre 2013 e 2020, no qual a redução média apontada foi de 18%. Quioto também introduziu, pela primeira vez, mecanismos como o Comércio de Licenças de Carbono. Se, quanto ao primeiro período, houve um cumprimento generalizado das metas, o mesmo não se passou em relação ao segundo.
Fósseis “queimam” tempo, mas há importantes avanços
O presidente do CNADS tem, no seu currículo, cerca de 15 COP, e foi no ano de 2000, na holandesa Haia, que se estreou nestes eventos. Nesse ano, Portugal estava na presidência da União Europeia (UE), pelo que o Ministério do Ambiente de então chamou um conjunto de académicos para ajudar a trabalhar nas negociações. Filipe Duarte Santos assumiu, desta forma, o papel de delegado, e recorda que não era a única cara “conhecida” da comitiva: a atual ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, também fazia parte.
Além de palco para as negociações, já na altura a COP atraía muitas pessoas: desde organizações não governamentais a cientistas, que aproveitavam para exporem os resultados da sua investigação, assim como empresas interessadas em promover produtos relacionados com mitigação ou adaptação, explica o presidente da Zero, Francisco Ferreira, que passou a estar presente nas diferentes edições da COP, também, a partir desse mesmo ano.
Da conferência em que se estreou como delegado, Filipe Duarte Santos guardou uma primeira impressão que veio a reafirmar-se em todas as outras edições em que participou: a oposição que os países produtores de petróleo e gás natural faziam a que se descontinuasse o uso de combustíveis fósseis.
As pessoas sabiam que esses países, grandes produtores, procuravam dificultar as negociações, mas não sabiam bem do bloqueio que eles efetivamente faziam.
“Foi uma constante. Era algo perfeitamente claro”, avalia o presidente CNADS, ressalvando que era, contudo, mais notória esta pressão dentro de portas do que em comunicações públicas. “As pessoas sabiam que esses países, grandes produtores, procuravam dificultar as negociações, mas não sabiam bem do bloqueio que eles efetivamente faziam”. Estas tornavam-se “muito mais complexas” dada a tal “pressão permanente” e, “na remota eventualidade de isso acontecer [a descontinuação do uso de combustíveis fósseis], [os produtores] queriam compensações financeiras para a perda de negócio que podia resultar dessa transição”, indica o mesmo.
Contudo, não é pela elevada dificuldade colocada pelos produtores que Filipe Duarte Santos desvaloriza as negociações. Realça que, de acordo com as Nações Unidas, esses países têm toda a legitimidade para estarem presentes, e que as COP foram também palco de pressão para o desenvolvimento das energias renováveis, que têm vindo de facto a crescer. “Há que persistir”, remata.
As COP ‘do meio’ do caminho [entre Quioto e Paris] foram importantes para trocar dados [científicos] e para chegar a conclusões.
Além disso, para lá das “grandes declarações” proferidas nos “palcos políticos” das COP, as cimeiras climáticas servem, num plano não tão visível, para o encontro entre cientistas e agências internacionais, realça Alice Khouri. “É nesses fóruns que se cruzam dados, se discute e se chega a consensos, e isso é muito produtivo, mais produtivo até do que esse palco ministerial”, considera. Entre a COP de Quioto e a de Paris, “que foram, sem sombra de dúvida, as duas mais importantes”, “as COP ‘do meio’ do caminho foram importantes para trocar dados [científicos] e para chegar a conclusões”.
A desilusão em Copenhaga
“Havia uma grande expectativa em relação à COP de Copenhaga”, recorda Filipe Duarte Santos, que também esteve presente nesta cimeira. Nesse ano, estava Barack Obama à frente da Casa Branca, o que consolidava o otimismo. Procurava-se um grande acordo, como aquele que se conseguiu apenas anos mais tarde, em Paris. “Havia talvez uma expectativa exagerada de que o caminho para resolver as alterações climáticas fosse mais fácil, mas COP15 veio mostrar que não, que era um processo longo e difícil”, entende.

