Cervejas, gelados, ar condicionado, chapéus… Os negócios que normalmente veem no verão um empurrão para as suas vendas, estão agora a ser deixados na sombra pela falta de sol.
“As pessoas ainda não estão em modo verão”. O comentário é do senhor Manuel, responsável pelos chapéus e espreguiçadeiras de uma das praias do Meco. Nem as pessoas nem o clima, parece. Segundo o IPMA, este mês de julho está a ser o mais frio desde há 30 anos. E isso está a arrefecer os negócios.
O cenário típico português, de uma ida à praia com uma cerveja na mão e um gelado na outra, já não se vê com tanta frequência. O mesmo para entrar num edifício e sentir instantaneamente uma brisa fresca do ar condicionado. O valor médio da temperatura máxima até dia 18 de julho foi 1,6 graus inferior ao habitual. Simultaneamente, nos países nórdicos estão a registar-se temperaturas recorde. A Noruega e a Finlândia já ultrapassaram os 30 graus, e o Reino Unido e a Irlanda estão a viver períodos de seca e calor extremo. Na Suécia, propagaram-se incêndios para os quais os portugueses emprestaram alguns meios de combate.
Em Estocolmo, as ventoinhas estiveram praticamente esgotadas, segundo testemunhos locais. Já em Portugal, segundo os dados do consumo de eletricidade divulgados mensalmente pela REN, que gere a infraestrutura de transporte, em junho, o consumo de energia elétrica registou uma descida de 2,2% em relação ao mesmo período do ano passado.
“Esta variação negativa resulta fundamentalmente do consumo elevado registado em junho do ano anterior, devido ao efeito das temperaturas acima da média então registadas, e que não se repetiram este ano”, indica a REN no relatório. No entanto, fonte oficial da EDP diz que a empresa “não regista alterações significativas nos níveis de consumo”.
Era uma fresquinha, por favor!
Melhor do que ventoinhas para refrescar é uma cerveja… Que neste tempo mais frio, não calha tão bem. “As condições climatéricas são um fator determinante no volume de vendas de cerveja, pelo que a primavera chuvosa e o verão já percorrido com temperaturas baixas e instáveis tiveram um impacto negativo no consumo“, diz ao ECO Nuno Pinto de Magalhães, diretor de Comunicação e Relações Institucionais da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas.
Segundo os dados da consultora AC Nielsen de junho de 2018, verificou-se alguma desaceleração do consumo de cerveja, com o mercado total de cervejas em Portugal a registar uma quebra de aproximadamente 6% em volume quando comparado com período homólogo.
A Central de Cervejas e Bebidas espera alguma recuperação nos meses remanescentes, “embora seja muito difícil, desde já, recuperar destas quebras na totalidade do ano, considerando os volumes atingidos essencialmente nos dois últimos anos”, acrescenta.
As competições de futebol impulsionam o consumo de cerveja e, este ano, Portugal conseguiu chegar aos oitavos de final no Mundial. Mesmo assim, esse evento desportivo, apesar de ajudar, “não foi suficiente para compensar o verão atípico que temos tido”, afirma Nuno Pinto de Magalhães.
Já para o Super Bock Group, os festivais de verão serão uma grande ajuda, principalmente aquele a que dá nome, que se realizou entre os dias 19 e 21 de julho, em Lisboa. Para além disso, “há, efetivamente, um reforço a nível de investimento em comunicação e ativações no verão”, disse uma fonte do grupo ao ECO. Ainda será cedo para fazer balanços, sublinhou também, visto que “durante os próximos meses decorrem ainda muitas iniciativas com a presença da Super Bock: entre festivais de música e festividades locais e regionais”.
Também uma fonte dos gelados Olá conta que as vendas estão mais baixas do que o normal. A Olá fez recentemente uma parceria com a UberEATS, sendo este mais um meio por onde as pessoas podem adquirir os gelados. Numa altura em que é menos provável ir buscá-los à rua ou à praia, poderá ser uma forma de atingir novos clientes e equilibrar as vendas.
Ir para fora cá dentro
As férias dos portugueses podem ser o que equilibra o mercado neste verão mais frio. “Mais do que as baixas temperaturas deste verão em Portugal, as temperaturas atípicas que se fazem sentir no norte da Europa e na Europa central vêm claramente influenciar a escolha”, explica a Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) ao ECO.
“Muitos ingleses e alemães, mercados tradicionais nos destinos Sol e Mar, estão a preferir ficar no seu país e fazer turismo interno”, constata fonte oficial da AHP. Tendo em conta o panorama, a Associação revela que “as expectativas dos hoteleiros apontam para que, a nível nacional, Portugal seja o principal mercado, seguido de Espanha e França”.
Segundo a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), apesar de ainda não haver dados para este verão, já no período de janeiro a maio se verificava um pequeno decréscimo nas taxas de ocupação, de 1,1 pontos percentuais. De acordo com os AHP Tourism Monitors, a taxa de ocupação registou um decréscimo de 0,6 pontos em maio.
Vamos a banhos? Se calhar não…
Os negócios das praias são dos principais afetados, devido à sua sazonalidade. A AHRESP confirma que, nos “concessionários de praia, temos um decréscimo de afluência”, mas ainda não tem dados concretos para adiantar.
O senhor Manuel, que também nota menos veraneantes na concessão da sua praia, conta que até tem alguns “chapéus alugados e já pagos, mas as pessoas não aparecem”. Às vezes recebe também chamadas dos clientes habituais a perguntar como está o tempo, e, sem coragem para mentir, passa mais um dia em que as sombras dos chapéus não protegem ninguém.
No restaurante e bar dessa praia, queixam-se do mesmo. “Não há tanta gente como de costume mas também, no ano passado, tivemos clientes até novembro”, conta a dona do bar. Parece que se impõe um novo calendário balnear, com o verão a prolongar-se para os meses que correspondiam ao outono.
Mesmo assim, a esplanada do bar tem algumas pessoas a ler livros, resguardadas do vento. De acordo com a Porto Editora, “as variações climáticas não estão a ter um impacto negativo na procura dos livros, o que é uma boa notícia atendendo ao clima cinzento que o setor atravessa há bastante tempo”. Já em alguns países nórdicos, o setor livreiro viu uma diminuição nas vendas uma vez que as pessoas, face às altas temperaturas, optam por atividades diferentes.
“É muito chato termos apanhado o tempo assim nas nossas férias”, lamenta Júlio Santo, vendedor de automóveis e, de férias em Sesimbra. Mas nem tudo piora. Por exemplo, os parques de estacionamento mais perto da praia, que têm os melhores lugares, costumam custar dois euros. “Certo dia um deles era 50 cêntimos porque era “aniversário” do parque”, recorda. Alguns dias depois, “o preço passou a ser um euro, e já está assim há quase uma semana”. À sombra dos preços altos de anos passados.
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Tempo frio tira a toalha aos negócios de verão, da bola de Berlim até aos hotéis
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