A Comissão Técnica Independente apresenta esta terça-feira o relatório das nove opções para a localização do novo aeroporto de Lisboa. Decisão vai passar para o próximo Governo.
Há mais de meio século que se estuda e debate a construção de um novo aeroporto na região de Lisboa. Tornou-se uma anedota sobre a incapacidade do país para decidir sobre projetos estruturais. O processo dá esta terça-feira um passo que é suposto criar as condições para desatar o nó. A Comissão Técnica Independente (CTI) apresenta o relatório encomendado para servir de base à decisão política do futuro Governo. Em “disputa” estão sete localizações, combinadas em nove soluções. Não haverá um ranking, mas algumas poderão ficar pelo caminho face às desvantagens que apresentam e outras assomar como favoritas.
Foi Marcello Caetano, em 1969, que deu o primeiro passo formal para o estudo de um novo aeroporto de Lisboa, com a criação de um gabinete para esse fim. Desde então, já foram propostas ou avaliadas cerca de duas dezenas de localizações, incluindo as integradas este ano pela Comissão Técnica Independente, e já se gastaram, pelo menos, 74 milhões de euros em estudos, incluindo este último.
A elaboração de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), coordenada por uma Comissão Técnica Independente (CTI), resultou de um entendimento entre o primeiro-ministro e o líder da oposição, Luís Montenegro. O objetivo é que a decisão seja assumida pelos dois maiores partidos, para que não seja revertida no futuro. Apesar da queda do Governo, a ideia de um consenso entre os dois maiores partidos mantém-se.
A resolução de Conselho de Ministros que lançou a AAE exigia o estudo de cinco opções: Portela + Montijo, Montijo + Portela, Campo de Tiro de Alcochete, Portela + Santarém e Santarém sozinho. A CTI somou Beja e Portela + Alverca e lançou um processo de auscultação de propostas online, através do portal aeroparticipa.pt, amplamente participado. Entraram mais oito hipóteses, incluindo Ota, Rio Frio ou Sintra.
Feita a triagem, ficaram sete localizações e nove opções estratégicas. Além das cinco previstas na resolução, a lista de finalistas integra Portela + Campo de Tiro de Alcochete, Pegões, Portela + Pegões e Rio Frio + Poceirão.
O relatório que será apresentado esta terça-feira à tarde no LNEC não terá um ranking ou uma pontuação. Serão avaliadas “oportunidades e riscos para cada fator crítico de decisão, que derivam de estudos técnicos exaustivos e consistentes, coordenados e desenvolvidos por especialistas com experiência e formação aprofundadas nas respetivas áreas de especialidade”, explicou a CTI ao ECO.
No entanto, será possível perceber pelas vantagens e inconvenientes das várias soluções quais as que poderão ser impraticáveis, seja pelo impacto ambiental, a distância ou a capacidade de expansão, e quais as que se apresentam como mais favoráveis. Por exemplo, em maio a própria presidente da CTI, Rosário Partidário, reconhecia que a opção Rio Frio + Poceirão “tem muito pouca probabilidade”.
Uma vez que uma nova infraestrutura de raiz demorará 10 a 12 anos até estar operacional, o relatório apontará também soluções para a fase de transição. Por exemplo, fazer obras no Montijo para que possa complementar a Portela até ser construído um novo aeroporto em Alcochete, Santarém ou Vendas Novas. Debruça-se também sobre qual dever ser o papel futuro do Humberto Delgado, havendo um novo aeroporto principal.
Para a análise das várias opções foram considerados cinco fatores críticos de avaliação: segurança aeronáutica; acessibilidade e território; saúde humana e viabilidade ambiental; conectividade e desenvolvimento económico; investimento público e modelo de financiamento. Cada um daqueles fatores inclui vários critérios, num total de 24, avaliados à luz de uma bateria de 88 indicadores, segundo o “Relatório de Fatores Críticos de Decisão”, divulgado em julho.
