As previsões do FMI, Trump e implicações para os EUA, UE e Portugal

A economia portuguesa tem de crescer mais, de forma estrutural, para elevarmos o nosso nível de vida para próximo da metade de países mais ricos e nos libertarmos da dependência de fundos europeus.

O discurso de tomada de posse de Donald Trump mostra que as promessas mais ‘radicais’ devem ser levadas a sério e há mais condições para que as possa cumprir do que no primeiro mandato. Além da experiência no cargo, recordo que Trump não enfrenta oposição dentro do Partido Republicano e, por isso, não precisa de moderar o seu discurso para garantir a reeleição — a menos que a Constituição dos EUA fosse alterada para permitir mais de dois mandatos, o que é altamente improvável. Além disso, em 2028 teria 82 anos, a mesma idade com que Joe Biden foi afastado a meio da campanha eleitoral. Desta vez, Trump conta ainda com uma maioria em ambas as câmaras do Congresso e cercou-se de aliados “leais”, procurando evitar a sucessão de demissões que marcou o seu primeiro mandato. Com eleições intercalares a meio do mandato, é expectável que as medidas mais radicais surjam no início.

Trump confirmou, no seu discurso, várias das promessas feitas em campanha eleitoral, com realce para a deportação em massa de imigrantes (ilegais e outros) e a aplicação de tarifas elevadas sobre produtos estrangeiros, a começar por 25% sobre mercadorias do Canadá e México já em fevereiro. O efeito inflacionista destas medidas poderá ser contrariado pela redução esperada dos preços da energia com a expansão anunciada da produção norte-americana de petróleo e gás, através da declaração de uma “emergência energética nacional” e uma nova saída dos EUA do Acordo de Paris.

Esse efeito desinflacionista, resultante da descida do preço dos hidrocarbonetos, poderá ser ainda mais acentuado num cenário em que as sanções sobre a energia russa sejam aliviadas para facilitar o fim da guerra na Ucrânia – uma das promessas eleitorais. No entanto, o prazo inicialmente anunciado para esse objetivo, que passou de um ambicioso “um dia” para um mais realista “vários meses”, já foi ajustado. No discurso de posse, essa intenção surgiu apenas de forma implícita, na promessa de “impedir uma Terceira Guerra Mundial”. A meu ver, esse cenário de alívio das sanções sobre a energia russa é mais provável do que a alternativa de endurecer essas sanções, que poderá ser outra estratégia possível (como forma de pressão sobre a Rússia), mas nesse caso agravaria o balanço de riscos para mais inflação.

A questão da inflação é muito importante e não será descurada por Trump nem pelo Partido Republicano que o apoia.

Em primeiro lugar, porque é considerada uma das principais causas para os maus resultados eleitorais da anterior Administração democrata de Biden e foi explorada por Trump em campanha, pelo que o Partido Republicano estará bastante atento a esse indicador para não repetir o mesmo erro.

Em segundo lugar, e talvez mais relevante para Trump, uma inflação mais elevada dificultará a descida das taxas de juro diretoras da Reserva Federal, o que prejudicará os financiadores do Partido Republicano e da sua campanha. Entre os mais afetados estarão empresas do setor tecnológico, como a Tesla de Elon Musk, que desempenha um papel de destaque na nova Administração.

Após esta introdução, passemos, então, à análise das previsões económicas do FMI que, como habitualmente, atualizou as suas estimativas para as principais economias em janeiro. Trata-se de uma atualização intercalar do World Economic Outlook (WEO), bastante mais pequena do que as publicações abrangentes apresentadas em abril e outubro, não tendo, por isso, projeções para Portugal. Contudo, não deixa de ter interesse para a economia portuguesa pela informação preciosa do nosso enquadramento externo produzida por uma das principais instituições internacionais.

Nesta atualização, considero que merecem particular interesse as revisões face ao WEO de outubro, pouco tempo antes das eleições presidenciais dos EUA, pois permite fazer uma leitura do que parecem ser as expectativas implícitas do FMI quanto às políticas anunciadas pelo regressado Presidente Trump.

Aparentemente, os cenários mais catastrofistas parecem completamente colocados de lado no cenário base das projeções, mas não deixam de ser apontados vários riscos assinaláveis.

O ‘efeito Trump’ implícito nas projeções parece ser positivo a curto prazo para os EUA, dada a revisão em alta do crescimento económico dos EUA em 2025 (0,5 pontos percentuais, p.p., para 2,7%) e, em menor medida, em 2026 (0,1 p.p., para 2,1%), traduzindo uma trajetória de abrandamento mais suave.

O ‘efeito Trump’ implícito nas projeções parece ser positivo a curto prazo para os EUA, dada a revisão em alta do crescimento económico dos EUA em 2025 (0,5 pontos percentuais, p.p., para 2,7%) e, em menor medida, em 2026 (0,1 p.p., para 2,1%), traduzindo uma trajetória de abrandamento mais suave. Segundo o FMI, esta revisão em alta reflete um “forte efeito riqueza” no consumo privado, impulsionado pela valorização do mercado bolsista dos EUA. Esta valorização resulta da expectativa de cortes fiscais e desregulamentação com a nova Administração Trump, bem como da eventual descida das taxas diretoras da Reserva Federal. Além disso, há sinais de resiliência no mercado de trabalho e no investimento, reforçando o cenário favorável.

