A transparência e o rigor nas contas públicas. O que falta?
Portugal deu passos importantes nos últimos dez anos na transparência das contas públicas. O desafio passa agora pelo controlo e redução da despesa através do investimento na DGO e outras entidades.
Na passada quinta-feira, tive a oportunidade de participar num debate sobre rigor e transparência orçamental, no âmbito de uma conferência organizada pelo “Institute of Public Policies” (IPP). O IPP é um think-tank associado ao ISEG, que procura estudar as políticas públicas no contexto nacional e Europeu. Entre outros trabalhos, o IPP realiza anualmente uma avaliação ao Orçamento do Estado (OE), designado por Budget Watch.
No Budget Watch, um painel de empresários e académicos analisa o OE com base num conjunto de parâmetros. Adicionalmente, a cada dois anos, o IPP participa como membro nacional, no Open Budget Survey 2017. Trata-se de um inquérito internacional que avalia se são cumpridas as condições básicas para a democracia representativa ser alcançada na esfera orçamental. Analisa três áreas: transparência, fiscalização e participação pública. Esta conferência foi organizada para apresentar os resultados o Budget Watch e do Open Budget Survey 2017, bem como discutir a temática do rigor e da transparência nas contas públicas.
Desde 2010 que o Orçamento do Estado é classificado com nota “insuficiente”. Isto é, a avaliação global de cada OE tem tido uma nota abaixo dos 50% (regra geral entre 35% e 45%). No entanto, desde 2013 que a nota do OE tinha vindo a melhorar. Em 2013 tinha sido de 38% e no ano passado, o OE 2017 tinha tido 48%. Este ano, a avaliação baixou para 46%. Muito desta descida resulta da perceção de um menor controlo das despesas com consumo público e de o relatório do OE/2018 ter reduzido substancialmente a informação disponível sobre o SPE.
Já no Open Budget Survey 2017, a avaliação média de 115 países é de 42 pontos (em 100). Portugal atinge neste inquérito (que é diferente do anterior, pelo que não deve ser comparado), 66 pontos, ficando acima da maioria dos países (em 22 lugar). Contudo, na parte de participação pública Portugal, apenas atinge 15 pontos, ficando mesmo assim acima da média de 12 pontos. Em termos de fiscalização orçamental, Portugal tem um comportamento bom, com 72 pontos.
Como foi referido pelo meu colega Paulo Trigo Pereira, no debate que se seguiu à apresentação destes dois estudos, a transparência orçamental é muito importante. Mas por si só não resolve qualquer problema. Basta pensar que o Brasil tem melhores resultados no inquérito internacional que Portugal. É mais importante ainda ter Instituições credíveis, sólidas e capacitadas. Como tenho defendido, apenas organismos independentes, que tenham poderes de supervisão, podem criar condições para que as Contas Públicas tenham rigor, credibilidade e transparência.
Além disso, princípios e regras orçamentais têm um papel crítico na no rigor, na transparência e na necessidade de proteção dos particulares contra os abusos e excessos financeiros do poder público. A subordinação das Finanças Públicas, em particular do Orçamento de Estado, a estes princípios visa uma gestão mais eficiente dos recursos públicos, mas também uma maior capacidade de controlo por parte dos órgãos de fiscalização, a começar na Assembleia da República.
No entanto, apesar do longo caminho que ainda temos de percorrer nestas matérias, seria injusto e errado não salientar a substancial melhoria dos últimos 10 anos.
Em termos de rigor orçamental, após 2011 (embora muito por imposição externa), iniciámos uma redução estrutural do défice orçamental. O défice estrutural passou de 9% do PIB em 2011 para 2% em 2015. Têm-se mantido neste valor em 2016 a 2018, como sabem todos os que acompanham os meus artigos, e conhecem a minha crítica permanente de estarmos a assistir apenas a uma consolidação nominal, baseada em fatores pontuais e num melhor crescimento económico.
Em todo o caso, e contrariando as piores expetactivas (inclusive as minhas), a verdade é que os dois partidos de extrema-esquerda, antidemocráticos e antieuropeus, vergaram-se às regras orçamentais Europeias. Aqueles que nos últimos anos tanto criticaram a “obsessão” pelo défice (sobretudo o PCP e o Bloco) assumem (alguma) postura de responsabilidade orçamental. Creio que essa é a principal lição dos últimos anos. Pode ser a geringonça no governo. Mas esse poder implicou uma “rendição” aos princípios dos “conservadores orçamentais”. O que é de saudar.
