Como um líder eternizado destrói um Grupo Familiar

Saber qual o momento para passar o testemunho, ter o sucessor escolhido e preparado e garantir um processo de transição virtuoso é raro - e quando não acontece pode destruir um Grupo Familiar.

A perenidade virtuosa, onde legado, valores, união familiar e prosperidade do negócio se conjugam, é o objetivo último de qualquer líder de um Grupo Empresarial Familiar. Já o disse noutros artigos mas repito-me: durante o mandato e a própria vida desse líder ele tem nas mãos todas as condições para atingir esse objetivo, mas, por mais bem preparado que tenha sido, o dia seguinte pode ser uma incógnita. Pode ser o prolongamento virtuoso reforçado com a modernização que ainda acrescenta mais valor ao negócio e união à família … ou pode ser a entrada num túnel que não se sabe quanto tempo demora atravessar nem onde vai dar, minando a união familiar com angústia, a organização com desmotivação e o negócio com incerteza e desvalorização.

Sim estou a voltar outra vez ao tema da sucessão. Pensava que estava bem coberto em artigos anteriores, mas nos últimos meses testemunhei alguns casos que tornam incontornável voltar a este assunto respondendo de forma assertiva a cinco questões críticas que este assunto envolve e que têm estado ultimamente a ser muito maltratadas por demasiados Grupos Empresariais Familiares em Portugal.

1. Qual o momento certo para passar o testemunho e como deve ser preparado?

Um bom Protocolo de Família dá orientações sobre este momento, através dos anos de tempo do líder no cargo ou da sua idade. Mas não podem ser vinculativas: o Conselho de Acionistas ou de Família têm uma palavra a dizer e vão querer ouvir a opinião dos membros independentes no seio do Conselho de Administração.

Normalmente vão ter peso critérios como o desempenho do negócio do Grupo, o estamina do líder na gestão das várias relações internas e externas, a energia transmitida na liderança da organização e a confiança dos próprios acionistas. Ou seja, o processo de sucessão tem de ser preparado antes que o líder perca as suas qualidades e crie erosão no valor do Grupo – por queda de desempenho, perda de confiança dos acionistas, porque o seu stamina desapareceu ou por cansaço do próprio líder que já não instiga energia na própria organização.

As boas práticas recomendam um período médio de dez anos para escolher e preparar o sucessor e assegurar uma transição suave mas inequívoca. Há cinco questões chave a considerar mas desde logo nesse momento uma questão que se sobrepõe a todas as outras…

2. A Família quer que o novo líder seja do seu sangue e acredita ter candidatos para isso?

A resposta a esta questão normalmente é positiva e desencadeia um processo que passa por garantir de forma muito cuidadosa uma série de aspetos que, mais uma vez, já tive oportunidade de tratar em maior profundidade noutros artigos desta coluna, nomeadamente:

  • Que critérios presidem à escolha dos candidatos, como deve ser conduzido um processo de assessment independente e rigoroso e como deve ser comunicado o resultado?

É frequente que o processo resulte em não ser um único membro da próxima geração o candidato mas dois – o que conduz a que o processo de preparação seja feito para esses dois em paralelo e a decisão seja tomada no final.

  • Que regras deve seguir o processo de preparação dos candidatos que vai levar à escolha do sucessor ?

A preparação dos candidatos finais tem o duplo objetivo de completar a sua avaliação e de conferir a preparação necessária para que assuma o cargo – conhecimento do negócio, da organização, dos mercados ou das responsabilidades do líder e uma conquista natural dos vários stakeholders, convencendo-os de que ele possui os atributos para ser o novo líder.

  • Como escolher o sucessor e o que fazer com o outro?

Há casos nos quais a complementaridade de perfis pode levar a Família a convidar ambos os candidatos finais para serem co-CEOs. É uma situação delicada mas funciona muito bem se houver entre os dois uma relação de respeito mútuo, de amizade e cumplicidade. Caso contrário, tudo se fará para reter o candidato preterido numa posição de prestígio – mas como reportará sempre ao outro em muitos casos opta por sair e desenvolver a sua carreira fora do Grupo . A Família deve aceitar e não reduzir em caso algum o suporte ao candidato escolhido.

  • Como deve ser gerido o processo de transição? O que deve acontecer e o que não pode acontecer num processo de transição?

O líder anterior e o novo vão assumir as funções e responsabilidades que lhes cabem assim como os limites associados para que não haja overlaps nem refluxos. Na prática, tem de haver imensa disciplina do antigo líder, bom sendo do novo e muita comunicação entre os dois. É mau o antigo líder interferir em funções do novo líder. E é mau o antigo líder e colocar-se totalmente de fora deixando o novo líder assumir-se como um patrão absolutista tipo “chegou a minha hora e agora sou eu que mando”. Para isso é bom que o novo líder consulte o antigo em decisões a tomar e crie o conforto no antigo líder que elimina as críticas, conflitos e mau estar típicas de alguém que perdeu o poder que deteve décadas. A confiança mútua e o bom senso têm de prevalecer sempre num bom processo de transição.

  • Que mudanças se devem esperar na equipa executiva e como devem ser preparadas e executadas ?

