Pôr a tecnologia ao serviço da resolução de causas sociais é uma realidade cada vez mais presente nas empresas. No Web Summit encontrámos algumas delas. E todas falam português.
Fazer o bem, sem olhar a quem? No Web Summit nem sempre é assim. A maior feira de tecnologia do mundo recebeu, este ano, mais de 2.000 startups. Houve de tudo e para todos os interesses: soluções para empresas, inteligência artificial, gaming, internet das coisas, mas também causas sociais.
Parece que passam despercebidas mas há mesmo quem queira ser empreendedor para pôr a tecnologia ao serviço de causas nobres. O empreendedorismo social veio para ficar. Pelo menos assim o diz Inês Sequeira, diretora da Casa do Impacto, que considera que a tecnologia tem um papel fundamental para ajudar a resolver “os grandes desafios que temos nos próximos anos, tanto a nível ambiental como social”.
Ao serviço da saúde mental
A Casa do Impacto é uma incubadora, ligada à Santa Casa da Misericórdia, que acolhe mais de 40 startups que trabalham para a resolução de problemas e necessidades sociais e ambientais. “Cada vez mais há empreendedores que não só querem ganhar dinheiro e ter os seus negócios sustentáveis economicamente mas que também pretendem acrescentar algo e ajudar a resolver problemas sociais e ambientais”, conta Inês.
Pedro Trincão Marques é um desses empreendedores. Fundou a hugagroup este ano, juntou-se à Casa do Impacto e foi ao Web Summit mostrar o seu projeto. Trata-se de uma plataforma que pretende ajudar pessoas com ansiedade e e depressão. Funciona no “modelo alcoólicos anónimos”, brinca, com recurso a videochamada, e é moderado por psicólogos.
O objetivo é que as pessoas, para além de irem ao psicólogo, “possam ter uma comunidade com a qual se identificam para crescer em conjunto”, explica Pedro. A ideia surgiu por necessidade própria, uma vez que o próprio Pedro sofria com problemas de ansiedade e sentia que lhe faltava interação com pessoas para evitar que a solução fosse apenas um “processo solitário de introspeção”.
As sessões em grupo funcionam em videoconferência e podem ter de três a oito participantes. Abdicar da reunião presencial foi uma escolha por ser “complicado gerir agendas e deslocações”. Para o fundador da hugagroup, o “online traz maior disponibilidade e conveniência”, uma vez que, é importante para o psicólogo saber com quem está a falar mas, por outro lado, para as pessoas é importante saber “que não vão encontrar o vizinho ou o colega da escola”.
Para já, o trabalho da startup foca-se mais em encontrar parceiros e trabalhar através deles. Contudo, a plataforma está funcional e aberta a todos os que precisarem dela. “Se alguém fora do circulo de parceiros precisar do serviço, pode vir ao nosso encontro que nós arranjaremos uma solução para ela”, refere Pedro Trincão Marques.
“A tecnologia aproxima as pessoas em situação de crise, porque é mais fácil poder ligar o telemóvel para ter acesso a algumas soluções sem terem de sair de casa”, confessa.
Quem também se virou para a tecnologia para ajudar quem tem problemas de saúde mental foi Cláudia Lima. A clínica de desenvolvimento infantil, situada em Telheiras, já existe há alguns anos mas só recentemente se virou para as soluções tecnológicas. O Programa Integrado para o Autismo (PIPA) foca-se em dar resposta às necessidades que as crianças com autismo — e até os próprios pais — têm no desenvolvimento do seu pensamento e aprendizagem.
“Em vez de estarmos concentrados nos défices destas crianças, estamos concentrados nas suas potencialidades, nomeadamente a capacidade de aprender recorrendo à tecnologia”, conta a CEO do PIPA. Nesse sentido, e ao longo dos anos, já foram desenvolvidas três apps, que estimulam a linguagem e a numeracia. Porém, a nova plataforma vai integrar uma componente de diagnóstico precoce pois “quanto mais cedo as crianças forem identificadas com esta dificuldade, mais cedo podemos intervir para na idade adulta para poderem ter mais autonomia”, explica.
Esta nova ferramenta deve entrar em total funcionamento já em 2020. Para Cláudia Lima, a tecnologia tem o poder de ajudar estas crianças a ver “colmatadas as duas dificuldades de interação, e é um meio eficaz para se tornarem adultos preparados”.
