O projeto coordenado pela investigadora Joana Sá assume que o vírus continuará a circular pelo menos mais um ano. Testar, rastrear, isolar, vacinar e informar, são os cinco passos deste plano.
Há um ano a braços com a Covid-19, o mundo colocou as esperanças na vacinação. Mas as condicionantes da produção e distribuição, bem como a incerteza sobre a duração da imunidade levantam dúvidas sobre quanto tempo vai durar a pandemia. Um grupo de investigadores portugueses — de áreas tão diversas quanto a ciência, a economia e a comunicação — desenhou um plano alternativo com cinco fases. E pedem uma task-force composta por peritos técnicos multidisciplinares e decisores políticos “com poder político e executivo” para coordenar a efetivação deste plano.
“Se eu fosse um decisor político, o que é que gostaria de ter?“, diz Joana Sá, coordenadora da equipa multidisciplinar que desenvolveu este trabalho, ao ECO. A investigadora no Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas revela que este ‘roadmap’ foi feito a partir de trabalho internacional já publicado e adaptado à realidade portuguesa. “É uma base de trabalho, para ser discutida, agradecemos todos os contributos“, insiste. O trabalho já chegou informalmente à Direção Geral de Saúde.
O ponto de partida para este trabalho foi a constatação de que, em Portugal, não havia qualquer plano elaborado para o controlo pandémico. “Estamos todos, e bem, a olhar para as vacinas, mas as mutações vão continuar e não se sabe qual será o grau de imunidade” a essas variantes. Mas Joana Sá aponta duas oportunidades que não devem ser desperdiçadas: A criação de uma equipa coordenadora — “uma espécie de superministério” — com peritos e decisores políticos. Depois, há a oportunidade para formem e consolidem institutos de saúde pública e sistemas de informação nestas áreas, adequados aos século XXI, com novas ferramentas em rede.
O projeto assume que o vírus continuará a circular pelo menos mais um ano, que não será possível nesse tempo vacinar suficiente população nacional para controlar a pandemia, que será necessário manter intervenções não farmacológicas de mitigação a médio prazo e que serão precisas também medidas de cariz social e variável.
O roadmap pretende ser uma estratégia de controlo que permita ter menos de 50 novos casos diários por 100.000 habitantes durante uma semana e uma percentagem de testes com diagnóstico positivo inferior a 5%.
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Com base em publicações de diferentes autoridades de saúde e em artigos científicos validados por pares, sugerem uma estratégia para controlo pandémico através de “um mapa, que possa servir de base de trabalho para uma estratégia de médio prazo, seguindo as melhores práticas internacionais e ajustado à realidade portuguesa” e da “criação de um grupo de trabalho misto, composto por peritos técnicos e membros do governo, com autoridade para coordenar a recolha de informação, análise e definição de estratégia”.
É cada vez mais consensual que será impossível bloquear a transmissão do SARS-CoV-2 de forma global (não obstante isto ter sido conseguido por alguns países) e que a imunidade de grupo só será conseguida através da vacinação, num futuro não muito próximo.
O mapa em questão tem cinco pontos-chave. São eles:
1. Testar
O primeiro ponto é da testagem, sendo prevista uma estratégia de testes em massa, com diferentes naturezas e objetivos. Testes para diagnóstico devem ser sensíveis e específicos e testes para monitorização devem ser muito frequentes e abrangentes. Além de detetar a presença de infeção devem ser criados roteiros aleatórios de aplicação de testes serológicos e de genotipagem dos vírus. As estratégias de testagem devem permanecer flexíveis e capazes de se adaptar rapidamente às mudanças, dependendo da situação epidemiológica local, da fase da pandemia e de outras medidas de mitigação em implementação.
Os investigadores notam ainda que este roteiro implica um elevado número de testes semanais, que Portugal já mostrou ter a capacidade de fazer: nas quatro primeiras semanas do ano fizeram-se 1.700.000 testes. “É importante que esta capacidade se mantenha e que a diminuição da procura individual causada pelo abrandamento da transmissão possa ser compensada por um aumento do número de testes nos grupos sentinela, viajantes, e grupos de risco moderado, principalmente escolas”, dizem.
2. Seguir – rastreio de contactos
O rastreio de contactos tem como principal objetivo a interrupção das cadeias de transmissão através da identificação e gestão de contactos e casos secundários. Tipicamente o rastreio é prospetivo, mas o rastreio retrospetivo para identificar a origem da infeção pode ajudar na interrupção de cadeias de transmissão e de novos casos ainda desconhecidos, incluindo assintomáticos.
“Estudos de modelação epidemiológica apontam para o dobro da diminuição do Rt quando ambos os sistemas de rastreio são combinados utilizando uma janela até 6 dias antes dos primeiros sintomas”, referem. “Tal como no caso dos testes, é importante que os reforços nas equipas de rastreadores que tenham sido feitos durante o pico de infeções em janeiro sejam agora alocados a rastreio prospetivo e retrospetivo, e que se mantenham equipas ativas em número suficiente, segundo critérios claros”.
