A natalidade em Portugal nas últimas décadas. Porquê?
A razão essencial para a queda da natalidade é a de que Portugal enriqueceu. E como esta queda foi longe de mais, é preciso ter estratégias que permitam às famílias mais jovens terem (mais) filhos.
É frequente, em Portugal, os políticos declararem que os portugueses precisam de ter mais filhos. Cavaco Silva ficou célebre, em tempos, por perguntar o que é que seria preciso para os portugueses terem mais filhos. Como também vão nesse sentido, por exemplo, declarações de Passos Coelho sobre o mesmo tema. É verdade que tem havido algum debate político sobre esta matéria, apesar de serem mais as palavras do que as ações. Qual foi o real impacto do relatório da Comissão para a Política da Natalidade em Portugal apresentado há uns anos, para além de ter proporcionado o referido debate?
De qualquer modo, o que geralmente não é discutido são as verdadeiras razões que explicam a queda da natalidade. O tema é discutido algumas vezes, mas frequentemente de forma errada, por falta de perspetiva histórica.
A explicação mais corrente sobre os motivos que levam os jovens de hoje a terem poucos filhos é a falta de recursos económicos dos mesmos. Mas devia-se refletir no seguinte: quantos irmãos e irmãs tinham os avós desses jovens?
Ao pensarmos na maioria das nossas famílias, é fácil chegar a uma conclusão: em gerações anteriores – quando Portugal era bastante mais pobre – cada mulher tinha, em média, muito mais filhos. Também a mediana era muito mais alta. E não estamos a falar apenas de três ou quatro, em vez de um ou dois que são normais agora (Portugal apresenta uma taxa de 1, das mais baixas do mundo). Há 60 anos ter 8 ou 9 filhos era relativamente normal, em especial nos contextos rurais (que correspondiam, aliás, à maioria do país).
Para compreender a descida da fertilidade em Portugal é preciso ter em conta não apenas “a crise”, mas muito mais do que isso. Note-se, em primeiro lugar, que a tendência para a descida da natalidade em Portugal é claramente anterior à “crise”. Na verdade, ela data de um período em que, economicamente, Portugal estava a crescer bastante, tendo-se essa tendência acentuado nas últimas décadas.
A dramática transição demográfica que aconteceu em Portugal é semelhante ao que se passou em vários países, na sua transição de países pobres para países ricos. A Coreia do Sul, que há duas ou três gerações era dos países mais pobres do mundo e hoje é mais rico que a França, também passou de uma média de 8 ou 9 filhos por mulher para, atualmente, menos de dois.
Tal como aconteceu na Coreia do Sul, este fenómeno também se pode observar na experiência de desenvolvimento de outros países. Sendo verdade que os filhos custam (muito) dinheiro, poderíamos pensar que a relação entre o rendimento e o número de número de filhos seria positiva. Ou seja, que os ricos teriam mais capacidade económica para ter maior número de filhos. Isso até pode ser verdade em cada momento, mas na verdade, através do tempo, a relação é negativa. Ou seja, nas sociedades mais ricas, as pessoas têm menos filhos.
Aliás, o que escrevi no início do parágrafo anterior, sobre o facto de os filhos custarem muito dinheiro, só é verdade no contexto dos países desenvolvidos. Nos países pobres, como acontecia com Portugal na primeira metade do século XX, os filhos são, com bastante frequência, uma fonte de rendimento, não só no trabalho do campo, mesmo durante a fase em que ainda são crianças, mas especialmente na velhice dos pais. Em sociedades sem sistemas de segurança social ter muitos filhos aumenta a probabilidade de alguns, um dia, tomarem conta dos pais.
Em contraste com essas sociedades rurais, pobres e sem segurança social, nas sociedades modernas (e com segurança social) os filhos passam, de facto, a custar dinheiro em termos líquidos, e é preciso investir neles – têm de ir para a escola, o que implica não só um custo direto (livros, etc.), mas também indireto, ou seja, o chamado “custo de oportunidade” – estando na escola, não estão a trabalhar e a ganhar.
Na linguagem de Gary Becker (sem dúvida, um dos maiores pensadores económicos do século XX), os principais retornos ao capital humano dos filhos levam a que, nas sociedades modernas, os pais passem a escolher investir mais em cada filho, implicando maior “qualidade” em vez de “quantidade”.
Deste ponto de vista, a queda da natalidade em Portugal deve ser encarada como algo bastante positivo, um sinal de que Portugal passou a ser um país rico, maduro e moderno. Portugal era um país francamente pobre na primeira metade do século XX e a brutal queda da natalidade que entretanto se verificou corresponde à sua transição para o grupo dos países mais ricos do mundo onde hoje se situa.
Portanto, há que encontrar outros motivos para explicar esta queda.
Os principais fatores são, do meu ponto de vista:
- O crescimento económico.
- Os direitos das mulheres, implicando mais independência financeira e um controlo mais direto das suas escolhas de natalidade, que por sua vez implicou a possibilidade de investirem no seu capital humano, deixando para trás uma vida familiar exclusiva.
- A segurança social.
- Os contracetivos (e a modificação das atitudes e dos correspondentes padrões sociais, nomeadamente no que respeita à utilização dos mesmos).
Apesar de parecer um motivo importante, este último fator é muito menos importante que os outros, já que historicamente todas as sociedades tiveram formas de controlar, dentro de certos limites, a natalidade (mesmo quando, por escolha, as famílias tinham muitos filhos, tal como ainda acontece em muitos países hoje, apesar da existência de contracetivos).
Por outro lado, os fatores 2 e 3, bem como as possibilidades que o quarto permite (nomeadamente em termos de alteração das normas sociais) são, em grande parte, consequência do primeiro. Ou seja, a conclusão é que, essencialmente, a razão mais importante pela qual a natalidade caiu em Portugal é o facto de este país ter enriquecido.
Dito assim, a notícia seria, sem dúvida, bastante boa. O problema é que este fenómeno está a ir longe demais: a taxa de um filho por casal é terrivelmente baixa. Para a população se manter estável, o nível deveria ser, pelo menos, de 2.1.
Apesar de alguma queda da natalidade constituir um bom sinal, essa queda é agora claramente exagerada e põe em causa enormes problemas relacionados com o futuro do país, por exemplo a sustentabilidade da segurança social (simplesmente insustentável).
Nesse sentido, é importante discutir as melhores estratégias que permitam às famílias jovens terem (mais) filhos. A investigação recente em economia sugere que estas passam não tanto por subsídios diretos às famílias por cada filho mas por políticas que baixem os custos (inclusivamente de tempo) que as mães pagam quando têm filhos.
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