Brasil e o acordo UE/Mercosul

  • William Eid Junior
  • 12 Agosto 2019

Os resultados do Mercosul são pífios e o acordo com a UE é, efetivamente, o primeiro momento de abertura de um conjunto de economias bastante fechadas.

O acordo da União Europeia (UE) com o Mercosul traz notícias interessantes para o Brasil e seus parceiros naquele espaço económico. É, desde logo, o primeiro acordo relevante de um bloco que nunca progrediu muito.

A América do Sul é um continente interessante sob o aspeto geopolítico. Nunca foi integrado, até por falta de meios de integração. Não temos rios navegáveis que efetivamente integrem as diferentes nações, e mesmo navegar do Brasil para o Chile ou Peru por mar implicava, até à construção do Canal do Panamá, em passar pelo Estreito de Magalhães, com sua constante turbulência.

Os planos para integração terrestre existem há séculos, mas poucos saíram do papel com exceção da Rodovia Pan-americana que nos permite sair de São Paulo, passar em Buenos Aires e, a partir daí, atingir o Oceano Pacífico cruzando a Cordilheira dos Andes. O Paso de los Caracoles é, basicamente, a única passagem terrestre dos mais de 7.000 km da cordilheira.

O Mercosul surgiu em 1991, composto pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com a proposta de formar uma zona de livre comércio. Mas transformou-se numa união aduaneira onde os países membros cobram as mesmas alíquotas de importação para os mesmos produtos. É importante ressaltar que uma das economias mais dinâmicas do continente, o Chile, não aderiu ao bloco. Ao longo dos anos foram firmados apenas dois acordos de cooperação: com Israel em 2007 e com o Egito em 2010. Nenhum deles apresentou efeitos significativos para o Mercosul.

Para os quatro países membros, os resultados do Mercosul são pífios. Neste ano, 7% do total das exportações do Brasil foram para os demais países do Bloco, enquanto das nossas importações, 8% são provenientes dos três países. A China, maior parceiro comercial do Brasil, respondeu por quase 1/3 das nossas exportações. Portugal, com quem deveríamos ter laços mais intensos, responde por 0,5% tanto nas exportações como nas importações brasileiras.

O acordo com a UE é, efetivamente, o primeiro momento de abertura de um conjunto de economias bastante fechadas. No índice de abertura de economias da ICC (International Chamber of Commerce), o Brasil aparece em 69º lugar em 75 países, o Uruguai em 52º, a Argentina em 68º e o Paraguai nem aparece. Portugal está em 36º lugar.

Voltando ao Brasil, a economia sempre foi fechada como forma de proteção à indústria local. Só que essa associação entre o governo e os empresários criou uma indústria muito pouco competitiva. Claro, sem incentivos, não há por que se tornar competitivo.

Vale lembrar que no final dos anos 1960 tínhamos um sistema de minidesvalorizações cambiais diárias. A mensagem para o industrial era clara: não é preciso fazer nada para que o seu produto seja competitivo, o câmbio é que o torna competitivo. Depois, tivemos outros mecanismos de proteção, sendo os principais a simples proibição de importações, que vigorou para diversos produtos até os anos 1990, e as tarifas alfandegárias. Estas últimas são elevadas, tornando os produtos importados no Brasil muito caros. Um automóvel custa no Brasil no mínimo 25% mais que em Portugal. O vinho é um caso excecional. Um vinho que custe 4 euros em Portugal será encontrado por mais de 25 euros em São Paulo. Inexplicável.

Para tornar o cenário ainda mais complexo, a 4ª revolução industrial atingiu o Brasil com força. Os brasileiros têm um nível de educação baixo e não estão preparados para o mundo digital. Então quando houve a desindustrialização, outros países migraram para serviços de alto valor agregado. O Brasil se voltou para commodities. Voltamos ao século XVIII, somos fornecedores de grãos e minérios. Das exportações de 2018, 50% foram de produtos básicos. Mas isso vai mudar, ou as consequências serão grandes.

A abertura da economia para os produtos europeus, em particular os industrializados, vai obrigar as indústrias brasileiras a modernizarem-se e a buscarem competitividade. Enfim! Agora, a parceria governo – empresários vai ter que se voltar para competitividade, e não mais para o protecionismo. Nos últimos tempos, foram tomadas algumas medidas para diminuir o peso do estado sobre o setor produtivo. Mas é preciso muito mais. A nossa infraestrutura é pobre e cara. O principal porto do país, o de Santos, enfrenta todo tipo de problema. De dragagem do fundo para manutenção da profundidade mínima – um problema secular – ao tamanho e número dos terminais, passando pela demora imensa na descarga dos navios. Além disso o Brasil é completamente dependente de transporte rodoviário. A malha ferroviária responde por quase nada do transporte de mercadorias.

Ainda temos que somar a imensa burocracia que domina o país e tudo atrasa. São inúmeros órgãos envolvidos em cada pequena decisão. E impostos e taxas que oneram toda a cadeia produtiva.

É preciso avançar muito mais, sob pena da economia brasileira que hoje já é muito dependente das exportações de commodities, se tornar totalmente dependente delas. São necessárias medidas urgentes em termos de infraestrutura, tributos, educação e legislação.
A expectativa é grande. Os próximos anos nos dirão que caminho o Brasil decidiu tomar.

Nota: Este artigo expressa a opinião do autor e não representa necessariamente a opinião institucional da FGV

  • William Eid Junior
  • Coordenador do FGVCEF

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