Ao longo da preparação que precede a tomada do poder, o novo líder faz uma revisão da estratégia do Grupo e uma avaliação da estrutura e da composição da sua Comissão Executiva (CE). As suas impressões são partilhadas com o antigo líder e muitas vezes com o Conselho de Administração ou o Conselhio de Acionistas, passando gradualmente e com persuasão as alterações que se propõe fazer. Se os Conselhos aprovam que haja uma nova posição na CE ou a substituição de um dos membros a forma de o fazer será estabelecida nessa altura para que, quando a nomeação do novo líder seja formalizada, já tudo tenha sido tratado e a nova CE seja formalizada no mesmo momento. A equipa executiva toma toda posse e cada um assume a sua posição e responsabilidades ao mesmo tempo.

3. O processo pode considerar que o novo líder seja um profissional externo à Família?

Claro que sim, não só pode como deve. Mesmo no caso da ascendência de um “sucessor natural” na Família é saudável que seja contrastado com a candidatura de um líder profissional externo à Família. Há por isso um processo de seleção externo a que se segue um assessment profissional de candidatos externos similar ao que se descreveu para os candidatos da Família: quais os critérios e quem está envolvido.

É frequente a escolha recair sobre um profissional externo quando, por uma questão de idade ou perfil, a Família não tem candidatos aptos na geração seguinte. As regras de governance têm de ficar bem estabelecidas para conforto de acionistas e do novo líder assim como, na prática, tudo o que ficou exposto no ponto 2 sobre o processo de transição aplica-se no caso do profissional externo.

É importante que fique claro desde o início qual a missão e o tenure esperado do profissional externo e os seus graus de liberdade – ou seja se vem tapar um buraco temporal e ajudar a preparar um candidato da geração seguinte (exemplo do Grupo Mota Engil) ou se não há de facto líderes naturais na Família e o profissional externo vem assumir o lugar numa perspetiva de longo prazo (exemplo do Grupo Tecnimede).

4. que regras deve seguir o processo de introdução do novo líder na organização, que graus de liberdade deve ter?

É fundamental que, a partir do momento em que é comunicada a escolha e depois quando a sua tomada de posse tem lugar, o sucessor tenha uma base de apoio absoluta dos órgãos não executivos, do seu antecessor, das sua nova CE e em larga medida dos quadros da organização. A liderança não se impõe mas conquista-se – por isso a conquista desta base de apoio cabe em larga medida ao sucessor com o coaching do antigo líder e dos líderes de opinião mais destacados do Grupo e vai ser feita gradualmente mas de forma assertiva, assumindo claramente os seus poderes sem hesitação mas criando equipa desde o início. Para tal deverá ter os graus de liberdade previstos nos estatutos do Grupo e nos regulamentos da Comissão Executiva e do Conselho de Administração.

5. que mudanças se devem esperar na equipa executiva e como devem ser preparadas e executadas?

Tal como se referiu, cabe ao sucessor, consultando os acionistas, propor as alterações que entender para a estrutura e composição da sua nova equipa executiva.

A sua preparação deve ter em atenção o facto da estrutura espelhar bem a estratégia do Grupo, o perfil e a sua relação com cada elemento, a perceção de dinâmica de equipa que se vai criar (evitando por exemplo duas personalidades na CE com um historial de conflito) e de confiança de parte a parte em particular nas capacidades de liderança do sucessor.

No tocante à execução é novamente uma questão de bom senso. O novo líder tem de ter conversas individuais com cada um dos membros da sua nova CE tendo as responsabilidades e poderes bem definidos à cabeça, a estratégia do Grupo e o que se espera desse membro e da CE como um todo. Caso haja lugar a um membro da anterior CE que perde o seu lugar, as razões e o seu novo papel devem ser bem explicadas e aceites sobretudo se for um quadro importante a reter.

Conclusão

Mais do que nos restantes acionistas, está nas mãos do líder transformar o seu Grupo Familiar num império florescente ou destruí-lo se, por vaidade ou receio do futuro ou qualquer outra razão, não lhe souber dar a continuidade certa. Mesmo se falecer ou ficar incapacitado a meio do seu mandato o processo de sucessão tem de estar em marcha e ser concluído pela Família de forma lisa. Mesmo se o líder sofrer uma doença súbita ou um acidente inesperado está claro para a Família quem tomará de imediato e interinamente o seu lugar e preparará o processo de sucessão da forma adequada.

Mas tantas vezes não é assim. A quantidade de pensamentos errados neste tema tão decisivo é abissal e está nas mãos dos líderes dos Grupos Familiares, e naturalmente do foro acionista como um todo, ter a consciência do que não está a ser feito, do que está a ser mal feito e das consequências associadas.

O apoio dos membros independentes do Conselho de Administração e uma assessoria externa experiente nesta matéria, contratada de preferência em Portugal pelas exigências de comunicação e de sensibilidade, é dificilmente dispensável pela qualidade que pode imprimir a todo o processo, do assessment de candidatos e à programação da preparação do sucessor e acompanhamento do processo de transição.

NOTA

A remoção de quaisquer dúvidas ou resposta a comentários no âmbito deste artigo obriga a entrar em detalhes que foram cobertos noutros artigos desta coluna. Caso o leitor tenha esse interesse e assim mo indicar, terei muito gosto em responder anexando os artigos em causa.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Como um líder eternizado destrói um Grupo Familiar

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião