Chegam tarde, mas são sempre bem vindos
Agora que decidiram juntar-se a quem respeita o medo e por isso não o nega, mas não o promove, sejam verdadeiramente bem vindos, que o que aí está não vai ser nenhuma brincadeira.
“De repente, não mais que de repente”, o problema é o medo e deixou de ser o vírus. Eu não podia estar mais de acordo: o medo é incomparavelmente mais perigoso que o vírus, ou melhor, o medo é um dos maiores riscos criados por um vírus novo que nos deixa face a face com uma doença nova, potencialmente fatal.
Não há maneira de fugir ao medo, ele vem com qualquer surto epidémico e terá sempre consequências.
Algumas dessas consequências são positivas porque nos obrigam a reagir à ameaça, levam-nos a lavar as mãos, a limitar os contactos sociais, a procurar identificar melhor os riscos e agir de acordo com a nossa percepção do risco. E isto é independente do que digam ou façam as instituições e do que digam as regras: quase todos nós abrandamos quando entramos num banco de nevoeiro, independentemente das regras aplicáveis.
Outras dessas consequências são más, paralisam-nos o raciocínio, levam-nos a atitudes irracionais como ficar em casa em vez de ir passear ao ar livre ou fechar escolas, fazem com que o nosso desejo de segurança nos leve a prescindir da liberdade e do livre arbítrio, aceitando que o Estado decida por nós o que nunca aceitaríamos que decidisse, se as circunstâncias fossem outras.
Perante um vírus mal conhecido e uma doença mal conhecida, é normal que medo tome conta das comunidades e das pessoas. Por isso nunca compreendi a opção da Organização Mundial de Saúde nesta epidemia.
Eu compreendo facilmente os governos como o italiano e espanhol: perante uma imensa onda de medo das suas opiniões públicas, o que é preciso é fazer qualquer coisa, dar a imagem de que está um piloto ao leme e que a barca não está desgovernada, independentemente do efeito prático das medidas tomadas.
Se para reforçar esta ideia é preciso fechar as pessoas em casa, dar mais direitos aos cães que às crianças, pôr a polícia atrás das pessoas de bem para as impedir de governar a sua vida responsavelmente, eu posso discordar, mas compreendo.
Também compreendo facilmente o governo português, que foi sempre arrastando os pés na tomada de medidas mais radicais, escudado na sorte do ataque da epidemia não ter tido nenhum foco forte em Portugal. Tivesse havido uns dias de ataque forte e o governo português teria feito o mesmo que quase todos os outros governos com esse problema: desataria a tomar medidas radicais, não porque isso resolvesse grandemente o problema da expansão da epidemia, mas porque seria preciso sossegar as pessoas e mostrar que “aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um Povo que quer o mar que é teu”.
O que manifestamente não compreendo é a opção da Organização Mundial de Saúde se ter transformado no maior promotor do medo no curso da epidemia, sabendo, forçosamente, que o aumento do medo tem efeitos secundários brutais que ampliam os problemas sociais e económicos, muito para lá do tempo de risco sanitário.
E mais que não compreender, não tenho o menor respeito pelos que, sendo profissionais da dúvida e da exigência de escrutínio, em especial na academia e no jornalismo, acharam que era “um perigo para a saúde pública” fazer perguntas, admitir explicações alternativas para a evolução da epidemia e, sobretudo, reconhecer que os efeitos negativos do medo poderiam ser largamente superiores ao efeito negativo da epidemia, sem que isso os impeça de, de repente, passarem a escrever contra o medo e apelando à racionalidade.
Por mim, bem vindos ao mundo dos que dizem que o medo é um inimigo muito mais temível que o vírus. Vêm tarde, vêm muito tarde, mas mais vale tarde que nunca.
Teria sido bom contar com a vossa capacidade de questionar o mundo, teria sido bom contar com a vossa capacidade para pensar em contextos de incerteza, teria sido bom que se tivessem deixado de ataques pessoais a quem se limitou a repetir o que há anos e anos se sabe sobre epidemias, gostaria de ter visto discutir o artigo de André Dias de cabeça aberta, e não na atitude defensiva e arrogante de vos ver puxar dos galões académicos e sociais para fundamentar os vossos ataques de carácter.
Agora que decidiram juntar-se a quem respeita o medo e por isso não o nega, mas não o promove, sejam verdadeiramente bem vindos, que o que aí está não vai ser nenhuma brincadeira e é bem preciso o apoio de muita gente para deixarmos de perder energias a combater moinhos de vento e nos concentrarmos na dura realidade que vamos ter de gerir daqui para a frente.
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