O CEO que quer transformar o “banco do tormento num banco de fomento”

Gonçalo Regalado não esconde que quer marcar a diferença face ao passado. O objetivo do “filho e neto de empresários” é que este seja o melhor ano de sempre das garantias BPF.

  • Retrato é uma rubrica do ECO na qual, durante o mês de agosto, é publicado diariamente o perfil de uma personalidade que se distinguiu no último ano, em Portugal

Foi no serviço de neonatologia do Hospital de São Francisco Xavier que Gonçalo Regalado tomou a decisão: aceitar o convite do ex-ministro da Economia, Pedro Reis, para liderar o Banco de Fomento. A luta pela vida de Tomás, o seu quinto filho (que nasceu prematuro e esta última segunda-feira fez um ano), inspirou-o para enfrentar o desafio de dar uma nova vida ao Banco de Fomento, que muitos vaticinaram como votado ao fracasso, já que nasceu torto. E o ditado popular não perdoa.

Otimista por natureza, tem uma enorme confiança em si próprio e uma capacidade de trabalho reconhecida. Por isso, traçou como meta transformar aquilo a que chama “o banco do tormento, num banco de fomento”. O trocadilho tem uma razão de ser: os melhores anos de atividade do banco coincidem com os piores anos da economia: 2009 (plena crise financeira) e 2020 (crise da pandemia).

“Se o Banco Português de Fomento produzir, como esperamos, em parceria com a banca comercial, 4,7 mil milhões de euros de garantias, excluindo o ano do Covid, em que se produziram 9,1 mil milhões, o Banco Português de Fomento fará o melhor ano dos últimos 15”, afirma Gonçalo Regalado. Até agosto, o banco produziu 2,75 mil milhões de euros de garantias, avança o responsável ao ECO.

Com um entusiasmo contagiante, o presidente executivo do BPF sabe os números na ponta da língua, que desfia a grande velocidade. A velocidade que quer imprimir na transformação da instituição desde a primeira hora e com que tomou a decisão de deixar “uma casa que sempre o tratou bem”.

A decisão foi tomada “em 24 horas”, conta. “Este tipo de decisões, normalmente, são rápidas e ágeis”, garante Gonçalo Regalado. E isto foi possível porque as “duas únicas reservas” que colocou a Pedro Reis, com quem tinha trabalhado no BCP, foram “rapidamente aceites”: “poder escolher a equipa executiva garantindo que a escolha era profissional, de bancários e de executivos” e “garantir que nem a banca comercial, nem a vida política tinham qualquer influência no banco”, elencou.

No início da carreira, Gonçalo Regalado “já tinha servido em instituições públicas e trabalhado com várias dimensões da vida pública” — geriu o programa da Comissão Europeia Erasmus Mais (de 2012 a 2013) ou quando foi chefe do gabinete do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo.

“Dentro daquilo que foi o desafio que me foi apresentado, considerei que é preciso dar mais do que receber. Portanto, é preciso estar ao serviço e dizer presente quando muitas vezes é difícil porque a nossa vida privada e pessoal e familiar nem sempre o acomodam”, disse. Por isso, “a opção foi deixar o conforto de uma carreira com 15 anos no BCP, numa casa onde fui muitíssimo feliz, desde estagiário a diretor-geral”, conta.

A opção foi deixar o conforto de uma carreira com 15 anos no BCP, numa casa onde fui muitíssimo feliz, desde estagiário a diretor-geral

Gonçalo Regalado

Presidente executivo do BPF

Regalado entrou no BCP em 2009, mas saiu para exercer as funções já referidas, regressando em 2015. Aquando da saída derradeira, já era diretor de marketing de empresas, negócios e institucionais, já evidenciando a alta energia que hoje se tornou mais conhecida do público em geral.

“O BCP é de longe a melhor escola de banca em Portugal”, frisa. “Preparou uma série alongadíssima de quadros fantásticos de diretores, de gestores, profissionais, técnicos de grande qualidade.” “Muito do que estamos a fazer hoje no Banco de Fomento já eram processos, rotinas, impactos, com proximidade às empresas e aos empresários que desenhávamos à data na banca comercial e que hoje se aplicam de uma forma estrutural”, explica.

