Banco de Portugal vai anunciar esta quarta-feira lucros e dividendos de 240 milhões. Só os bancos centrais do Sul estão ainda a apresentar lucros. A Norte, as contas já estão no vermelho.
A subida das taxas de juro está a pressionar os resultados dos bancos centrais em todo o mundo. Na Zona Euro, o Bundesbank registou o primeiro prejuízo em quarenta anos – só evitou entrar em perdas porque recorreu a provisões. O governador do banco central holandês adiantou que só em 2028 voltará a ter lucros. Ao contrário do que se passa a Norte, as contas continuam ainda positivas nos bancos centrais do Sul. Incluindo Banco de Portugal, com Mário Centeno a anunciar esta quarta-feira um resultado a rondar os 300 milhões.
O mapa em baixo ilustra como os bancos centrais integrados no Banco Central Europeu (BCE) estão em posições bem diferentes, e não só em termos geográficos.
A divisão entre Norte e Sul é clara. E traz à memória os conflitos que marcaram a crise da dívida soberana na primeira metade da década passada.
Os bancos centrais da Alemanha, Holanda, Áustria, Finlândia – por sinal, aqueles que se mostraram mais céticos em relação aos programas de compras de dívida que estão agora a dar origem aos prejuízos – só não tiveram as contas no vermelho porque recorreram a mais de três mil milhões de provisões para cobrir as perdas.
A Sul, os bancos centrais de França, Espanha e Grécia tiveram lucros de mais de 7,2 mil milhões de euros. Esta quarta-feira, será a vez de o Banco de Portugal anunciar os seus resultados, que se devem aproximar dos 300 milhões – pelo menos a julgar pelo dividendo de 240 milhões de euros (correspondente a 80% do lucro) com que conta o Governo.
O governador Mário Centeno optou pelo reforço das provisões para absorver os prejuízos que se perspetivam para os próximos anos, sinalizando que deixará de pagar dividendos, menos uma fonte de receita para o ministro das Finanças compor o seu orçamento.
BdP entregou mais de 4,6 mil milhões em dividendos desde 2007
Fonte: Banco de Portugal
A que se deve esta diferença entre Norte e Sul?
Nos últimos anos, além do BCE, também os bancos centrais que fazem parte do Eurosistema estiveram a comprar quantidades massivas de títulos de dívida pública dos seus países, cumprindo as orientações de Frankfurt.
O que acontece é que os bancos centrais do Norte, por terem adquirido títulos de países com prémios de risco menores devido à melhor situação orçamental, as suas carteiras de dívida “têm agora muito menor valor com a subida das taxas de juro, incorrendo em perdas maiores”, explica o professor de Economia da Nova SBE Pedro Brinca ao ECO.
“Pelo contrário, os bancos centrais dos países do Sul têm tipicamente uma proporção de dívida soberana dos seus governos mais elevada, títulos estes que pagam taxas de juro muito superiores devido à então pior situação orçamental e têm hoje mais valor relativamente aos anteriores”, acrescenta.
A reavaliação em baixa da carteira de títulos explica os prejuízos de mais de 500 milhões do banco central da Bélgica, com capitais privados. Foi o único (até agora) a reportar um resultado negativo. Nas suas contas de 2022 explica que, se tivesse de vender agora a sua carteira, teria registado perdas de 1,1 mil milhões.
Gonçalo Pina, professor de Economia Internacional na ESCP Europe, em Berlim, lembra ainda que a subida das taxas de juro está a aumentar os custos dos bancos centrais (por exemplo, com a remuneração das reservas que os bancos comerciais deixam no banco central), enquanto os títulos de dívida que compraram nos últimos anos estão a render juros baixos.
Mais uma vez: nos países com forte desempenho orçamental, que emitiram obrigações com juros mais baixos, os bancos centrais deparam-se agora com uma situação em que têm receitas mais baixas provenientes desses títulos, enquanto os custos estão a subir igualmente para todos. “Os bancos centrais do Norte têm mais prejuízos”, observa Gonçalo Pina.
