China SA, China 5G (parte IV)
Mais do que a Guerra comercial, há uma competição geopolítica entre a China e os Estados Unidos que está dilacerar a recuperação económica mundial.
Trump subiu taxas e proíbe agora as companhias americanas de usar as redes 5G da Huawei. A somar à crescente tensão no Golfo Pérsico e à indefinição europeia, era tudo aquilo que a economia global não precisava.
- Aquele que se aplica na vingança mantém vivas as suas feridas. A frase é do filósofo britânico Francis Bacon, que julgo que Trump nunca terá lido. Porque isso explica muita da estratégia republicana para uma economia que só há 20 anos aderiu às regras do comércio internacional e que os Estados Unidos acreditavam poder liberalizar. Não só não se liberalizou como para a administração americana refinou o seu capitalismo de Estado, colocando-o ao serviço de interesses geopolíticos, sejam de espionagem, controlo de ilhas no mar do sul da China, domínio asiático ou transcontinental.
- Para Washington a China faz batota na competição económica: trabalha a desvalorização cambial com objetivos comerciais, impõe transferências de tecnologia e rouba avanços computacionais ao Ocidente, torce as regras de investimento ou alfandegarias a seu bel-prazer. Ademais, viola todas as regras ambientais e sociais assinadas na OMC, escudada num capitalismo autoritário que lhe permite fazer tudo sem qualquer contestação interna.
- É nesta linha de orientação que entronca a questão do 5G. A América está convicta de que a China está a usar a novas redes para recolher dados confidenciais de empresas, governos e cidadãos. Informação que depois utiliza para ganhar influência regional e mundial, armadilhando as outras economias, espiando e antevendo, controlando sempre que quer. Trump já fez saber a Theresa May que é melhor esquecer a cooperação militar entre EUA e Grã-Bretanha se insistir em permitir que a Huawei trabalhe no Reino Unido, tal como fez a Alemanha. Uma posição europeia contrária à de Japão e Austrália que estão ao lado dos Estados Unidos no isolamento à China.
- A questão não é de somenos importância. A nova geração de redes é uma corrida determinante do ponto de vista económico e tecnológico que ninguém quer perder. Uma nova vaga que vai mudar a vida de todos: dados em tempo real de consumo e de transações financeiras, condução autónoma, cirurgias a milhares de quilómetros de distância, gestão de edifícios e infraestruturas públicas desde sinais de tráfego a barragens. Todo um novo mundo que se possa imaginar. Um imenso mar de informação que define quem somos e o que vamos ser. Quem controlar essa torrente tem um poder incomensurável de definir o futuro e, no limite, condicionar ou paralisar o presente.
- Do lado de Pequim, a argumentação é outra: a competitividade chinesa ao nível das comunicações é claramente superior ao que os Estados Unidos ou Europa têm para oferecer. É apenas uma questão de eficácia e competência. No fundo, mais um exemplo de um declínio inexorável da competitividade ocidental, que uma suspeição permanente aparece como a melhor estratégia para gerar uma cortina de fumo e poder mitigar.
- Nesta guerra aberta subsiste um risco de fundo: a China detém 40 por cento das reservas mundiais de divisas e 60 por cento da dívida americana. Perante uma economia a abrandar, vítima do aumento das tarifas comerciais às suas exportações, Pequim vai baixar os juros e circular dinheiro. Se apostar também em destabilizar os mercados financeiros internacionais por via dos ativos que foi acumulando ao longo das últimas décadas não é apenas a retoma mundial que está em causa. A própria indústria americana, e todo um rust belt que deu a vitória a Trump e a uma narrativa antiglobalização, corre risco de colapso. Seria uma espécie de boomerang a atingir em cheio quem o lançou. Valha-nos a paciência chinesa!
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