3. Isolar
O isolamento de pessoas infetadas ou pessoas que tenham estado em contacto próximo com pessoas infetadas com Covid-19 (quarentena) procura quebrar, tão cedo quanto possível, as cadeias de transmissão. “Deverá ser adotada uma perspetiva de erro por excesso de cautela quanto ao controlo da pandemia, significando que é preferível, socialmente, interromper cadeias de transmissão do vírus do que evitar eventuais situações de apoio desnecessário”.
É fundamental um sistema rápido e eficiente de monitorização de variantes e resposta serológica em colaboração com institutos de investigação. Os resultados desta vigilância devem informar adaptações ao plano de vacinação.
4. Vacinar
Apesar de haver três vacinas aprovadas para distribuição na UE, a entrega e distribuição tem sido limitativa. Por isso, o grupo defende que a definição de prioridades é crucial. Dado que o risco de morte decresce com a idade, propõe que a vacinação seja feita usando a idade como principal critério.
No que diz respeito à possibilidade de adiamento da segunda dose, rejeitam, dizendo que, à taxa atual de 100.000 inoculações por semana, não ofereceria vantagem significativa, uma vez que não seria possível administrar todas as primeiras doses a maiores de 80 anos antes de ter de começar a segunda inoculação maciça. Se se conseguir uma taxa de vacinação superior a 200.000 doses semanais esta possibilidade pode ser considerada.
“Acima de tudo, é fundamental um sistema rápido e eficiente de monitorização de variantes e resposta serológica em colaboração com institutos de investigação. Os resultados desta vigilância devem informar adaptações ao plano de vacinação”, sublinham.
5. Informar e apoiar a decisão
Os investigadores alertam que o combate à pandemia é feito da integração de muitas fontes de dados e da ponderação de diferentes fatores, epidemiológicos, sociais, logísticos e outros, muitas vezes fortemente interligados. Consideram por isso necessário desenvolver sistemas de integração, análise e visualização de informação, quer seguindo os melhores exemplos a nível internacional, quer através do desenvolvimento de novas ferramentas.
Em paralelo, comunicar de forma bidirecional e clara com a população é visto como fundamental para que sejam compreendidas as instruções e regras de mitigação, para que exista adesão e para que se conheçam as preocupações e riscos de não-adesão. “Para se conseguir esta mobilização, é necessário que a comunicação seja bidirecional e que as autoridades de saúde percebam as preocupações da população e as abordem diretamente quando comunicam regras ou recomendações“, referem.
A capacidade do sistema científico português tem sido subaproveitada com graves consequências para a vigilância epidemiológica. (…) Teremos de conviver com este e outros vírus durante bastante tempo e é necessário pensamento estratégico, ambicioso e abrangente, de curto, médio e longo prazo.
Os cinco pontos-chave criam um roadmap, mas a sua implementação só será possível com uma coordenação forte e com poder executivo, de acordo com os autores. “Assim, propomos a criação de um grupo de trabalho que coordene todos os esforços, incluindo outros grupos semi-independentes como o da vacinação”, refere o documento.
O grupo, que seria composto por peritos técnicos multidisciplinares e decisores políticos, teria como objetivos principais coordenar os esforços de recolha, gestão e análise de informação, definir consensos estratégicos, baseados em evidência, para o cumprimento das 5 linhas de ação e ainda orientar a coordenação dos esforços de mitigação, com poder político e executivo.
Os investigadores ressalvam que o documento não procura oferecer recomendações exaustivas e que tem limitações, mas sublinham que “a capacidade do sistema científico português tem sido subaproveitada com graves consequências para a vigilância epidemiológica“. Sugere por isso que se agilizem protocolos entre hospitais, universidades, institutos e que se criem sistemas desburocratizados para aprovações éticas, sobretudo quando os estudos não requerem amostragem invasiva ou identificação de indivíduos.
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“Teremos de conviver com este e outros vírus durante bastante tempo e é necessário pensamento estratégico, ambicioso e abrangente, de curto, médio e longo prazo“, acrescenta o documento assinado por oito investigadores.
Além da coordenadora Joana Gonçalves de Sá e de Pitta Barros, a proposta contou com o contributo de Paulo Almeida (SPAC-LIP), Maria João Amorim (IGC), Leonardo Azevedo (CERENA, ISTUL), Thiago Carvalho (F. Champalimaud), Joana Lobo Antunes (IST-UL) e Lília Perfeito (SPAC-LIP).
Veja aqui o documento completo:
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Investigadores portugueses desenham “mapa de controlo pandémico” em 5 pontos
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