Contradições de Abril
Há sucessos, muitos. Há também fracassos, menos. O que mais pesa é saber que o país podia, nestes 50 anos, ter chegado mais longe.
Nasci um ano e nove meses depois do 25 de abril. Não é preciso ter passado pela ditadura para se valorizar o tanto que a revolução nos deu. Há sucessos, muitos. Há também fracassos, menos. O que mais pesa é saber que o país podia, nestes 50 anos, ter chegado mais longe, e que em algumas áreas esteja a regredir.
Há muito para celebrar. A liberdade, acima de tudo e sem a qual não teríamos tudo o resto. Mais ainda num tempo em que ela se vai esboroando um pouco por todo o mundo.
A Educação. Em 1974, só 5% dos jovens completava o secundário, agora são 88%. Há hoje cinco vezes mais alunos no ensino superior do que em 1978, segundo dados da Pordata. Se antes a maioria eram do sexo masculino (58%), agora são do feminino (54%). Portugal continua a ter uma percentagem de diplomados inferior à da UE, mas na faixa etária entre os 25 e os 34 anos está já bem acima, com 48% face aos 41% da média dos Estados-membros.
É razão para otimismo, mas o país devia ter feito mais para aqui chegar mais cedo. O novo ministro da Educação, Fernando Alexandre, apontou esta semana o erro que foi a demora em elevar a escolaridade obrigatória para o 12º ano, que só aconteceu em 2009, afastando muitos da possibilidade de chegar ao ensino superior. Uma falha grave que o país pagou com um menor crescimento da produtividade e atraso económico. Não é a única. A desigualdade salarial entre homens e mulheres continua a envergonhar-nos, sem redenção à vista.
O progresso na Saúde é também notável. Em 1974, podíamos esperar viver, em média, até aos 68 anos. Ganhámos 13 anos até 2022. Se em 1975 havia 122 médicos por cada 100 mil habitantes, em 2021 eram 564. Os enfermeiros passaram de 205 para 771.
Há falhas. Mesmo vivendo mais, temos menos anos de vida saudável que na média dos países da OCDE. E retrocessos. O Serviço Nacional de Saúde, uma grande conquista de abril, atravessa a maior crise desde que foi criado, vítima de um Estado que não soube incorporar os benefícios de uma gestão moderna, eficiente e atrativa para quem nele trabalha.
Vivemos ainda na contradição de achar que o Estado é mau, mas o setor privado, os seus modos e os seus lucros também.
Na habitação, não só o número de casas duplicou como as condições melhoraram muitíssimo. “Em 1970, mais de 36% dos alojamentos familiares não possuía eletricidade, cerca de 42% não tinha esgotos e quase 53% não tinha água canalizada”, nota o INE. Carências que são agora residuais.
O que não impede que a política pública de habitação tenha falhado na última década, incapaz de precaver o impacto que teria a procura estrangeira nas principais cidades, como já acontecera noutros países europeus.
Fez-se caminho no combate à pobreza e às desigualdades, mas menos que o desejável. A taxa de pobreza, após transferências sociais, é hoje menor (17%), mas ainda elevada. A desigualdade, medida pelo índice de Gini, baixou de 37% para 33,7% nas últimas três décadas, mas continua alta. Agravou-se, de resto, entre 2019 e 2022.
O maior fosso do país é mesmo entre o litoral e o interior. A coesão territorial é o grande fracasso deste meio século de democracia
Mais pobres estaríamos se mais tempo tivesse vingado a tentativa de impor em Portugal um regime comunista. A liberdade abriu a economia ao exterior, criando oportunidades. Vieram as multinacionais com o seu investimento e conhecimento, as empresas portuguesas aventuram-se lá fora. Sem democracia, Portugal não estaria na UE ou no euro e não teria acesso direto a um mercado único de 448 milhões de consumidores.
As exportações, que em 1974 valiam 20% do PIB, valem agora perto de 50%. A balança comercial, que tinha um défice de 11,6 pontos do PIB tem agora um saldo positivo de 1,2%. As vendas ao exterior de média e alta tecnologia deram um salto, embora precisem de crescer muito mais.
Há um copo meio vazio que não se pode ignorar: a quase estagnação da economia este século e a muito lenta convergência com a UE. O PIB per capita é de 83% da média europeia, o que coloca Portugal no 18.º lugar em 27.
Se há muito para celebrar, há dois aspetos preocupantes. Um deles é, sem dúvida, a degradação da imagem das instituições, que serve de pasto à extrema-direita, e a queda brutal na participação eleitoral, invertida nas últimas legislativas, mas que não anula a tendência.
Cinquenta anos depois, não há dúvida que vivemos num país muito melhor do que aquele que herdámos do Estado Novo. Mas há uma nova ferida que deixa um sentimento contraditório. Haverá, hoje, poucos pais que não temem ver os filhos emigrar e já não voltar.
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