Na “Casa da Democracia” falta pluralismo de ideias, falta competência técnica, sobra o estereótipo da moda e a indignação hipócrita.

O Parlamento votou pela abolição dos “Debates Quinzenais”. O nome tem o ridículo de uma prática consentânea com uma Colónia de Férias, não um exercício normal ao funcionamento do Parque, mas um momento especial em que se recebe a visita de um Senhor Importante que vem de fora. Daí a lógica da boa figura, do discurso redondo e nulo, vistoso no eco das Galerias com passaporte para uma Pasta Governamental ou para um Título de Jornal.

Ao fim de quarenta anos de Democracia a tão criticada “classe política” torna-se numa verdadeira classe distinta do comum dos portugueses, separada da Nação e sobre a qual o País nada tem para agradecer a não ser desprezo e desconfiança. Em Portugal não há o hábito cultural e político do “debate de ideias”, do “confronto de opiniões”, pois tudo rapidamente degenera numa linguagem codificada na elevação, pedante na ignorância, pessoal na intenção.

Um Debate Parlamentar é o momento em que os portugueses podem verificar a distância entre o País Político e o País Real, e constatam, para mal da Nação, que a realidade é um entrave à política, logo que os portugueses são um obstáculo às conveniências da política à portuguesa. O Primeiro-Ministro não se está para incomodar e os pequenos partidos parece que incomodam. De hoje em diante, a cada dois meses, a Grande Política entra no Parlamento sendo os intervalos preenchidos com os rituais do insulto e o dicionário da demagogia.

Na realidade, o Parlamento mais parece uma versão pós-moderna da Câmara Corporativa, um lugar onde os interesses das Corporações são salvaguardados face à exigência do bem-comum. Na “Casa da Democracia” falta pluralismo de ideias, falta competência técnica, sobra o estereótipo da moda e a indignação hipócrita. Mais fantástico ainda é o facto do Parlamento alimentar o antiparlamentarismo clássico às forças antidemocráticas, como se a Democracia fosse uma reserva exclusiva daqueles que têm as credenciais políticas convenientes, mas não os votos dos portugueses.

Esta lógica retira dignidade ao Parlamento, exclui a importância das Instituições para incorporar no Sistema Democrático todas as opiniões e todos os desvarios desde que legitimados pelo voto. O que acontece é que todos esses desvarios e opiniões irão surgir no debate público através das omnipotentes redes sociais, sem o vínculo das regras, sem o respeito pelo contraditório, apenas e simplesmente um universo de mensagens políticas escritas e propagadas por dedos impulsionados pelo ódio. A massificação da participação política afinal não implica a democratização do debate político, mas sim uma pulverização de tribos e câmaras de eco mutuamente exclusivas e em permanente confronto destrutivo. Ganhar o debate é cancelar o outro, a opinião que domina exclui todas as outras, a ficção de um Parlamento nas redes sociais é um teatro de intolerância que enfraquece a Democracia.

Logo agora que o País tem um “Plano Estratégico” para os próximos dez anos, logo agora que a Nação garante o Envelope Financeiro Europeu na forma de um Fundo de Recuperação, logo agora que o Governo anuncia aos cidadãos que Portugal vai entrar num “novo ciclo”, ocorre esta cirúrgica exclusão do Parlamento. E é no Parlamento que o mesmo Primeiro-Ministro apela à Esquerda para a definição de um “entendimento sólido e duradouro” para a concretização do grande desígnio da História do Portugal Contemporâneo – a modernização.

Na confluência do dinheiro e das ideias, a simples utilização da palavra “modernização” é um indicativo de que o futuro do País será a maravilha da Europa, anulando de caminho qualquer crítica ou objecção. Os portugueses de boa-fé têm de acreditar que “moderno” e “bom” são duas formas de atingir o mesmo objectivo político. Nesta lógica infalível, o Primeiro-Ministro assume que um PSD “retrógrado” só pode ser defensor do “atraso” e do “mal” para Portugal. O Primeiro-Ministro eleva-se à condição do Grande Modernizador do País, ascende ao Panteão dos Estadistas que trabalham politicamente para a felicidade dos portugueses. Os portugueses agradecem bem do fundo das estatísticas da Europa.

A modernização em Portugal é uma miragem furtiva. Desde o século XIX que Portugal procura a modernização. A palavra mantém-se na forma de um pensamento mágico, o conteúdo oscila ao sabor da ignorância, à deriva das insolvências, ao ritmo das incompetências. A última versão da modernização está centrada no Fundo de Recuperação para a Europa, de novo a última oportunidade que o País não pode falhar.

Em Portugal a lógica da modernização é encarada como a cópia de um modelo estrangeiro adaptado a uma realidade à qual não se aplica. Parece que há um Plano, mas o documento não passa de uma compilação de tudo e de mais alguma coisa, menos a programação política. A mesma modernização que é entendida como um momento político, na circunstância do novo ciclo anunciado para dez anos. Mas a modernização é um processo político permanente e complexo, não um impulso momentâneo.

Em Portugal, as modernizações acabam com o regresso ao autoritarismo, com a subserviência política, com a emergência do oportunismo que se foca na distribuição de rendas e na recirculação dos despojos pela nova elite política. Quando tudo falha, tudo começa de novo. Portugal é um País cercado pelo eterno recomeço.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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