Ao serviço dos refugiados
Em 2017, Paula Morais trabalhava com refugiados na Jordânia quando surgiu a ideia de criar uma plataforma que os ajudasse a encontrar trabalho remoto. Muitos dos refugiados sírios com quem convivia não estavam habilitados a sair do campo e, muitas vezes, “perguntavam se não havia possibilidade de trabalhar remotamente”. Foi com base nesses pedidos que surgiu a Global Plenitude, uma plataforma online que ajuda quem está nos campos de refugiados a encontrar trabalho.
Atualmente, e segundo as Nações Unidas, existem 70,8 milhões de pessoas que foram forçadas a sair do seu país devido a conflitos, sendo que 30 milhões têm menos de 18 anos. Em 2018, houve mais de 341.800 novos pedidos de asilo.
“Muitos deles estão dentro dos campos de refugiados e não podem sair. Mesmo que pudessem, precisam de uma licença especial para trabalhar”, conta a fundadora da startup sediada na Suécia, país onde vive há alguns anos. O objetivo é dar às pessoas a possibilidade de ter algum rendimento, uma vez que 80% dos refugiados vive em países vizinhos aos de origem porque “a intenção é quase sempre voltar a casa e continuar a enviar dinheiro para a família que ainda lá está”.
Conseguir uma oportunidade para trabalhar também é importante, mesmo a nível psicológico e emocional, considera a empreendedora. “Sentirem que estão a contribuir para alguma coisa, que têm uma forma de estar na sociedade e que os ajude a retirar também o peso do país de acolhimento”, explica Paula Morais. Também segundo os dados da ONU, 57% dos refugiados provêm da Síria, Afeganistão e do Sudão do Sul. A Turquia é o país que recebe mais pessoas a precisar de asilo.
Os pedidos dos refugiados ajudaram a formar a ideia mas faltava perceber o que achavam as empresas. Assim, a Global Plenitude foi lançada na edição deste ano do Web Summit. “É importante saber o que pensam as instituições, porque estas pessoas têm desafios muitos específicos, como o acesso a um computador e internet”, confessa a fundadora. Apesar disso, a experiência foi “gratificante”. “Uma coisa que nos surpreendeu foi ter pessoas que apareceram a dizer que queriam ser nossos investidores. Nós não fomos à procura de investidores, eles é que vieram ter connosco”, conta.
A tecnologia tem um papel essencial para o trabalho que a Global Plenitude está a tentar desenvolver. Paula Morais destaca que há ferramentas que “têm essa capacidade e impacto, de mudar a forma como interagimos de forma positiva. De conseguir promover novas inovações dentro de países onde teríamos muitas dificuldades em fazê-lo”.
Ao serviço dos cuidados de saúde
Pedro Beirão fundou o “TripAdvisor da saúde em Angola”. A Appy Saúde é uma plataforma “que permite que as pessoas encontrem medicamentos, vejam o respetivo preço e possam comprar online, marcar consultas e ver programas de saúde das seguradoras e também alguns estabelecimentos”, explica o CEO. A startup foi fundada em Angola em 2017 e está agora a expandir atividade para o Ruanda.
Segundo os dados do World Bank Group, a África Subsariana tem os piores cuidados de saúde do mundo. Para combater as dificuldades e ajudar a combater esses desafios, nasceu a Appy Saúde. A falta de medicamentos foi uma das principais motivações para a criação da plataforma. “É desesperante ir a um médico, ele passar uma receita e depois não conseguir comprar o medicamento e ter de lá voltar. O acesso aos médicos não é fácil para a maior parte da população, e queríamos quebrar essa barreira”, explica Pedro Beirão.
O combate à corrupção no acesso aos serviços de saúde é também uma bandeira da empresa. Para esse fim, a app permite ao utilizador deixar comentários e fazer reviews dos serviços de saúde. “Se alguém disser que o guarda pediu um pagamento para o doente poder entrar no estabelecimento e a pessoa expuser a situação, pode ajudar a combater estas dificuldades”, conta o CEO da empresa.
A app já conta com mais de 50 mil downloads e cerca de 20 mil utilizadores ativos. O objetivo é continuar a expandir para outros mercados africanos, onde o desafio também seja um problema.
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Usar a tecnologia para o bem. Estes empreendedores sociais falam português
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