Editorial

A insalubridade política

A demissão de Miguel Alves nos termos em que foi, assim como a nomeação de um 'jota' para adjunto de Mariana Vieira da Silva, são exemplos expressivos de uma certa forma de fazer política.

Erros, omissões e incompetências fragilizam e matam” a Democracia. De quem é esta afirmação? De Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso do último 5 de outubro. O que se passou nas últimas semanas com a nomeação e demissão de Miguel Alves para secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro — ao que podemos somar a nomeação de um ‘jota’ de 21 anos para o gabinete de Mariana Vieira da Silva para auferir um salário mensal de cerca de 3.800 euros e sem qualquer formação para a função a não ser uma recém-terminada licenciatura — é muito mais do que um dia ‘super-infeliz’ de António Costa e do Governo, como também disse Marcelo. É uma forma de estar, um modelo de comportamento político, a insalubridade transformada em exercício da ação política.

António Costa é primeiro-ministro há sete anos e, se contarmos só com esta legislatura, vão pouco mais de sete meses e casos atrás de casos (há uma lista que já tem de ser atualizada). Perante a contrariedade, o primeiro-ministro tende a seguir uma de duas estratégias, ou as duas em acumulado. À justiça o que é da justiça, à política o que é da politica, mas não só. Também gosta de dar os casos por terminados no seu próprio calendário. A nomeação de um secretário de Estado Adjunto que foi contratado para pôr ordem numa casa manifestamente desorganizada e que acaba ele próprio por ser fonte de mais caos político é exemplar (e não é no bom sentido).

Qual é a diferença para os outros casos destes meses de Governação. António Costa tinha sido uma espécie de bombeiro que chegava tarde para apagar o incêndio, mas desta vez o primeiro-ministro foi mesmo o incendiário de serviço. E, apesar da demissão de Miguel Alves, Costa tem mais coisas a explicar, desde logo o que sabia exatamente destes casos.

É difícil perceber como é que um líder político reconhecidamente hábil como António Costa nomeia um secretário de Estado para trabalhar diretamente consigo sabendo, como o próprio confirmou, que Miguel Alves tinha um lastro de problemas judiciais atrás de si. E quando se tornou evidente, primeiro por causa de uma operação mais do que duvidosa de antecipação de 300 mil euros de fundos públicos a um empresário amigo — a entrevista que deu ao Expresso fala por si — quando era presidente da Câmara de Caminha. Depois, soube-se que era arguido em dois processos judiciais que envolvem suspeitas de corrupção — os casos Teia e Éter –, mas o primeiro-ministro manteve as estratégias do manual. Azar da ministra Mariana Vieira da Silva, poucas horas antes de se saber que estava acusado, disse-nos com alguma soberba em pleno briefing de Conselho de Ministros para voltarmos todos a ler o que Costa tinha dito antes sobre arguidos em casos políticos (tratando-nos a todos por tolos). Perante a acusação, já não havia saída a não ser a demissão, que foi apresentada e logo aceite.

O mal está feito. É que independentemente do desfecho judicial, há sempre uma avaliação política que deve e tem de ser feita. Alexandra Leitão e Isabel Moreira fizeram-no em devido tempo. António Costa não fez, manteve uma situação inqualificável de um secretário de Estado que trabalhava no Palácio de São Bento quando as suas condições políticas tinham-se perdido definitivamente.

Vão ser uns longos quatro anos, com uma economia a abrandar de forma severa — a Comissão Europeia já nos aproxima perigosamente da recessão em 2023 –, as empresas à espera dos apoios prometidos perante um choque energético sem precedentes enquanto o Banco de Fomento tarda e a CGD tem lucros recorde.

O que se retira deste caso, da forma como o primeiro-ministro o geriu? Para António Costa, uma lição, para os portugueses, a confirmação de que este Governo está num pântano, mesmo com maioria absoluta. A insalubridade política.

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