Frugais versus indisciplinados
Há quem tema que a atual situação possa fazer reemergir as divisões entre os países considerados “frugais” e os “indisciplinados” que marcaram a última crise de dívida soberana na Zona Euro.
“O golpe nos bancos centrais do Sul é muito menor e podem apostar que isso aumentará as tensões”, afirmou Johan van Overtveldt, presidente belga do comité de orçamento do Parlamento da União Europeia, citado pelo Politico. Os resultados dos bancos centrais “virão à tona em praticamente todas as discussões, direta ou indiretamente”.
Gonçalo Pina relativiza este tema: “Felizmente, estes prejuízos são irrelevantes. São uma percentagem muito baixa dos orçamentos públicos destes Estados e não afeta a capacidade de operarem”.
Ainda assim, a região não está imune a ameaças. “O risco estará em instrumentalizar esta situação para argumentar contra uma política que não tinha consenso inicialmente, como foi o caso da compra de ativos por parte dos bancos centrais da Zona Euro”, comenta o professor da ESCP Europe.
Para Pedro Brinca, a questão prende-se mais sobre como se vai financiar o défice do BCE. A instituição liderada por Christine Lagarde teve de recorrer a 1,6 mil milhões de euros de provisões para absorver as perdas do ano passado e deverá continuar com as contas no vermelho nos próximos anos. “Será um teste à coesão da Zona Euro, mas acredito que será um teste positivo”, nota o professor da Nova SBE.
Independência dos bancos centrais em causa?
Referenciado pelo Politico, o economista alemão Daniel Gros lembrou que os bancos centrais do Norte também têm a sua quota de responsabilidade nisto, pois não quiseram partilhar o risco inicialmente. Podiam ter comprado dívida dos outros Estados-membros, mas optaram por comprar títulos apenas dos seus países, que estão agora a gerar prejuízos. Sendo assim, também não há agora uma partilha dos prejuízos.
Gonçalo Pina concede, mas não considera um “argumento útil” para a discussão. Pedro Brinca diz que não é o facto de os seus bancos centrais estarem a dar prejuízos (situação que será temporária) que fará os governos do Norte mudarem de ideias em relação à partilha de risco na Zona Euro.
Certo é que os bancos centrais, de Norte a Sul, vão ter perdas nos próximos anos devido à política restritiva do BCE para controlar a inflação. Se têm provisões suficientes para absorver os prejuízos? Sendo “robustas”, diz Pedro Brinca, não deverão suficientes, o que obrigará os bancos centrais a pedir ajuda aos governos para financiar os défices, refere Gonçalo Pina. Por exemplo, o Banco de Inglaterra prevê uma injeção de 100 mil milhões de libras até 2033. O Banco de Portugal tem uma almofada de quatro mil milhões para enfrentar este risco.
BdP com provisões de quase 4 mil milhões
Fonte: Banco de Portugal
O professor da Nova SBE acredita que, do ponto de vista político, e depois de anos a financiarem os governos, a necessidade de injetar fundos nos bancos centrais não irá levantar “especial clamor”. Porém, é também a independência do banco central que pode estar em causa, não pela necessidade de fundos, mas “pela pressão política que tem havido sobre a política monetária”. “Os governos estão com bastante pressão política para terem políticas orçamentais expansionistas e a capacidade [dos bancos centrais] de resistirem a estas pressões é tanto maior quanto maior for a solidez das instituições”, frisa.
Segundo Gonçalo Pina, a instrumentalização política poderá “reduzir a credibilidade dos bancos centrais e tornar mais difícil controlar a inflação”. “É um risco e é essencial que os bancos centrais e os governos consigam comunicar efetivamente esta evolução na política económica”, afirma.
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Portugal, Espanha, França e Grécia: só os bancos centrais do Sul lucram
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