
As despreocupações sociais
Enquanto os que se dizem de esquerda se alheiam de qualquer responsabilidade, os mais pobres continuam na mesma e os socialistas aproveitam para consolidar o seu poder e diminuir a liberdade.
Ao longo dos anos tenho ouvido frequentemente uma resposta igual à pergunta sobre qual a razão para se ser de esquerda. A resposta é que a só a esquerda é que tem “preocupações sociais”. Quando questiono o que é entendido por preocupações sociais, a razão desemboca invariavelmente na vida dos mais pobres ou dos mais necessitados.
Muitas das pessoas que me deram esta resposta terão na sua cabeça uma preocupação legítima com os mais necessitados. Mas raramente estas pessoas tiveram demonstrações práticas, acções continuadas e duradouras, em prol dos mais pobres. Digamos que há uma preocupação teórica com a pobreza e, muitas vezes, com algumas situações que consideram ser injustas, mas não há uma actuação que leve a debelar ou a resolver os problemas.
A forma que muitas destas pessoas usam para resolver a sua preocupação teórica é votar em partidos ou candidatos que são interpretados como tendo a mesma posição, parecendo haver uma espécie de satisfação mental ou de alívio de consciência com a delegação dessa responsabilidade em outros que lhes permite uma despreocupação prática com o assunto.
Em contraste, o meu conhecimento de pessoas que manifestam inequivocamente e com acções concretas ter preocupações sociais com os mais pobres é bastante diferente. As pessoas que dedicam parte da sua vida ou do seu tempo a ajudar os mais necessitados raramente se afirmam de esquerda ou de direita. Ou seja, não há uma identificação ideológica com a demonstração prática de preocupações sociais, mas há uma vontade genuína e uma acção real de ajuda aos outros. Uns votarão à esquerda e outros votarão à direita, mas isso não é o mais importante.
Esta dissonância, entre os que se dizem de esquerda porque têm preocupações sociais e os que actuam no terreno em resposta a essas preocupações sociais, é um sinal evidente da existência de uma ilusão. E os factos mostram como esta ilusão é enganadora.
Um exemplo são os vários serviços prestados pelas instituições sociais, desde a creche e o acompanhamento do rendimento social de inserção até aos centros de dia e o apoio aos idosos no seu domicílio, serviços reconhecidos como essenciais para ajudar os mais necessitados a lidar com as suas carências.
Nesta, como em outras áreas, a actuação dos partidos de esquerda em Portugal é como a das pessoas que se dizem daquele lado do espectro político. É mais importante o discurso das preocupações sociais, que está sempre presente e é a parte relevante da sua actuação, do que o que fazem para resolver os problemas reais que afectam as pessoas.
A actuação do governo de António Costa é exemplar a este respeito. Os socialistas decidiram reverter a política implementada pelo CDS-PP de trabalhar em coordenação com as instituições do sector social (misericórdias, mutualidades, cooperativas, etc.), que são quem está no terreno e conhece a realidade, e decidiram asfixiá-las financeiramente criando-lhes cada vez maiores dificuldades na prestação de serviços de apoio aos carenciados.
Para isso aumentaram continuamente os seus custos de funcionamento através da subida forçada de ordenados e de contribuições para a Segurança Social, e das crescentes obrigações legais e burocráticas, mas recusaram aumentar as comparticipações por utilizador dos serviços e das instalações geridas por estas associações.
Esta tentativa socialista de prejudicar o trabalho das associações na prestação destes serviços é inaceitável, especialmente num país como Portugal em que há 2,4 milhões de reformados e 805 mil inactivos (incluindo 153 mil incapacitados), que recebem pensões médias mensais miseráveis de 490 € por velhice, 427 € por invalidez e 258 € por sobrevivência.
A alternativa de apostar no desenvolvimento económico do país para ajudar os mais necessitados com o reforço das comparticipações e das pensões não é opção para os socialistas porque isso lhes iria retirar uma arma política essencial para se manterem no poder.
A actuação do governo de António Costa é exemplar a este respeito. Os socialistas decidiram reverter a política implementada pelo CDS-PP de trabalhar em coordenação com as instituições do sector social (misericórdias, mutualidades, cooperativas, etc.), que são quem está no terreno e conhece a realidade, e decidiram asfixiá-las financeiramente criando-lhes cada vez maiores dificuldades na prestação de serviços de apoio aos carenciados.
Qual é o objectivo do governo socialista de António Costa com esta asfixia das instituições do sector social? Os socialistas querem transferir todos estes serviços para as autarquias, onde a sua prestação virá acompanhada da inevitável ficha de militante e do pedido de um voto. A apresentação, na semana que passou, do Plano de Ação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2022-2025 elimina todas as dúvidas que pudesse haver a esse respeito.
António Costa ficou famoso por ter organizado um piquenique em Lisboa para idosos que viajaram 200km de camioneta numa viagem oferecida por uma autarquia socialista. O que os idosos só souberam à chegada a Lisboa foi que a visita organizada pelos socialistas, e paga com dinheiros públicos, se destinava à participação no comício de apoio à sua candidatura.
Esta prática socialista já se estendeu à sua juventude partidária, que entrega aos jovens uma ficha de militante com cada bilhete para concerto que oferece, tudo com apoio dos impostos pagos pelos portugueses.
O que o Partido Socialista pretende com a transferência de competências das associações para as autarquias é a introdução de fichas de militante nos cabazes alimentares, nas refeições levadas ao domicílio, na entrega de remédios, nos passeios organizados pela Freguesia ou nas creches onde ficam os filhos. O pedido do voto virá com naturalidade e será o passo seguinte.
E o que é que acontece à pobreza e aos necessitados? Esses continuam na mesma, como se pode observar no gráfico. A média dos salários em Portugal continua a ser metade da dos países da OCDE, e o país possui mais de 20% dos portugueses em risco de pobreza, mas em 30 anos de governação socialista o seu rendimento não se aproximou do resto da população.
Estes exemplos mostram bem a ilusão em que vivem aqueles que se afirmam de esquerda por terem preocupações sociais. Enquanto se despreocupam e se alheiam de qualquer responsabilidade, os mais pobres continuam na mesma e os socialistas aproveitam para consolidar o seu poder e diminuir a liberdade em Portugal. É um preço pesado a pagar.
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