Desde 2018, venderam-se cerca de 740 mil casas em Portugal, mas construíram-se apenas 54 mil. Os preços sobem e os motivos são vários mas, acima de tudo, a oferta é insuficiente para a procura.
Os preços das casas em Portugal subiram mais de 80% nos últimos 12 anos, acima da média da União Europeia (UE), de acordo com o Eurostat. Atualmente, em média, o metro quadrado para venda está nos 1.494 euros e para arrendamento está nos 6,55 euros, mas a situação piora nas grandes cidades: no Porto e em Lisboa, um T2 com 70 metros quadrados custa, facilmente, 250 mil euros para comprar e 900 euros para arrendar. Os preços não páram de subir e tudo aponta que assim continuem. Muitos dedos se apontam, desde os estrangeiros ao Estado, mas uma coisa é certa: a oferta não é suficiente para satisfazer a procura e os números falam por si: desde 2018, por cada dez casas vendidas construiu-se apenas uma.
Desde 2010, os preços das casas na UE aumentaram 49%. Em Portugal, o aumento foi de 80,54% — o 11.º maior aumento de todos os Estados-membros, de acordo com o Eurostat. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, no terceiro trimestre de 2022, os preços das casas subiram 13,1%, enquanto as rendas aumentaram 7,6%. Nas duas principais cidades do país, os aumentos são mais acentuados: no Porto, os preços subiram 18,5% as rendas 10,5%, enquanto em Lisboa a subida foi de 7,6% nos preços e de 16% nas rendas — dados do segundo trimestre de 2022.
São vários os motivos que explicam esta tendência de subidas, que nem com a pandemia ou com a atual crise que se vive abrandou. O Governo quis impor limites aos vistos gold nas cidades do litoral porque, dizia na altura o ex-ministro Pedro Nuno Santos, isso contribuía para o encarecimento da habitação.
Há quem aponte o dedo aos estrangeiros, nomeadamente ao poder de compra mais elevado. Já o setor aponta o dedo ao Estado, alertando para os entraves que são colocados aos promotores, nomeadamente a nível de impostos e licenciamentos, e para a falta de oferta de habitação.
A oferta de habitação baixou muito ao longo de vários anos e a procura recuperou, criando o desequilíbrio que se observa há vários anos com as consequências conhecidas.
José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, diz ao ECO que “a oferta de habitação baixou muito ao longo de vários anos e a procura recuperou, criando o desequilíbrio que se observa há vários anos com as consequências conhecidas”. Em Lisboa e no Porto, nota, “apenas 15% e 16%, respetivamente, do inventário tem menos de 20 anos”.
A oferta de casas no país, sobretudo no Porto e em Lisboa, é insuficiente para satisfazer a procura. E os números não deixam margem para dúvidas. De acordo com o INE, entre janeiro e setembro de 2022, foram vendidas 129.374 casas no país, mas apenas construídas 14.451. Ou seja, por cada nove casas vendidas, foi construída apenas uma.
O cenário é o mesmo se aumentarmos o horizonte temporal. Desde 2018, venderam-se 738.643 casas e construíram-se apenas 73.664 — por cada dez casas vendidas, construiu-se apenas uma.
A tendência acentua-se se analisarmos as principais cidades do país. No Porto, até ao final do terceiro trimestre de 2022, foram vendidas 36.333 casas e construídas apenas 6.005 (uma casa construída por cada seis vendidas); desde 2018, venderam-se 212.989 casas e construíram-se apenas 29.834 (uma casa construída por cada sete vendidas).
Já em Lisboa, venderam-se 39.261 casas até ao terceiro trimestre de 2022 e construíram-se apenas 3.260 (por cada casa construída venderam-se 12). Desde 2018, foram 236.182 casas vendidas e 15.963 construídas (uma casa construída por cada 15 vendidas).
“Os entraves mais relevantes” à nova construção “são, claramente, o licenciamento”, diz o CEO da promotora imobiliária. “O tempo que demora a aprovação [de um projeto] e a falta de comunicação e interação entre o requerente e a edilidade são exasperantes e altamente nocivas”. Isso, diz, resulta em “poucas casas no mercado, apesar de, como nunca, haver capital disponível para investir em Portugal”.
Ainda segundo o INE, o Índice de Produção na Construção abrandou para 0,3% em novembro (1,6% em outubro), estando em mínimos de janeiro de 2022. Esta evolução foi particularmente influenciada pelo segmento “engenharia civil” — a “construção de edifícios” desacelerou para um crescimento de 0,7% naquele mês, enquanto a “engenharia civil” caiu 0,3% após um crescimento de 1,4% em outubro.
Como aumentar a oferta? Estado vs privados
A Constituição diz que “o Estado é o garante do direito à habitação” e, de facto, Pedro Nuno Santos, durante o seu mandato como ministro da Habitação, reconheceu várias vezes o falhanço do Estado nesse papel. Ao mesmo tempo, anunciou várias iniciativas para tentar resolver esse problema, podendo destacar-se como mais relevante a reabilitação do património devoluto público e reconversão em rendas acessíveis para a classe média. Mas já passaram quatro anos desde que anunciou essa medida e, até ao momento, nada se fez.
O Governo, agora com Marina Gonçalves como ministra da Habitação, continua a trabalhar no inventário do património devoluto do Estado. Em outubro de 2021, tinham sido identificados 1.020 imóveis do Estado, dos quais 645 estavam devolutos. Em março de 2022, o número de imóveis inativos ou devolutos subiu para 717. O objetivo do Executivo é ter 5% do parque habitacional público — atualmente são 2%.
O CEO da Vanguard Properties duvida que “seja possível, em poucos anos, aumentar substancialmente o parque público habitacional”. “Por um lado, o preço alvo, segundo sei, é difícil de ser cumprido pelos construtores; por outro, não há grande capacidade de produção disponível; e, por fim, temos o problema da [falta de] mão-de-obra” no setor da construção.
O Governo está atualmente a elaborar um estudo para perceber o que está a ser feito no resto da Europa em matéria de arrendamento, mas também conta com a ajuda dos privados para resolver o problema. No final de 2021, foi aprovada a descida do IVA na construção de 23% para 6% quando se trata de construção de imóveis para renda acessível. Contudo, até ao momento, não se conhece nenhum projeto neste âmbito.
[Para criar rendas acessíveis] é preciso haver terrenos a preços competitivos, licenciamento expedito, redução das taxas e impostos e, por fim, estabilidade na legislação do arrendamento.
José Cardoso Botelho nota que, para ser possível colocar casas com rendas acessíveis no mercado, “é preciso haver terrenos a preços competitivos, licenciamento expedito, redução das taxas e impostos e, por fim, estabilidade na legislação do arrendamento“. “É também necessário formas de financiamento a longo prazo, que neste momento não são possíveis de contratar junto da banca nacional”, acrescenta.
Para resolver esta questão, o CEO da Vanguard salienta a importância de se “atrair os grandes fundos de pensões internacionais aptos a financiar este tipo de operações com rendimentos ajustados e competitivos”.
Os custos de construção, como estão atualmente, são pouco ou nada atrativos para quem pretende construir. Em novembro de 2022, de acordo com as estimativas do INE, os custos de construção de habitação nova aumentaram 11,7% em termos homólogos (apesar de terem desacelerado pelo segundo mês consecutivo). O preço dos materiais e o custo da mão-de-obra subiram, respetivamente, 15,4% e de 6,7% no espaço de um ano.
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Nos últimos cinco anos, por cada dez casas vendidas construiu-se apenas uma
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