Benficagate não é uma porta de acesso ao estádio da Luz
O caso 'Galpgate' levou à criação de um código de conduta no Governo que aparentemente não está a ser respeitado. Há quatro razões que desaconselham o primeiro-ministro a apoiar Luís Filipe Vieira.
O sufixo “gate” é usado para compor palavras que designem escândalos políticos. É utilizado desde a década de 70 com o caso Watergate que culminou com a renúncia ao cargo do presidente republicano Richard Nixon.
Os governos de António Costa já tiveram a sua quota de “gates”. Além do ‘familygate‘, o primeiro-ministro ainda teve de lidar com o ‘Galpgate‘, um caso em que dois secretários de Estado foram acusados do crime de recebimento indevido de vantagem por terem aceitado bilhetes oferecidos pela Galp para ir ver jogos de futebol de qualificação para o Euro 2016.
Foi na sequência desta polémica que António Costa resolveu fazer um Código de Conduta, ou seja, um conjunto de normas que serve para relembrar os membros do Governo as disposições legais, o Código do Procedimento Administrativo e outras considerações de natureza éticas/legais que devem observar no exercício das suas funções.
Este Código de Conduta voltou a ser notícia este fim de semana depois de o semanário Expresso ter revelado que o primeiro-ministro e o presidente da Câmara de Lisboa aceitaram fazer parte da comissão de honra da candidatura de Luís Filipe Vieira às eleições do Benfica.
É um apoio de peso e um grande trunfo eleitoral ter o primeiro-ministro a apoiar o presidente do Benfica. É caso para dizer que não veio Cavani, mas veio Costa.
Só que este apoio ao presidente do Benfica, que está envolvido em vários casos judiciais, não só, mas também por causa disto, não fica bem ao primeiro-ministro por quatro razões. E estas foram aventadas nem mais, nem menos, pelo próprio primeiro-ministro.
1. O sócio número 15.509 é primeiro-ministro
Para justificar este apoio a Luís Filipe Vieira, fonte do seu gabinete do primeiro-ministro explicou ao Expresso que António Costa “não está [na comissão de honra] como primeiro-ministro ou como secretário-geral do PS mas sim como adepto e sócio desde 1988”, com o número 15.509.
O problema é que primeiros-ministros não deixam de ser primeiros-ministros. Quem o diz é o próprio primeiro-ministro que, a propósito do “caso das bofetadas” do seu ministro da Cultura João Soares, afirmou que os “membros do Governo, enquanto membros do Governo, nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo”.
Já neste Executivo, Costa também deixou um conselho sábio ao ministro Pedro Nuno Santos ao lembrar que “os membros do Governo devem ter em relação às presidenciais um particular dever de reserva”. Ora bem, se devem ter reserva sobre eleições presidenciais no país, maior reserva devem ter em relação às presidenciais num clube de futebol. Costa não é apenas o sócio número 15.509, é o primeiro-ministro e representa todos os portugueses.
2. O Código de Conduta do Governo
A segunda razão para António Costa não apoiar publicamente Luís Filipe Vieira é o Código de Conduta que o próprio António Costa fez aprovar na sequência do caso ‘Galpgate’. Este código afirma, por exemplo no seu artigo 4º, que os membros do Governos devem cumprir no exercício das suas funções, nomeadamente “abster-se de qualquer ação ou omissão, exercida diretamente ou através de interposta pessoa, que possa objetivamente ser interpretada como visando beneficiar indevidamente uma terceira pessoa, singular ou coletiva”.
Os artigos 6º e 10º desse mesmo código de conduta também aconselhariam o António Costa a não apoiar Luís Filipe Vieira.
3. A dívida ao Novo Banco
Também não fica bem a António Costa apoiar Luís Filipe Vieira porque este empresário, através da sua empresa de imobiliário Promovalor, deve 760,3 milhões de euros ao Novo Banco e já provocou perdas de 225,1 milhões entre 2014 e 2018 ao banco liderado por António Ramalho.
Com a agravante de essas perdas estarem a ser cobertas por um um mecanismo de capital contingente financiado com dinheiros públicos. Como considera, e bem, Catarina Martins, “fazer parte de uma comissão de honra de alguém que é dos maiores devedores do Novo Banco e que está implicado no problema do BES não fica bem”.
4. Os ‘n’ casos na Justiça
Se as três primeiras razões não são suficientes para que António Costa mude de ideias, esta quarta terá de o de ser. Luís Filipe Vieira e o Benfica estão envolvidos em vários casos e processos judiciais de uma gravidade extrema, tais como o dos vouchers, o dos emails, o da e-Toupeira, o da Mala Ciao, o dos Jogos Viciados ou o da Operação Lex.
Ainda na semana passada, o Público e o Observador noticiaram que o pirata informático Rui Pinto revelou ao Ministério Público haver provas de que a Doyen terá pago viagens em jato privado entre Portugal e o Brasil ao presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e ao seu filho, Tiago Vieira. Isto num alegado esquema relacionado com a Operação Lava-Jato e com atos de corrupção da Odebrecht, na construção de hotéis no Brasil.
Por falar em hotéis, o nome Watergate veio do Watergate Hotel, em Washington, onde ficaram alojados os cinco homens que, em 1972, assaltaram e colocaram escutas na sede do Partido Democrata. Com tantos casos judiciais à volta do Benfica, que vão de suspeitas de corrupção a alegados subornos, creio que o clube também já merece o sufixo “gate” no seu nome.
Benficagate, ao contrário do que pode induzir o nome, não é uma porta de acesso ao estádio da Luz. É uma intrincada teia da qual o primeiro-ministro deveria afastar-se. Aqui creio ser útil a António Costa ouvir os conselhos do próprio António Costa. Numa entrevista à Visão em 2019, António Costa respondia o seguinte a propósito do Benficagate:
“Se estou preocupado com os casos judiciais que envolvem dirigentes do Benfica? Não (risos). Eu não sou adepto do meu clube por causa dos dirigentes. Num Estado de Direito ninguém está acima da lei e a tranquilidade de viver num país onde esse princípio se verifica é um fator de confiança no funcionamento da sociedade”.
Mais à frente acrescentou: “Adoro o futebol dentro das quatro linhas, mas detesto tudo o que se passa fora das quatro linhas… Espero que o que se passa fora das quatro linhas não faça esmorecer o meu gosto e o gosto de milhões de adeptos pelo jogo”.
Senhor primeiro-ministro, por causa destas quatro razões aqui invocadas, estamos todos à espera que não saia fora das quatro linhas. O tempo que ganha ao não participar na comissão de honra de Luís Filipe Vieira é tempo e credibilidade que pode usar para ajudar a sua ministra da Justiça a lançar a “Estratégia Nacional de Combate à Corrupção”.
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