Mas a decisão deixou marcas na relação com o CEO do BCP, Miguel Maya. “Nenhum presidente, nenhum banco nem nenhuma empresa, fica satisfeito quando vê pessoas que são importantes na sua organização abraçarem outros desafios”, reconhece Gonçalo Regalado. “A reação do Dr. Miguel Maya é de um sentimento misto: de alegria por ver um jovem com 41 anos, à data, dizer ‘vou entregar ao meu país, aos meus filhos, às próximas gerações, aos empresários, um banco soberano que esteja a seu cargo de forma prática e efetiva todos os dias. Mas isso também tem impacto na instituição de onde sai”, admite.

Fazer diferente. Os empresários são o Santo Graal do BPF

Regalado não esconde que quer marcar a diferença face às administrações anteriores, desde logo, através da apresentação de resultados. Para isso mudou a forma de atuação do banco fazendo chegar aos empresários garantias milhares de garantias pré-aprovadas, mas também multiplicar as linhas e produtos oferecidos, com maior enfoque na tesouraria (como sublinhou a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR).

O “grande indicador” pelo qual o banco deve ser avaliado “é o investimento, o crescimento, o desenvolvimento, as exportações, o emprego”, elenca o responsável, que baixou o preçário da instituição que na sua visão não existe para dar lucro, mas para servir as empresas.

Na mensagem motivacional que enviou a todos os colaboradores, quando chegou ao banco, disse claramente que queria transformar o BPF no “melhor banco de empresas, de todos”. Prometia um “reforço da proximidade” com os empresários e “resultados marcantes”.

“Dizemos às pessoas, o foco são as empresas e os empresários. Trabalhamos para eles. De manhã à noite. O empresário é o santo graal do banco, passa à frente de tudo”, diz. “E quando explicamos que são os empresários que garantem que o banco: tem utilidade, tem capacidade, tem dinâmica e tem resultados, percebemos que todo o ecossistema e enquadramento se têm de adaptar a isto.”

“Quando a liderança está mais preocupada com o que pensa, o que opina, o que decide, o que escreve, o regulador, o supervisor, o auditor, honestamente, estamos longe do impacto”, sublinha, numa crítica velada às anteriores lideranças do banco.

“Porque um banco soberano não pode ser um banco subserviente”, alerta. “O Banco de Fomento não pode ser um banco subserviente da banca comercial, não pode ser um banco subserviente dos fundos de investimento e capital, não pode ser um banco subserviente do Banco Portugal ou do Banco Central, não pode ser um banco subserviente do auditor, do revisor ou do regulador”, remata.

Mas as mudanças não se ficam por aqui. Gonçalo Regalado tem um cuidado especial com a equipa. Na missiva que enviou aos colaboradores, assim que chegou, a palavra-chave foi “equipa”, optando mesmo por escrevê-la em letras capitulares para sublinhar a sua importância.

Recorde-se que a administração anterior foi criticada pela forma como lidou com os colaboradores, nomeadamente os que “herdou” do tempo de Beatriz Freitas. Tal como o ECO escreveu, num encontro de quadros, destinado a revelar o plano estratégico do banco, a ideia que os colaboradores retiveram do breve discurso da então chairwoman Celeste Hagatong, foi a de que quem não estava com a administração podia sair porque era possível arranjar igual ou melhor.

Para marcar a diferença, Gonçalo Regalado fez questão de assinalar, em várias apresentações, que prefere trabalhar com “o braço da casa”. Dispensou consultoras, escritórios de advogados, pôs fim a parcerias e outscourcing e tem elogiado publicamente o trabalho dos colaboradores da instituição.

Regalado sabe que tem um lastro grande para vencer e por isso arregaça as mangas e mete as mãos na massa, não se coibindo de agarrar no telefone para perceber diretamente os problemas que afetam uma determinada empresa, para garantir o sucesso de uma conferência, ou enfiar-se no carro e fazer os quilómetros para visitar os protagonistas.

Conversas com Fomento.
Gonçalo Regalado, ceo do Banco de Fomento
Ricardo Castelo/ECO

As viagens constantes, aliás, já levaram o conselho de administração a discutir a necessidade de lhe contratar um motorista, para sua segurança. “Estou super bem quando ando com empresários”. Faz questão de fazer o máximo de visitas possíveis às empresas. Este mês, antes de uma “pequena paragem” para retemperar forças, tem visitado até três empresas por dia.