Em termos de transparência orçamental, temos também hoje uma situação que é muito melhor que há 10 anos. É verdade que ainda falta fazer muita coisa. Após a aprovação na nova Lei de Enquadramento Orçamental, em setembro de 2015, este governo esteve mais de um ano e meio sem se preocupar com essa reforma. Só em meados de 2017 foi retomado esse processo. E a nova LEO, que deveria entrar em vigor no OE/2019, vai ser, pelo menos, adiada um ano. Além disso, havia um conjunto de “reformas da despesa pública” (“expenditure reviews”) previstos para março de 2017 e dos quais não há nem sinal.
Contudo, como afirmei, nos últimos 10 anos Portugal deu passos muito importantes em matéria de rigor e transparência das Contas Públicas. Desde a criação da UTAO em 2007 e do CFP em 2012, criando duas entidades de vigilância e supervisão das contas públicas, que muito enriquecem o debate e o escrutínio público. O reporte mensal da DGO sofreu muitas alterações, sobretudo em 2012, quando passou a integrar praticamente o mesmo universo de entidades das Contas Nacionais. O nível de controlo e informação do Ministério das Finanças aumentou significativamente. Este ano, o início do SNC-AP permitirá um reforço desse controlo, uma vez que todas as entidades públicas passaram a ter o mesmo normativo contabilístico. Isso permitirá mais tarde ter uma contabilidade de custos, identificando redundâncias e gastos inúteis. Houve a nível interno melhorias significativas, que merecem atenção e reflexão.
Também a nível Europeu a vigilância orçamental mudou radicalmente, sobretudo com o Tratado Orçamental, o “two-pack” e o “six-pack”, o “procedimento de desequilíbrios macroeconómicos” e o novo SEC-2010. A crise das dívidas soberanas mostrou como o controlo orçamental era insipiente. Mas simultaneamente mostrou que para a existência do Euro era imprescindível um controlo orçamental mais rigoroso e preventivo. Tudo isto tornou muito difícil qualquer tipo de desorçamentação de grande impacto, como ocorreu entre 1995 e 2011, sobretudo nos anos finais desse período.
Contudo, a gestão e controlo da despesa pública continua a ser o “parente pobre” da condução da política orçamental em Portugal. A partir de 1994, Portugal encetou um processo de reforma da sua Administração Fiscal. Fi feito um enorme investimento em recursos humanos e tecnológicos, que puseram a Administração Fiscal Portuguesa no top mundial. Sobretudo a, então, DGCI teve uma transformação notável, da qual o portal das finanças é apenas a face visível.
Essa política de investimento e reforma trouxe dividendos: não apenas a relação entre os contribuintes e o Estado melhorou (apesar de hoje haver criticas de uma maior prepotência por parte da máquina tributária), mas sobretudo a cobrança fiscal aumentou muito significativa. Em 1995, o Estado cobrava menos de 200 M€/ano em divida executiva. Hoje cobra mais de 1.5 mil M€/ano.
Se este esforço e investimento do lado da máquina que gere 90% da receita corrente (e que foi notável e correto, transpondo governos de diferentes cores) tivesse sido acompanhado por idêntico investimento do lado do controlo da despesa, Portugal teria hoje uma situação orçamental muito mais equilibrada.
Os ganhos marginais na cobrança fiscal podem ainda ser consideráveis, e seguramente que há ainda muito a fazer no combate à economia paralela e à fraude e evasão fiscal.
Mas o grande desafio dos próximos 10 anos passa pelo controlo e redução da despesa corrente primária, através de um investimento significativo na DGO, na ESPAP e outras entidades do Ministério das Finanças, bem como nas entidades ministeriais que controlam o orçamento.
Isto só é possível com uma mudança da organização e da estrutura da Administração Pública, com o aumento do nível de competências dos Recursos Humanos, com o papel transformador da implementação de sistemas de informação com a reengenharia dos processos e procedimentos atuais e a redefinição de normas legais. Mas, sobretudo, com um forte compromisso e liderança política, sob a supervisão do ministro das Finanças. Assim haja mais vontade do que a que temos assistido nos últimos dois anos.
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