A urgência da mediação na era da IA
Num mundo em que a IA molda decisões e acelera interações, a mediação emerge como a competência que permite abrandar, compreender e reconstruir.
Num mundo multipolar e digitalmente inflamável, não é a tecnologia que evitará guerras silenciosas — é a mediação.
O mundo atravessa uma transição profunda. A ascensão da Inteligência Artificial (IA), combinada com a crescente multipolaridade internacional, transforma não apenas economias e sistemas políticos, mas também a forma como indivíduos, comunidades e organizações interagem — e entram em conflito. Paradoxalmente, quanto mais avançada se torna a tecnologia, mais evidente é a necessidade de competências humanas capazes de gerir tensão, compreender diferenças e construir pontes. A mediação, longe de perder relevância, torna-se mais indispensável do que nunca.
Num ambiente global onde múltiplos centros de poder coexistem e disputam narrativas, a probabilidade de choque aumenta. Esta fragmentação repercute-se nas empresas, nas relações laborais, nas comunidades e até na vida digital. A IA, em vez de neutralizar tensões, pode amplificá-las: algoritmos enviesados, informação gerada incorretamente, decisões automatizadas ou perceções de injustiça tecnológica tornam-se novas fontes de litígio. Não surpreende que organismos internacionais, como a UNESCO – através da Recommendation on the Ethics of Artificial Intelligence – e a União Europeia, com o seu recente enquadramento regulatório para a IA, tenham sublinhado a urgência de princípios éticos claros para o desenvolvimento e uso da IA, insistindo em transparência, responsabilização e respeito pelos direitos humanos.
Mas há um ponto decisivo: mesmo com diretrizes robustas, a tecnologia não substitui a capacidade humana de interpretar emoções, gerir ambiguidade ou reconstruir confiança. É precisamente por isso que a mediação ganha renovada atualidade. No espaço mediado, as pessoas encontram algo que nenhum algoritmo lhes pode oferecer — a criação de significado, a validação das suas experiências e a possibilidade de coconstruir soluções que reconheçam valores, histórias e vulnerabilidades.
A própria prática da mediação está a adaptar-se. Guias recentes sobre o uso da IA na mediação – como Uso Ético e Responsável da IA na Mediação, do ICFML e as Guidelines on the Use of Generative AI in Mediation, da IBA – mostram que a IA pode ser um valioso “co-piloto” do mediador: ajuda a organizar informação, identificar padrões ou preparar sessões. Mas recordam, com clareza, que o controlo e o sentido ético permanecem humanos. A tecnologia apoia — não conduz.
Nas empresas, esta integração equilibrada é crucial. Organizações que enfrentam desafios de adaptação tecnológica veem crescer mal-entendidos, receios de substituição e tensões interdepartamentais. A mediação oferece espaços seguros para negociar expectativas e reconstruir confiança. Nas comunidades, ajuda a gerir conflitos alimentados por desinformação automatizada ou polarização digital. No contexto jurídico, reforça o papel do advogado como agente de desescalada num ambiente mais tenso e acelerado.
Num mundo em que a IA molda decisões e acelera interações, a mediação emerge como a competência que permite abrandar, compreender e reconstruir. Não se trata de resistir à tecnologia, mas de garantir que ela opera ao serviço da dignidade humana. A verdadeira inovação — aquela que não sacrifica a coesão social — exige precisamente isto: tecnologia avançada, sim, mas acompanhada de capacidades humanas igualmente sofisticadas.
A IA continuará a transformar a forma como vivemos. A mediação continuará a transformar a forma como convivemos. E é nesta complementaridade que reside a chave de um futuro mais justo, dialogante e humano.
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