Polémicas marcaram trabalhos
Os últimos meses foram marcados por algumas críticas à Comissão Técnica, pelo facto de terem sido contratados estudos para a AAE a pessoas que no passado defenderam publicamente a opção Alcochete. Em julho, foram noticiados os casos dos engenheiros Vítor Rocha e Vasco Afonso. A contratação do primeiro levou mesmo a ANA, a concessionária dos aeroportos nacionais, a endereçar uma carta a Rosário Partidário, coordenadora da CTI.
O projeto de Santarém também assinalou as suas reservas na consulta pública: “Pese embora a Magellan 500 desconhecer os critérios que estiveram subjacentes à escolha da composição da CTI e da sua equipa de assessoria, é com alguma preocupação que a Magellan 500 assistiu às recentes polémicas, do domínio público, relativamente a sinais de pretensas preferências por determinadas opções por parte de elementos envolvidos nos trabalhos da Análise Estratégica”.
“Todas as opções estratégicas serão avaliadas em contexto de igualdade”, assegurou a CTI. Rosário Macário aduziu que o universo de especialistas em Portugal é limitado e é normal que ao longa da carreira já tenham expresso uma opinião sobre o tema.
“Está em marcha uma campanha orquestrada para descredibilizar a Comissão Técnica Independente”, chegou a acusar Carlos Mineiro Alves, que preside à Comissão de Acompanhamento e também já se pronunciou favoravelmente em relação a Alcochete. Não está sozinho. A Ordem dos Engenheiros e a Ordem dos Economistas também “votam” no Campo de Tiro.
Mais recentemente, a TVI noticiou que a CTI contratou uma empresa pertencente a um dos seus membros: Rosário Macário, responsável pela área de planificação aeroportuária.
Decisão nas mãos de PS e PSD
As acusações de falta de imparcialidade levaram o vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, a falar em “desconforto” e “quebra de confiança” em relação ao trabalho da CTI. Ainda assim, a opção foi não quebrar o compromisso assumido com o Governo. O ECO sabe, no entanto, que os social-democratas querem ver o relatório para tirar conclusões definitivas sobre a sua validade.
O PSD defendeu, durante o Governo de Passos Coelho, a opção pelo Montijo. Que só não avançou com António Costa devido ao “chumbo” de parte dos autarcas dos concelhos abrangidos, já que o PCP prefere Alcochete. O novo líder do PSD, Rui Rio, fez depender a alteração à lei que dava aquela prerrogativa aos municípios da realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica.
Com a demissão de António Costa, a decisão política passa para o Executivo que sair das eleições de 10 de março. O desejo de conciliar uma decisão entre os dois maiores partidos mantém-se. Embora sem se manifestar especificamente sobre o aeroporto, José Luís Carneiro, candidato à liderança do PS, já mostrou abertura para entendimentos com os social-democratas.
Pedro Nuno Santos, também candidato à liderança dos socialistas, defende um acordo global, mas referiu em entrevista à CNN Portugal que caso não exista um entendimento avançará com uma decisão, caso seja primeiro-ministro. “Se for possível esse entendimento existir [com o PSD], isso é bom, porque garante estabilidade a uma decisão que vai implicar um investimento prolongado no tempo, mas não podemos ficar paralisados mais uma vez. Isso não podemos. Isso é um crime que fazemos ao país”, afirmou.
A preferência do antigo ministro das Infraestruturas é conhecida. O seu ministério aprovou um despacho para a realização de uma AAE em que o aeroporto de Montijo seria completar à Portela até à construção de uma infraestrutura única em Alcochete. No dia seguinte, o diploma foi revogado pelo primeiro-ministro, por não ter sido consensualizado com o PSD.
O relatório que será apresentado esta quarta-feira ainda é preliminar. Após a realização da conferência no LNEC, o relatório será disponibilizado para consulta pública durante 30 dias úteis.
“Findo esse prazo, a CTI – avaliando a racionalidade, o mérito, a oportunidade e a pertinência técnica de cada um desses contributos, à luz dos Fatores Críticos para a Decisão – elaborará então o relatório final dando por concluído o mandato que lhe foi conferido”, afirmou a Comissão em comunicado.
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Já há estudos para o novo aeroporto de Lisboa, falta a decisão política
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