Comissão Europeia propõe empréstimo por reparações, ativando os ativos russos congelados, mas a Bélgica, onde estão a maioria destes bens, está contra. Objetivo é chegar a acordo no próximo Conselho.
A Comissão Europeia propôs um empréstimo de reparações de 90 mil milhões de euros para a Ucrânia nos próximos dois anos, utilizando os ativos russos congelados, apesar da resistência da Bélgica. A intenção que corria nos corredores de Bruxelas há meses foi formalizada na quarta-feira por Ursula von der Leyen, que apresenta como alternativa um crédito europeu financiado com a garantia do orçamento comunitário.
A duas semanas do Conselho Europeu de dezembro, para o qual há pressão para que os líderes europeus cheguem a acordo sobre o apoio às necessidades de financiamento da Ucrânia, e um dia depois de representantes norte-americanos e russos se terem sentado à mesa sobre o plano de paz, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, colocou em cima da mesa duas opções para cobrir dois terços das necessidades ucranianas, cujo financiamento chega ao fim na próxima primavera – o restante deverá ser assegurado pelos parceiros internacionais.
“Propomos cobrir dois terços das necessidades de financiamento da Ucrânia para os próximos dois anos. Isso corresponde a 90 mil milhões de euros”, disse a presidente da Comissão, em conferência de imprensa em Bruxelas.
Por um lado, propõe um empréstimo da UE à Ucrânia no valor de 90 mil milhões de euros, arrecadado nos mercados de capitais, tendo como garantia o orçamento comunitário. Uma solução que necessita de ser aprovada por unanimidade. Por outro, a proposta mais polémica (e sobre a qual Ursula von der Leyen tem preferência): um empréstimo por reparações de guerra. Neste caso, seriam utilizados os ativos russos congelados na União Europeia, sobretudo na plataforma Euroclear, na Bélgica, já que até agora têm sido utilizados apenas os lucros e juros.
Antes da guerra na Ucrânia, o banco central russo investia parte das reservas internacionais em ativos depositados e geridos através de intermediários como a Euroclear. No entanto, as sanções levaram ao seu congelamento, naquele que é o maior volume congelado em qualquer instituição financeira do mundo.
Comissão propõe empréstimo por reparações de guerra, para o qual seriam utilizados os ativos russos congelados na União Europeia, sobretudo no banco Euroclear, na Bélgica. Medida terá de ser aprovada por maioria qualificada.
“Propomos abranger todas as instituições financeiras que acumularam esses saldos de caixa e essas instituições teriam de transferir o dinheiro para o instrumento do Empréstimo para Reparações. Ou seja, estamos a utilizar os saldos de caixa, a disponibilizá-los à Ucrânia sob a forma de empréstimo e a Ucrânia terá de reembolsar esse empréstimo se e quando a Rússia pagar as reparações“, avançou von der Leyen, em conferência de imprensa. Além da Bélgica, há um valor mais diminuto de ativos congelados em França, Alemanha, Suécia e Chipre.
Ou seja, a ideia base não é que os bens sejam confiscados, mas sim que a União disponibilize as verbas e, quando e se a Rússia pagar as reparações, os fundos sejam usados para reembolsar os credores. Contudo, esta proposta encontra oposição nos governantes belgas, que receiam represálias russas quer contra o Estado, quer contra a instituição financeira que detém os ativos, como processos judiciais. Entre as reservas jurídicas está em causa a expropriação, ainda que não esteja previsto qualquer confisco.
Ursula von der Leyen procurou sossegar as autoridades belgas – “Temos salvaguardas muito fortes para proteger os Estados-membros e reduzir os riscos tanto quanto possível” –, avançando com a criação de mecanismo de solidariedade, no qual a União “pode intervir em última instância” para distribuir as responsabilidades de forma justa, mas não teve sucesso.
“Nas condições atuais, um financiamento para a recuperação da Ucrânia usando os ativos russos congelados na Bélgica não é viável”, disse o primeiro-ministro belga, Bart de Wever, em entrevista à televisão de língua neerlandesa VTM, citado pela Lusa.
E com a oposição belga será difícil mobilizar os ativos. “Não consigo imaginar que a Comissão Europeia se atreva a confiscar uma empresa privada [numa referência à Euroclear, onde estão depositados os bens congelados] contra a vontade de um Estado-membro” afirmou ainda de Wever.