Na área euro, pelo contrário, as projeções de crescimento foram revistas em baixa (-0,2 p.p. para 1,0% em 2025 e -0,1 p.p. para 1,4% em 2026). Segundo o FMI, esta deterioração reflete o impacto das tensões geopolíticas no sentimento económico, sugerindo a influência de um ‘efeito Trump’ negativo para a Europa. Esse fator poderá ter contribuído para o enfraquecimento da atividade industrial, apontado como uma das principais razões para a revisão em baixa. A outra é a incerteza económica e política acrescidas, que podemos associar sobretudo à França e a Alemanha, cujas previsões tiveram das revisões mais negativas.

No que se refere à inflação, o FMI refere que “mantém projeções ligeiramente acima de 2% nos EUA em 2025” e para o conjunto das economias avançadas, afastando assim os piores receios de uma deriva inflacionista norte-americana e a sua exportação para outros países no cenário base.

Contudo, na análise de riscos não deixa de apontar riscos de inflação oriundos da redução proposta de imigrantes e, sobretudo, do protecionismo acrescido da nova Administração Trump. Uma guerra de tarifas poderá ainda reduzir o comércio e a atividade dos EUA, bem como da economia mundial, cujo crescimento se mantém em 3,3% em 2025 e 2026 nas previsões de janeiro. A materialização dos riscos inflacionistas terá como consequência um aumento das taxas de juro, penalizador da atividade. Em contrapartida, o balanço dos riscos torna-se menos desfavorável devido à promessa de desregulamentação e desburocratização, o que poderá potenciar o investimento (sobretudo das PME) na economia norte-americana, segundo o FMI. O Fundo admite que não é fácil antecipar qual o sinal dominante de vários efeitos de sentido contrário para os EUA e a economia global. De notar ainda que um dólar mais apreciado terá consequências para o resto do mundo, nomeadamente uma possível reorientação dos fluxos de investimento em favor dos EUA, penalizando a UE, mas sobretudo as economias em desenvolvimento.

Ou seja, o FMI apresenta projeções relativamente conservadoras no seu cenário central, mas admite que o exercício de previsão se tornou ainda mais difícil face à imprevisibilidade de Trump e aos efeitos diversos das várias medidas prometidas.

Para a UE, que Trump (deliberadamente, presume-se) omitiu do seu discurso de tomada de posse, os riscos são múltiplos, com realce para a ameaça de tarifas altas sobre os produtos europeus, um ainda maior escoamento de veículos elétricos baratos da China no mercado europeu – e uma ‘sangria’ maior da indústria automóvel europeia – e uma forte subida da despesa com defesa, devido a Trump.

Para a UE, que Trump (deliberadamente, presume-se) omitiu do seu discurso de tomada de posse, os riscos são múltiplos, com realce para a ameaça de tarifas altas sobre os produtos europeus, um ainda maior escoamento de veículos elétricos baratos da China no mercado europeu – e uma ‘sangria’ maior da indústria automóvel europeia – e uma forte subida da despesa com defesa, devido a Trump.

As condições de paz na Ucrânia que Trump procurará negociar com a Rússia poderão dificultar a adesão plena daquele país à União Europeia, assim como comprometer as perspetivas de futuros alargamentos a leste – um tema que divide os estados-membros. No entanto, essa expansão é vista como essencial para evitar a progressiva perda de relevância geopolítica e económica da Europa, ao fortalecer o mercado interno. Embora positiva, a celebração de acordos comerciais bilaterais, como o previsto com o Mercosul, não será suficiente para alcançar esse objetivo.

Conforme já afirmei neste mesmo espaço de opinião, a UE precisa de negociadores de peso e eficazes na área económica – Mario Draghi seria a pessoa ideal a este nível, tendo em conta o seu relatório para recuperação da competitividade europeia – e na defesa, de forma articulada.

Quanto a Portugal, temos o dever de aproveitar muito melhor o atual fluxo de apoios europeus (PRR e Portugal 2030) e ‘arrumar a casa’, leia-se reformar a fundo a Administração pública. Só desta forma será possível viabilizar uma redução mais significativa da carga fiscal – especialmente do IRC, onde Portugal apresenta a segunda maior taxa efetiva da UE. Esta medida é essencial para atrair mais investimento privado, impulsionar o investimento público nacional (compensando a redução dos fundos europeus a partir de 2026) e responder ao previsível aumento da despesa em defesa no âmbito da NATO, já sinalizado pelo novo Secretário-Geral, Mark Rutte.

Precisamos de colocar a economia portuguesa a crescer mais, de forma estrutural, para elevarmos o nosso nível de vida para próximo da metade de países mais ricos e nos libertarmos da dependência de fundos europeus, que tenderão a ser reorientados para novas prioridades e novos países já previstos para aderir à UE nos próximos anos.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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