Francisco Ferreira recorda que houve dois anos “intensos” de preparação, que culminaram numa proposta de acordo com dezenas de páginas do qual, no final das negociações, restou apenas página e meia, que acabou por não passar em plenário. “Foi a mais desesperante em termos de resultados”, conta.
Já passa uma década do último grande acordo
“A melhor, sem dúvida”, é como Francisco Ferreira, presidente da associação não governamental Zero, se refere à conferência de Paris, ele que é presença constante das cimeiras do Clima também desde 2000, ano da edição de Haia. Paris marcou pela visão que teve de traçar metas para todos os países, contemplando a adaptação, a mitigação e o financiamento, assim como pela criação do artigo 6.º, que dá o pontapé de partida para um mercado de carbono a nível global, considera o mesmo.
Foi também o lugar em que os 1,5 graus centígrados de aquecimento global face aos níveis pré-industrias se tornaram uma referência, realça Khouri. “O Acordo de Paris trouxe um número muito importante e outros sub-números que colocaram métricas em coisas que se sabiam antes, mas sobre as quais havia várias dúvidas”, explica.
O Acordo de Paris tinha sido muito trabalhado, não foi de última hora. Foi-se para lá e já havia muito grande probabilidade de ser aceite.
O presidente do CNADS lembra Paris como uma conferência “extremamente bem organizada”, não só do ponto de vista logístico, como também pela antecipação: “O Acordo de Paris tinha sido muito trabalhado, não foi de última hora. Foi-se para lá e já havia muito grande probabilidade de ser aceite”, recorda Filipe Duarte Santos. Para Francisco Ferreira, a “grande diferença”, que permitiu chegar a acordo, foi o deixar de se fazer uma distinção tão marcante entre as responsabilidades dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento. Na ótica da líder jurídica da Helexia, “seria infantil achar que todas as COP teriam um Protocolo de Quioto ou um Acordo de Paris”, até porque a própria ciência tem um tempo de evolução e existem diferentes pressões, políticas e económicas, pelo que “é natural que não seja linear, o progresso”.
Ainda assim, “é importante haver algum progresso” e, desde 2015, entende que estas conferências têm sido “um fórum muito mais político e muito mais económico do que efetivamente científico-climático”, o que “é um problema”. O problema, indica, é ajustar-se o discurso da sustentabilidade ao que os países e empresas se dispõem a fazer, largando-se o sentido de urgência. “Não podemos deixar essas metas de lado ou, para as deixarmos de lado, temos de calcular os custos-benefícios de as abandonar”, defende.
Uma exceção, entre as COP que Khouri descreve como sendo menos produtivas desde Paris, foi Glasgow, em 2018: “Foi uma COP muito atenta à recuperação dessas metas e justificação das mesmas”. E a de Sharm El Sheik, no Egito, descreve-a como um “desastre total” com exceção da criação do Fundo de Perdas e Danos e o reconhecimento de uma “dívida histórica” entre os países poluidores e os menos poluidores.
As do Dubai e Azerbaijão, Khouri considera “pobres”: no Dubai, a Agência Internacional de Energia lançou o objetivo de triplicar as renováveis, mas o texto final não teve qualquer menção sobre a estratégia de transição energética. Em Baku, não houve qualquer avanço digno de registo, na sua opinião.
Agora, implementação no centro
Apesar dos altos e baixos, “as COP são sempre importantes. É muito melhor haver esta oportunidade para países debaterem e negociarem este assunto do que não haver”, considera Filipe Duarte Santos.
Precisamos de uma estrutura mais integradora da sociedade civil, menos influenciada pela indústria fóssil, e onde realmente as decisões não fiquem apenas no papel.
Agora, defende o presidente da Zero, a chave é “implementação, implementação, implementação”, um chavão que retira do discurso do secretário-geral da ONU, António Guterres, proferido no passado dia 6 de novembro. “Precisamos de uma estrutura mais integradora da sociedade civil, menos influenciada pela indústria fóssil, e onde realmente as decisões não fiquem apenas no papel”, resume.
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De Quioto a Belém, passando por Paris: onde páram as COP?
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