Paralelamente, os governos querem assegurar que a solução adotada não coloque em causa a estabilidade do euro. Ademais, em agosto, o governo de Viktor Orbán na Hungria interpôs um processo no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) contra a decisão da UE de utilizar os lucros e juros dos ativos russos congelados, pedindo a anulação da decisão que deu luz verde a este método utilizado pela UE para financiar a Ucrânia. Mas para driblar a eventual falta de unanimidade, von der Leyen propõe para que a solução do empréstimo por reparação só necessite de ser aprovado por maioria qualificada.
Nas condições atuais, um financiamento para a recuperação da Ucrânia usando os ativos russos congelados na Bélgica não é viável.
Além da Bélgica, a Comissão Europeia também não encontrou acolhimento junto do Banco Central Europeu, autoridade com a qual tentou uma solução no início desta semana. A informação tinha sido avançada na terça-feira pelo Financial Times e foi confirmada um dia depois pela presidente da instituição, Christine Lagarde. Frankfurt recusou-se a dar liquidez de emergência, se necessário, ao proposto empréstimo de reparações, por considerar que viola os Tratados.
“Para o BCE atuar como um mecanismo de apoio, para substituir os compromissos que os Estados-membros devem assumir através de garantias com a Bélgica, onde os riscos estão concentrados, seria uma violação do artigo 123.º do Tratado da UE“, disse Christine Lagarde. O artigo proíbe o BCE e os bancos centrais nacionais de concederem empréstimos e facilidades ou comprarem dívida diretamente aos governos europeus e a outras entidades públicas.
Questionada sobre o tema durante uma audição no Parlamento Europeu, Lagarde foi perentória: “Não fui nomeada presidente do BCE para violar os tratados, não podemos subsidiar as obrigações dos Estados-membros”.
A Comissão avançou então como uma proposta sem a garantia do BCE, com um regulamento que dá uma base legal à intenção. Segundo o comissário europeu para a Economia, Valdis Dombrovskis, a proposta está em linha com conclusões do Conselho Europeu que referem que “os ativos da Rússia devem continuar imobilizados até que a Rússia cesse a guerra contra a Ucrânia e a compense pelos danos provocados por essa guerra”.
“Este regulamento funcionará em paralelo com o regime de sanções. Em termos de volume de financiamento, existem cerca de 210 mil milhões de euros em ativos imobilizados na UE. Este é, portanto, o montante máximo de empréstimo que poderíamos propor”, detalhou Dombroviski. A intenção é que os 90 mil milhões de euros que agora Bruxelas propõe não fossem desembolsados de uma só vez, mas sim de forma gradual.
Assim, além da proposta de regulamento para estabelecer um empréstimo para reparações, a Comissão avançou com uma proposta para proibir qualquer transferência de ativos imobilizados do Banco Central da Rússia de volta para a Rússia, bem como duas propostas que estabelecem salvaguardas para o Empréstimo para Reparações, destinadas a proteger os Estados-membros da UE e as instituições financeiras de possíveis medidas de retaliação, que serão “tornadas públicas assim que o Conselho se pronunciar sobre elas”.
Estas serão complementadas por uma proposta paralela de decisão do Conselho, apresentada por Kaja Kallas, alta-representante para os Negócios Estrangeiros.
Em Bruxelas existe também a firme expectativa de uma coordenação com parceiros internacionais no contexto do G7 e do G20, sinalizou uma fonte comunitária. O executivo comunitário espera que outros parceiros avancem com esforço similar.
Proposta de Bruxelas dá “forma legal certa” para usar ativos russos
O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Rangel, reconheceu que a proposta da Comissão “é complexa”, mas de que apresenta a “forma legal certa” de utilizar os ativos russos congelados.
“Todos os Estados-membros têm mostrado vontade de que eles [os ativos russos congelados] efetivamente sejam utilizados, qual a forma legal certa está agora nesta proposta da Comissão e merece atenção, um estudo cuidado, porque é uma proposta complexa”, disse Paulo Rangel aos jornalistas, citado pela Lusa.
Em declarações à margem de uma reunião ministerial no quartel-general da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), em Bruxelas, o governante português acrescentou que a maioria dos 27 Estados-membros da UE quer esta solução e asseguram à Bélgica que querem “ir ao encontro das preocupações expressas”.
“Há uma grande maioria favorável à questão dos ativos imobilizados, porque é dinheiro russo que permitiria ser utilizado para antecipar as reparações. Diria que há uma grande preferência por essa solução”, defendeu o governante, advertindo, contudo, que “tem alguns obstáculos legais”, embora “grande parte deles” já tenham sido superados.
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Guerra na Ucrânia. Os ativos russos, a solução de von der Leyen e a oposição belga
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