Na conversa com o ECO, um pequeno-almoço cedo, antes da primeira reunião da manhã, o CEO explicava com entusiasmo as visitas do dia anterior e os planos para ajudar essas empresas a crescer, investir e exportar mais. Mas esse entusiasmo — que deixou o pastel de nata esquecido na mesa — não é isento de críticas. Se por um lado, uns elogiam as suas capacidades de oratória, outros estranham “o milagre da multiplicação dos pães”, porque desfia milhões de euros em linhas com efeitos multiplicadores que fazem duvidar os mais céticos.

“Nascer para ser não tem de ser”

Regalado justifica a paixão que tem pelas empresas nacionais com o facto de ser “filho e neto de empresários”. “Estou cá, mas sou de lá”, costuma dizer aos empresários com quem contacta.

O avô lançou a primeira pedra de um grupo que hoje trabalha na área dos aços, plásticos, moldes e injeção com investimentos em várias zonas do país e “algumas posições internacionais”. Tudo começou no setor da agricultura há mais de 60 anos, em Vagos. Gonçalo Regalado foi deputado da Assembleia Municipal de Vagos entre 2005 e 2009.

Apesar de ter começado a sua vida profissional a estagiar em part time nas empresas da família, o seu presente não passa por elas e o futuro provavelmente também não.

“Tenho a certeza que se a decisão fosse do meu avô, desde o momento da criação do grupo, eu seria claramente uma opção ou a opção sucessão”, reconhece. Mas entende que “isso não é critério”. “O critério tem de ser o melhor, o mais adaptado, quem consegue pegar no grupo e levá-lo para a frente.”

“O meu sentimento é claro: tenho uma honra enorme pelo que a minha família faz, sei que estão trabalhando muitíssimo abnegados e que, não só respeitam o legado do meu avô, como garantem o legado para as próximas gerações e permitiram-me sempre fazer o que eu quis”, afirma.

“Portanto, nascer para ser não tem de ser”, diz. “Acredito que a transição será ótima, de uma terceira geração que será mais forte que a segunda e mais forte que a fundação”, concluiu.

Questionado sobre quais são as suas ambições de futuro rejeita levantar a ponta do véu. Entende que está à frente do BPF há apenas oito meses e que seria errado estar a pensar mais além. “Se alguém que está há oito meses no banco, e tem um caminho para fazer gigantesco até ao fim do mandato, está preocupado com o que é que vai fazer a seguir, as coisas estão muito equivocadas”, responde.

“Como expliquei no processo de fit and proper do Banco de Portugal, ser presidente do Banco de Fomento é ser presidente do banco da Nação, ser presidente do banco soberano de Portugal. Não é ser presidente do banco das garantias, do banco do capital, do banco dos fundos de investimento ou do banco do crédito público, não é isso”, garante.

Com todo o respeito aos presidentes dos bancos comerciais, o patamar do Banco de Fomento é patamar superior. E só não percebe isso quem não compreende que os países mais desenvolvidos do mundo têm bancos soberanos e fundos soberanos fortíssimos”, explica.

A vida política, que é uma arte e um serviço de nobreza ao país, na escolha de quem nos governa, é efetivamente um enormíssimo tributo. Mas há muito mais de vida pública além da vida política

Gonçalo Regalado

Presidente executivo do BPF

Quanto às ambições políticas que alguns suspeitam ter, Gonçalo Regalado responde: “Não”. “A vida política, que é uma arte e um serviço de nobreza ao país, na escolha de quem nos governa, é efetivamente um enormíssimo tributo. Mas há muito mais de vida pública além da vida política”, explica. Mas logo depois, acrescenta: “Espero que o banco esteja sempre fora da vida política e sempre dentro da vida pública”.

Não tenho de estar preocupado com o que é que vou fazer a seguir, daqui a um ano, dois, três ou cinco anos. Tenho a felicidade, sobretudo pelo enquadramento familiar em que nasci, em garantir que os meus quatro filhos vivos têm hoje mais de 90% do seu futuro, do seu património, do seu caminho, definido pelo balanço que têm da minha família”, afirma.

“Quando aparecem oportunidades, quando há opções, as pessoas tomam decisões. Tenho a certeza que quando terminar esta missão, vou ter outras opções”, concluiu.

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